Filha de Belchior desabafa sobre sumiço do pai: 'Não sabia onde ele estava'
O sobrenome de Vannick Belchior não esconde de quem a cearense é filha: Antônio Carlos Belchior, um dos maiores nomes da MPB, que faleceu aos 70 anos em 2017. Ela é a filha caçula do artista e conviveu pouco tempo com o pai, apenas até os dez anos, quando ele decidiu largar os bens e viver longe dos holofotes em 2008. Nem ela, nem os irmãos e outros familiares souberam de seu paradeiro durante anos.
Hoje, aos 25, ela divulga seu primeiro EP, "Das coisas que aprendi nos discos", no qual regrava seis sucessos do cantor, e conta a Splash que usa a música do pai como forma de reparação afetiva, além de resgatar a presença dele, que lhe foi tirada precocemente.
Em outras palavras, ela regrava as canções de Belchior para conhecê-lo melhor e "curar dores" que existiram durante o período em que ele se manteve distante dos holofotes e dos compromissos familiares, incluindo a pensão alimentícia das filhas mais novas.
"Passei por um período muito dificil, na adolescência, quando via meu pai nos jornais, via a reclusão dele e não sabia onde ele estava. Não escondo isso de ninguém, até porque essa reclusão atingiu toda a família, meus irmãos, minhas tias e minha avó. Eu sentia aquela ausência à flor da pele, de forma dolorida", começa.
Precisei passar por muito amadurecimento e uma das portas que me ajudou bastante foi a música. Por isso, eu exploro a obra do meu pai. O que um dia foi ausência, hoje é presença. O que me doeu, hoje me alegra e gera sorrisos.
Vannick Belchior
"Nunca tive nenhum tipo de revolta em relação ao meu pai porque eu, com a minha pouca idade na época, não tinha direito de querer entender o porquê dele. Ele sabia os porquês dele. Isso tinha que ser respeitado e não julgado... Estar na música agora, intrinsecamente ligada a obra do meu pai, é uma das maiores formas de curar essas dores que em outrora estiveram comigo", completa.
No papo com Splash, ela ainda lembra o período em que conviveu com ele na infância, principalmente nos bastidores dos shows que ele fazia pelo Nordeste.
"Meu pai nunca morou em Fortaleza, sou a única filha cearense, mas ele sempre vinha para cá e tínhamos encontros. Eu ia muito para os shows, ficava no camarim. Eram encontros musicais e maravilhosos. Apesar de a vida ter me tirado previamente, eu vivi exatamente o que tinha de viver, presenciar e sentir para seguir o meu caminho hoje", pensa.
"Das coisas que aprendi nos discos"
Formada em Direito, Vannick subiu ao palco pela primeira vez em 2021 quando foi ao show de Tarcísio Sardinha, parceiro musical de Belchior que faleceu em abril deste ano, e ele a convidou para cantar. Foi o que ela precisava para se dedicar à música e se jogar na discografia do pai.
"Logo quando comecei a cantar, foi uma surpresa para as pessoas descobrirem que o Belchior deixou uma filha. É uma surpresa enxergar as semelhanças. As pessoas sentem muita saudade do meu pai porque ele foi embora sem se despedir do público. Ele era e ainda é muito querido. Então, é muito gratificante quando as pessoas me descobrem porque elas transferem esse carinho e respeito para mim", diz.
Um ano depois de subir ao palco graças a Sardinha, o EP "Das coisas que aprendi nos discos" chega às plataformas com as regravações de "Como nossos pais", "Sujeito de sorte", "Apenas um rapaz latino-americano", "Galos, noites e quintais", "Paralelas" e "De primeira grandeza".
"Não foi nada fácil escolher as músicas porque o meu pai tem um império, né? Mas escolhi músicas mais clássicas e mesclei com as que me identifico bastante... 'Como nossos pais', para mim, é a mais emblemática. Sinto como se ele tivesse escrito a minha história, sendo que eu ainda nem existia. Mesmo tendo feito tudo o que eu fiz, ainda estou seguindo o caminho dele", diz.
Posição política de Belchior
Vannick pontua que as músicas de Belchior, que foram escritas há mais de 30 anos, seguem atuais por ainda retratar os problemas sociais do Brasil. "Ele era um visionário e um revolucionário", elogia.
"Infelizmente os problemas continuam os mesmos. A música do meu pai é uma música completamente social. Também sou uma pessoa muito social. Não tem como a gente ser cidadã sem olhar as nuances da nossa sociedade e do nosso povo", diz.
Ao refletir sobre qual seria o posicionamento político dele em 2022, ano de eleição, ela diz que ele não concordaria com o atual governo de Jair Bolsonaro (PL), que busca reeleição, mas provavelmente teria posicionamentos discretos.
"Meu pai sempre foi um homem muito discreto em seus posicionamentos. Através da sua arte, ele expressava de forma avassaladora o que pensava... Eu não sei se ele gritaria 'Fora Bolsonaro', embora seja muito evidente que ele não concordaria com qualquer tipo de governo ditatorial ou que ameaçasse a nossa tão suada democracia", pensa.
"Ele teria esse posicionamento, mas sem tamanha violência. Com violência no posicionamento, a gente, às vezes, engrandece e fortalece a violência do outro lado que a gente não apoia", finaliza.
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