Caco Ciocler sobre viver dono de bordel: 'Medo de apanhar'
Num casarão arborizado, em pleno coração do bairro do Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, a Ingresso.com acompanhou um dia das filmagens de "As Polacas", novo longa do diretor João Jardim.
A locação foi toda adaptada para remontar à segunda década do século XX, em ambientes que recriam o bordel onde a maior parte da trama se passa.
Embora real e perverso, o tema principal do filme não é amplamente conhecido. A verdade é que, durante quase um século, uma larga rede de exploração sexual e tráfico de mulheres, em sua maioria judias, esteve ativa em diversos cantos do mundo, e suas vítimas foram histórica — e pejorativamente — apelidadas de "polacas".
China, Argentina, Índia, Estados Unidos e até o Brasil, são alguns dos países que mantinham locais destinados a receber e explorar essas mulheres. Vindas dos chamados shtetls, vilarejos judaicos carentes, as jovens migravam casadas com homens da Zwi Migdal, organização responsável pelo esquema. Além de serem obrigadas a se prostituir, sendo assim excluídas de sua própria religião, a Zwi Migdal também era composta por judeus, fazendo com que alguns membros da comunidade fossem, fatidicamente, os algozes dessas mulheres.
Em "As Polacas", Caco Ciocler interpreta Tzvi, dono do bordel no Rio de Janeiro onde as jovens são exploradas. O filme se trata de uma obra de ficção, tendo como base o drama vivido por essas mulheres. O ator contou detalhes sobre o personagem e como ele é inspirado na história real.
"Esses caras existiram. Eles iam para a Europa atrás dessas meninas judias que viviam nas aldeias camponesas, nos shtetls, e que já enfrentavam muita perseguição por lá. Os shtetls eram lugares onde as comunidades judaicas eram literalmente despejadas, bairros muito empobrecidos, sem saneamento. Assim, eles chegavam lá e enganavam essas meninas. A história dele é essa".
Ciocler também revelou que, ao ler o roteiro do longa, entendeu Tzvi como um "vilão da cabeça aos pés". Entretanto, ele garante que, em parceria com o diretor João Jardim, fez questão de construir o antagonista de forma convincente e alinhada ao contexto histórico e social da época.
"Sim, ele só faz maldade do início ao fim. Mas, a partir daí, a gente começa o trabalho de interpretação, da direção, tornando esse personagem não tão 'chapado'. São muitas camadas. A solução que o João encontrou foi a seguinte: o filme conta a história da Rebeca, e ela entende essa história de uma maneira, e o Tzvi entende de outra. Então, na cabeça dele, ele está de fato salvando essas meninas, dando oportunidades a elas, tirando da fome, da perseguição, dando comida (...) É uma visão totalmente enviesada, mas é absolutamente machista, que é o que imperava naquela época. O discurso era esse. Por exemplo, ele se sente traído por elas. Em uma das cenas, ele diz: "Eu sempre fiz tudo por vocês" - ele realmente acredita que salvou a vida delas".
O ator, que é judeu, explica que os impactos do seu personagem diante da comunidade judaica o preocupam. No entanto, ele entende que a história de "As Polacas" precisa ser contada, principalmente considerando o cenário atual de crescimento de violência contra a mulher no Brasil e no exterior:
"Sobre interpretar o Tzvi, eu estou com medo? Medo de apanhar da comunidade. A comunidade judaica tem uma questão sensível: ela foi perseguida em diversos momentos da história. E o antissemitismo reinou e continua reinando. Inclusive, estamos numa onda crescente agora. Então, existe a discussão: para que é que nós vamos falar mal de nós mesmos? Por que alimentar um ódio, e não falarmos das coisas boas? Mas, no filme, é claro que vamos falar de coisas boas, mas a gente não pode esconder essa página. Somos judeus e somos seres humanos. Temos representantes do bem e representantes do mal. Precisamos também abandonar essa ilusão de que pertencemos a uma comunidade perfeita. Temos problemas e precisamos lidar com eles. É o único jeito de crescer", conclui Ciocler.
O projeto de "As Polacas" foi idealizado há quase dez anos por Iafa Britz ("Minha Mãe é Uma Peça", "Nosso Lar"), produtora do filme. A trama é focada na personagem Rebeca (Valentina Herszage), que chega ao Brasil, junto a seu pequeno filho, com promessas de felicidade. Encarando uma outra realidade, ela é chantageada e enganada, e acaba refém da rede prostituição. Para escapar, Rebeca encontrará aliadas que lutarão pela liberdade, mesmo que precisem transgredir com suas próprias crenças.
Além de Caco e Valentina, o elenco ainda é formado por Dora Freind, Amaurih Oliveira, Otavio Muller, Clarice Niskier, Anna Kutner e outros grandes nomes.
"As Polacas" chega aos cinemas em 2023, mas ainda não possui uma data de estreia definida.
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