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Depressão, ansiedade, vícios: Cara Delevingne e sua juventude conturbada

Cara Delevingne usa vestido Dior em ensaio para revista de março de 2022 - Pamela Hanson/Harper"s Bazaar
Cara Delevingne usa vestido Dior em ensaio para revista de março de 2022 Imagem: Pamela Hanson/Harper's Bazaar

De Splash, em São Paulo

17/09/2022 04h00

"Abrace sua esquisitice. Pare de rotular e comece a viver."

É com esses conselhos que Cara Delevingne se apresenta para os mais de 42 milhões de seguidores que acumula no Instagram. Aos 30 anos, a atriz e modelo britânica nascida em Londres foi de ícone fashion a revelação de Hollywood nos últimos anos. Agora, ela está no centro de uma situação que preocupa fãs, amigos e curiosos, desde que foi vista desgrenhada e "fora de si" em um aeroporto de Los Angeles.

A cena ocorrida no início do mês de setembro foi clicada sem que a atriz percebesse por um paparazzo e rapidamente se transformou em manchetes de sites e jornais pelo mundo todo.

Cara parecia abalada, com o semblante perdido e preocupado, e andava com os cabelos desarrumados enquanto fumava um cigarro. A atriz usava um camisetão com o rosto de Britney Spears estampado e, nos pés, apenas um par de meias.

As fotos circularam de forma incessante pelas redes sociais, evidenciando o contraste entre esta Cara e aquela que já foi o rosto de marcas como Dior, Mulberry e Chanel.

Afinal, o que aconteceu com ela?

Desde que se tornou um rosto conhecido, Cara tem sido honesta sobre suas lutas pessoais com questões que envolvem sua saúde física e mental. Depressão, ansiedade e pensamentos suicidas são alguns dos temas que ela já abordou com fãs, jornalistas e outras grandes celebridades que a rodeiam.

Da sala de aula aos consultórios

Puma - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Cara Delevingne em campanha pró LGBTQIA+ para a Puma
Imagem: Reprodução/Instagram

Cara começou a sentir dificuldades com questões emocionais aos 15 anos, mas ela se recorda de ser uma criança "teimosa" antes disso. Segundo ela, sua saúde mental começou a ser comprometida como resultado das dificuldades em aula — embora, aos nove, os professores diziam que ela tinha a habilidade de leitura de uma adolescente de 16 anos.

"Se eu falho em alguma coisa, é o pior que pode acontecer no mundo porque eu nunca consigo me perdoar", disse, em 2017, à revista The EDIT.

Eu nunca sentia que era boa o bastante. O fato de eu não conseguir fazer as coisas tão bem quanto outras pessoas fazia eu me odiar. E nós somos designados para acreditar que assim que recebemos uma nota vermelha, como um C, aquilo é uma nota para a vida. Aquilo é você como ser humano. Isso permaneceu comigo por um bom tempo.
Cara Delevingne

Na época desta entrevista, aos 25 anos, Cara já havia feito "Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" (2017), "Esquadrão Suicida" (2016) e "Cidades de Papel" (2015). Sua fama já era mais forte entre jovens e adolescentes e, por isso, ela se considerava responsável por falar abertamente sobre assuntos que poderiam ser tabu entre os mais novos.

aChloe, Poppy e Cara Delevingne posam juntas - Reprodução - Reprodução
As irmãs Chloe, Poppy e Cara Delevingne posam juntas
Imagem: Reprodução

"Eu sempre me senti estranha e diferente com criança, e aquilo era algo que eu não entendia, não sabia expressar. Queria ter me dado um abraço, queria que eu soubesse que eu ainda estava lá em algum lugar, que eu não era minha pior inimiga, que eu não estava presa. Que se você conseguir se segurar, porque ser adolescente às vezes se parece como uma montanha-russa para o inferno, você consegue superar aquilo. O tempo passa, os sentimentos passam, e melhora."

Na adolescência, como resultado dos distúrbios de ansiedade e questões familiares, Cara começou a sofrer com dispraxia, uma síndrome que ocorre geralmente ligada a outros distúrbios de desenvolvimento, como TDAH, e passou a sentir dificuldades motoras e para escrever. Por isso, ao contrário do que tinha ouvido antes, os professores disseram, aos seus 16 anos, que ela tinha a habilidade de leitura de uma criança de nove.

