'Atual presidente jamais venceria': atores de 'O Debate' criticam Bolsonaro
O filme brasileiro "O Debate", dirigido por Caio Blat, flerta com a realidade enquanto se passa na redação de uma grande emissora de TV no dia do último debate presidencial antes do segundo turno das eleições de 2022.
O longa mostra os bastidores da produção do telejornal que vai ao ar logo depois do primeiro encontro entre dois presidenciáveis: o atual líder do país e o candidato da oposição.
Paula (Debora Bloch) e Marcos (Paulo Betti), um casal de jornalistas que acabou de se separar, discute como eles devem conduzir a edição dos melhores momentos do debate que o canal vai exibir — e que pode interferir na escolha de centenas de milhares de eleitores indecisos.
"Acho que esse era o desejo da gente, participar da realidade do país, porque é uma coisa muito difícil de fazer. Eu mesmo já fiz muitos filmes que refletem sobre o país, mas sempre a posteriori. Desta vez, queremos participar do debate atual no Brasil", explica o cineasta, em entrevista exclusiva concedida por ele e outros membros da equipe à Ingresso.com.
Inevitavelmente, o filme aborda diversas questões relacionadas à pandemia da Covid-19, um dos mais tristes capítulos da história contemporânea. Paulo Betti afirma que evocar a memória do brasileiro sobre o tema é uma das propostas do longa:
"Foi essa a intenção do filme, da gente não se conformar com fatos absurdos que têm acontecido, violentos, graves, e não deixar isso passar. Tem aquela famosa frase: 'De 15 em 15 anos, o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos'. Era o Ivan Lessa (jornalista) quem dizia isso. Hoje, isso acontece a cada 15 minutos", opina o ator
"É um sistema de comunicação que eles têm, em que você propõe as coisas mais absurdas, para produzir essa empatia idiota, da violência, da desinformação e da mentira, da mentira descarada", completa Betti.
Acho que o filme vai incentivar as pessoas a prestarem atenção, a ouvir. Porque o poderoso do Brasil, o atual presidente, jamais venceria um debate. Depois de 680 mil mortos, depois de recusar uma vacina que estava sendo oferecida, poderia ter sido transformador, e meu personagem fala isso no filme.
Paulo Betti, protagonista de 'O Debate'
"Quem derrotaria o atual presidente se ele tivesse comprado aquelas 100 milhões de doses da Pfizer e tivesse vacinado o país inteiro, imediatamente? E depois a economia voltaria a funcionar rapidamente, e estaria tudo bem. Olha só, seria um gênio!", argumenta Betti.
"Ele teria que fazer, mas não fez. Então, eu acho que o filme vai provocar isso, não vamos esquecer tão rápido. Não podemos esquecer que o Paulo Gustavo morreu porque não tinha vacina", questiona o protagonista após fazer as críticas sem citar nominalmente Jair Bolsonaro (PL).
'Não aguentamos mais'
O ator contracena ao lado de Debora Bloch, e ambos vivem um casal que possui uma considerável diferença de idade. Contudo, Debora se anima em revelar que o fato de ser uma mulher mais nova e estar numa posição hierárquica abaixo da de Marcos (Betti) na emissora de televisão, não a impede de ser a figura que melhor representa os ideais progressistas que a trama exalta.
"Eu acho que ela é corajosa, quer furar o cerco, ela tem uma atitude muito mais propositiva que a do Marcos. Ele segue mais as regras do jogo, e ela quer quebrá-las, transgredir. E isso é muito legal. Eu acho que as mulheres têm essa força, elas só não estiveram, durante muitos séculos, em posições de poder" Débora Bloch
Ainda sobre a pandemia, Guel Arraes, que desenvolveu o roteiro de "O Debate" ao lado de seu parceiro de longa data, Jorge Furtado, revela que o atraso na compra das vacinas foi o estopim para que eles começassem a escrever o livro, que foi posteriormente adaptado para o cinema.
"Foi durante a pandemia, quando o governo ainda estava discutindo sobre a eficácia da vacina, se ia comprar, protelando, quando a coisa mais urgente no momento seria: onde tem vacina? Como a gente compra e onde arrumamos dinheiro para comprar o máximo de vacina possível? Achei que a gente chegaria a um consenso, os absurdos eram tão grandes. Mas não, isso não era um consenso. Atrasou, pessoas morreram", afirma.
Para Guel, posicionar-se politicamente de maneira tão explícita não é uma constante em seus trabalhos. Contudo, ele e a equipe se juntaram para que as vozes dos artistas pudessem ecoar nesse projeto.
"Paramos e pensamos no que a gente podia fazer. E isso mudou a nossa maneira de pensar, realmente, fizemos uma ação artístico-política que foi muito acrescentada com o grupo de artistas que entrou para fazer o filme", disse o diretor.
Jorge Furtado também lamenta o atual momento do Brasil, e explica a natureza do longa. "Esse não é um filme partidário no sentido de ser de um partido, mas ele toma partido, sem dúvida, porque os dois [protagonistas] fazem oposição ao governo. Eles pensam parecido, mas discordam a respeito de pequenas coisas".
Além de impressionar pela capacidade de discutir sobre os fatos que ainda estão se desenvolvendo, "O Debate" pode representar um recorde para o cinema nacional.
Guel Arraes afirma que, após iniciada a produção, o filme foi finalizado em apenas 60 dias - e, levando-se em consideração o ritmo da sétima arte brasileira, a velocidade impressiona. Caio Blat explica que esta foi uma das maiores dificuldade que enfrentou como diretor.
"Foi um desafio muito grande, a gente tinha um texto muito político e nós precisávamos dar uma roupagem cinematográfica para ele, criar personagens interessantes, um casal com o qual a gente se identifica. Tentar, no meio da conversa, contar um pouco da história desse casal para que a gente torcesse por eles, e transformasse aquilo num filme de amor."
"Eu acho que isso é muito notável no filme: a forma como todas as equipes envolvidas, desde os autores, diretores, atores, todo mundo trabalhou de uma forma extraordinária e fora do comum para fechar esse filme em tempo recorde, e participar do debate brasileiro".
Blat conclui a entrevista com um convite ao público, na esperança de que a intenção de toda a equipe de "O Debate" possa ser concretizada.
"O filme convida a gente a sair das fake news, do absurdo, da defesa do fascismo e da ditadura, de falar que a Terra é plana, e propõe que a gente volte ao debate amoroso. Isso é o principal. (...) O afeto e o carinho que sentimos pelo nosso país, nosso vizinho, família ou pelo nosso ex-marido, é o caminho para retomar o diálogo no Brasil".
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