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Denise Fraga: 'As pessoas estão com a atenção muito estragada'

Colaboração para Splash, do Rio

26/08/2022 04h00

Durante a pandemia, Denise Fraga criou com o marido, Luiz Villaça, e o filho, Pedro, a série "Horas em Casa", que exibiu no YouTube. "Ali eu achei que tinha encontrado a grande maneira de existir na rede: mostrava minha casa, minha roupa de cama, minha louça, tudo o que as pessoas querem ver, mas estava fazendo ficção."

Em conversa com Zeca Camargo no "Splash Entrevista" desta semana, a atriz de 57 anos contou como os dilemas da vida contemporânea estão refletidos em seus trabalhos atuais, o filme "45 do Segundo Tempo" e a peça teatral "Eu de Você". E de como a atual lógica das redes sociais e da internet tem "roubado" a atenção das pessoas.

Por isso, ela disse, "Eu de Você" foi propositalmente pensada para ser "espetaculosa". Apesar de ser um monólogo, Denise interage em cena com projeções em um telão, uma iluminação ultrassensorial, uma banda ao vivo e muita interação com a plateia. Tudo para "captar" a atenção dos espectadores.

A gente precisa se preocupar com essa captura. As pessoas estão com a atenção muito estragada. E houve um empobrecimento subjetivo muito grande.

Denise, que se considera "a rainha da palavra", sabe que um texto, hoje, não é suficiente para competir com "a extinção do blackout". "Tem sempre umas luzes azuis na plateia", observou.

Ainda assim, "Eu de Você" tem cumprido, noite após noite, seu objetivo: que as pessoas se reconheçam umas nas outras. "É quase um papo reto com a plateia. E o teatro tem que ganhar cada vez mais essa compreensão de que estamos todos ali."

Há um momento de silêncio na peça. E 400 pessoas conseguirem ficar juntas, em silêncio, hoje, é uma coisa preciosa. E as pessoas ouvem, porque o silêncio, hoje, é um barulho infernal.

'Me sinto um aparelho de 110 ligado no 220'

Apesar das críticas, Denise não é uma pessoa avessa às tecnologias. Mas reconhece suas limitações:

Eu me sinto um aparelho de 110 volts ligado no 220 - e sem poder queimar!

"Eu acho que a gente tem que se cuidar dentro dessa enxurrada que nos foi impingida, essa voltagem, essa velocidade toda", disse.

Ela lembrou que Caetano Veloso fala dessa "loucura que virou a nossa vida" na música "Anjos Tronchos", de seu último disco, "Meu Coco". "Ele diz 'Mas há poetas como jamais / Como nenhum poeta jamais sonhou / E eu vou, por que não?"

Então eu vou. Mas tenho muitas crises. Posto pouco e acho que devia postar mais. Penso em contratar alguém, mas aí não vou ser eu postando.

'Quem lê Dostoiévski sofre mais bonito'

Denise sempre recorre à arte para entender o mundo ao redor. O material da peça "Eu de Você", que roda o Brasil (atualmente está no teatro Prudential, no Rio) é feito de uma "trança da vida cotidiana com literatura, poesia, trechos de música".

Quem lê Dostoiévski e Fernando Pessoa vai sofrer mais bonito, porque sofre na companhia dos poetas. Uma pessoa acompanhada da arte tem maior compreensão da imperfeição humana.

E explicou seu ponto de vista. "Você não deixa de sofrer, mas se tem aquele conto da Clarice Lispector, aquela música do Chico Buarque, você fica lá chorando, mas tem aquele verso pra cantar.

E quando você pensa que o Chico teve aquele mesmo sentimento que você pra compor aqueles versos que agora dão voz à sua angustia, você fica cúmplice do chico naquele sentimento que ele teve!

'O filme é uma ode à amizade'

A descoberta - ou redescoberta - do outro também permeia a comédia "45 do Segundo Tempo". Denise vive Lilian, casada - e em crise - com Ivan (Cassio Gabus Mendes), "um cara 'Diretas Já' que virou advogado de gente que faz falcatrua".

Ivan reencontra os amigos de infância Pedro (Tony Ramos) e Mariano (Ary França). Infeliz consigo mesmo Pedro aproveita a ocasião para avisar que vai se matar, mas não sem antes ver o Palmeiras campeão.

"De uma forma divertida e engraçada, o filme fala do que nós éramos e do que viramos. Mas, mais do que isso, mostra o que a gente ainda poder ser", explicou Denise.

E a potência dos amigos juntos. Um lembra o outro de quem ele é. E o quanto isso ainda está na gente. O filme é uma ode à amizade. Você sai da sessão querendo encontrar seus amigos.