"De repente, eu fui atingida por uma onda enorme de depressão, ansiedade e autodesprezo. Os sentimentos eram tão dolorosos que eu batia a minha cabeça contra uma árvore para tentar me fazer desmaiar. Nunca me cortei, mas me arranhava até sangrar. Eu só queria desmaterializar e que alguém me levasse embora", confessou para a revista Vogue em 2015.

Nessa época, os pais de Cara decidiram enviá-la para o internato Bedales, uma escola de elite no Reino Unido, com um viés artístico e alternativo. "Eu fumava muita maconha quando era adolescente, mas eu era louca com ou sem drogas."

Cara acreditava que precisava terminar os estudos se quisesse atuar, mas nem os remédios prescritos por médicos, nem as drogas ou os terapeutas ajudavam. "Eu sabia que tinha sorte, mas às vezes preferia estar morta. Você sente culpa por todos esses sentimentos, é um ciclo vicioso."

Família

A família Delevingne faz parte da aristocracia britânica e, por isso, a modelo sempre teve contato com dinheiro, luxo e riquezas. "Eu nasci e cresci na alta sociedade, minha família gostava de festas e corridas de cavalo", contou. "Posso entender que isso é legal para algumas pessoas, mas eu nunca gostei".

O pai de Cara, Charles (73), é um empresário do setor imobiliário, fundador da empresa Harvey White Properties Ltd, e seus ascendentes têm ligação com a política e a alta sociedade. Já a mãe, Pandora (63), vem de uma linhagem da baixa nobreza, dos baronetes de Sheffield, na Grã-Bretanha.

Avó paterna de Cara, Angela Delevingne, ao lado do Duque Philip, antes de ele conhecer a rainha Elizabeth 2ª, morta no último dia 9 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Avó paterna de Cara, Angela Delevingne, ao lado do Duque Philip, antes de ele conhecer a rainha Elizabeth 2ª, morta no último dia 9
Imagem: Reprodução/Instagram

Cara é a filha mais nova, e suas irmãs, Chloe (37) e Poppy (36), também levam vidas públicas. A mais velha é uma cientista e a do meio, modelo e socialite. Segundo Cara, as duas sempre foram bem na escola e tiravam boas notas.

Enquanto suas irmãs mantinham reputações excelentes e acima da média nos estudos, Cara Delevingne transitava entre consultórios de psiquiatras e psicanalistas, geralmente falando as mesmas coisas repetidamente até que irritasse o profissional a ponto de ser "demitida como paciente".

No entanto, foi o vício da mãe em heroína que marcou sua infância. "Molda a infância de qualquer filho cujos pais têm um vício", confessou.

"Você cresce rápido demais porque está sendo a responsável pelos seus próprios pais. Minha mãe é uma mulher incrivelmente forte com o coração enorme, eu a amo. Mas não é algo do qual você se recupera, eu acho. Sei que algumas pessoas pararam e estão bem, mas não nas minhas circunstâncias. Ela ainda está na luta."

Filha de um magnata da imprensa e de uma "it-girl" do seu tempo, Pandora teve um irmão mais novo, Rupert, que nasceu com paralisia cerebral e morreu aos 25 anos. Ela contou ao Daily Mail em uma entrevista publicada em 2020 que seu pai estava sempre irritado, e que ela buscava constantemente chamar sua atenção.

Delevingne - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Pandora e Charles Delevingne quando as filhas (Chloe, Poppy e Cara) eram crianças, em meados dos anos 90
Imagem: Reprodução/Instagram

Aos 18, Pandora já começava a flertar com heroína. "Eu sempre tentava preencher um buraco, um vazio que sentia por dentro. Estava sempre em busca de algo — uma bebida, uma droga, o que pudesse me tirar de mim mesma e me transformar em uma pessoa confiante, e não nervosa ou ansiosa."

Ela conta que encontrou isso na heroína, mas que também foi seu ponto baixo. "Não tinha onde viver, me acomodava pelo chão nas casas dos outros. Tinha abscessos pelos braços e sepse. Meus pais tiveram que ser muito fortes, e me internaram em uma clínica de reabilitação."

Ela conta que, desde então, não ingeriu mais heroína, mas que continuou lutando contra o vício.

"Depois foram comprimidos de morfina, à base de ópio, os analgésicos mais fortes que encontrava (...) Você é um viciado ou não é. Eu sou. Sou paranoica quanto às meninas beberem demais ou ingerirem drogas demais. Falo com elas sobre isso. Elas dizem que tudo bem, mas não são viciadas", confessou na ocasião ao jornal.

"As meninas tiveram que viver comigo estando doente demais para ser mãe delas. Quando eu ia para o tratamento, eu desaparecia sem que elas soubessem ou entendessem para onde eu estava indo. Elas sofriam por abandono, pela falta de consistência e pela minha estranheza. Sei que isso as machucou de forma irrevogável."

Nos anos 90, Pandora foi diagnostica com transtorno bipolar, bem na época em que suas filhas eram crianças. "Os médicos te falam que a bipolaridade melhora com a idade, mas eu não tenho percebido isso. Toda noite, faço uma lista das coisas por que sou grata. Se você se sente grato e feliz por estar vivo, não é possível estar deprimido."

Da fama ao equilíbrio emocional

Cannes - Getty Images - Getty Images
Cara Delevingne passa pelo tapete vermelho no Festival de Cannes 2022
Imagem: Getty Images

Considerada uma "revelação tardia" por ser descoberta como modelo aos 18 anos — em comparação à outras colegas que iniciaram na carreira ainda na adolescência —, Cara ascendeu rapidamente e, por volta dos 20 anos, já era considerada uma das maiores do mundo. As sobrancelhas grossas, hoje uma tendência popularizada e estabelecida, ganharam espaço na mídia e nas passarelas justamente por causa dela.

A rapidez com que Cara ganhou atenção da mídia fez com que fosse difícil para ela cometer seus deslizes sem que fosse alvo dos paparazzi. Para ela, fazer amizades com mulheres fortes na indústria fez com que ela tivesse uma base de apoio para ajudá-la a entender a imprensa e organizar a vida e a carreira. Duas dessas pessoas são Taylor Swift e Rihanna.

Taytay - AFP - AFP
Cara Delevingne, Selena Gomez, Taylor Swift e a modelo Serayah no VMA 2015
Imagem: AFP

Foi assim que, aos poucos, Cara descobriu formas alternativas de lidar com transtornos de ansiedade. Em 2016, ela falou para a revista Elle que praticar ioga havia mudado a sua vida.

"Ioga é a única maneira de eu sentir as coisas e conferir como eu estou. Sempre há dor em algum lugar, mesmo que seja completamente irracional, e é sempre bom descobrir e colocar para fora. Se eu não chorar basicamente todos os dias eu vou segurar isso, e vai se manifestar em coisas que são destrutivas, como a minha pele."

Nos últimos anos, Delevingne começou a virar notícia por conta de seus trabalhos de atuação e pela condução de sua vida pessoal, sobretudo de seus relacionamentos sexuais e afetivos.

Cara e Ashley - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Cara Delevingne e a então namorada Ashley Benson
Imagem: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

De St. Vincent a Ashley Benson (de "Pretty Little Liars"), o histórico de flertes e namoros da atriz virou o centro das atenções desde que ela assumiu se considerar pansexual. Em conversa com a também atriz Gwyneth Paltrow, em 2021, ela chegou a afirmar que considera os seus transtornos mentais uma consequência da própria dificuldade em se aceitar.

"Eu não conhecia ninguém que era gay, não sabia que isso era possível e acho que eu não percebia que eu cresci sendo uma pessoa homofóbica [...] Eu pensava: 'Meu Deus, nunca farei isso. É repugnante'."

A tempestade que vinha sendo a vida pública de Cara pareceu ter dado uma acalmada nos últimos anos. Solteira desde o término com Ashley Benson, em 2020, ela disse para a edição de março deste ano da revista Harper's Bazaar que tem priorizando focar em si mesma, e que aprendeu a ser mais cuidadosa ao falar abertamente sobre ex ou atuais parceiros, para evitar se expor de forma desnecessária.

"Agora eu valorizo a minha privacidade para que ninguém possa colocar suas ideias e comentários por aí", contou, adicionando sobre a solteirice: "Eu não tirava um tempo para trabalhar de verdade em mim, porque eu estava vivendo um relacionamento atrás do outro há um tempo."

No início do ano, Cara estava trabalhando em parceria com a BBC para o documentário "Planet Sex with Cara Delevingne", série de seis partes em que a atriz e modelo deve explorar temas como apelo sexual, relacionamentos e a popularidade da pornografia. Segundo o IMDb, o material está em fase de pós-produção.

Quanto ao estado de saúde de Cara, as últimas informações alegam que amigos e familiares estão preocupados e buscam ajuda para a modelo e atriz. A família estaria preparando uma internação para que ela possa passar por um processo de desintoxicação.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.