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Como 'Abracadabra' foi de fracasso total a clássico cult

Quase 3 décadas depois, Kathy Najimy, Bette Midler e Sarah Jessica Parker voltam a interpretar as irmãs Sanderson em "Abracadabra 2" - Matt Kennedy/Disney Enterprises
Quase 3 décadas depois, Kathy Najimy, Bette Midler e Sarah Jessica Parker voltam a interpretar as irmãs Sanderson em 'Abracadabra 2' Imagem: Matt Kennedy/Disney Enterprises

De Splash, em São Paulo

30/09/2022 04h00

Quem cresceu assistindo aos clássicos da Sessão da Tarde nos anos 90 e início dos anos 2000 provavelmente tem memórias claras de três bruxas, um gato falante, um trio de crianças e adolescentes e um livro vivo, todos correndo contra o tempo na noite de Halloween. Se hoje "Abracadabra" é um fenômeno digno de ganhar sequência, as coisas eram bem diferentes há quase três décadas, em 1993.

Para começo de conversa, o longa amarga singelos 38% de aprovação no agregador de críticas Rotten Tomatoes — um número que subiu recentemente, com novas avaliações inseridas antes da continuação.

Furos de roteiro, lançamento em uma data comercial polêmica e a desaprovação da imprensa especializada contribuíram para que o filme, por pouco, não ficasse esquecido nas prateleiras do tempo. Então, como "Abracadabra" se transformou em um sucesso que ultrapassou gerações que cultuam as irmãs Sanderson?

O filme que nunca aconteceu

A Disney adquiriu o roteiro do que seria "Abracadabra" em 1984, e deixou a história engavetada por oito anos. O título original, no entanto, seria "Disney's Halloween House" (ou "A Casa de Halloween da Disney", em tradução livre), e relatos apontam que a premissa era mais sombria e assustadora.

Por isso, o texto acabou passando por diversas mudanças e reestruturações, que atrasaram o projeto e o transformaram drasticamente. Por fim, os créditos do roteiro são de Neil Cuthbert e Mick Garris, e a direção ficou com Kenny Ortega — que, mais tarde, iria dirigir a trilogia "High School Musical" e a série "Jenny and the Phantoms".

Um intruso no verão

Hocus Pocus - Walt Disney Pictures/Divulgação - Walt Disney Pictures/Divulgação
Thora Birch interpretou Dani em 'Abracadabra' (1993)
Imagem: Walt Disney Pictures/Divulgação

Quando, enfim, "Abracadabra" virou realidade, a Disney escolheu uma data no mínimo peculiar para o seu lançamento. O filme chegou aos cinemas em julho de 1993, durante o verão americano, quando os estúdios lançam os grandes sucessos de bilheteira — filmes voltados para o público familiar, os chamados "blockbusters".

O problema é que, sendo um filme que se passa no Dia das Bruxas, o verão não é a melhor das datas para colocá-lo no circuito.

Além disso, naquele ano, a concorrência era particularmente pesada. "Jurassic Park" havia sido lançado em junho e continuava como um sucesso de bilheteria. E, na mesma semana de "Hocus Pocus", chegava aos cinemas outro clássico do entretenimento familiar: "Free Willy".

Por isso, o filme arrecadou cerca de US$ 8 milhões no final de semana de abertura, frente a um orçamento de US$ 28 milhões.

Segundo o Box Office Mojo, a arrecadação total do filme, contando os mercados internacionais, é de US$ 45,4 milhões, e isso inclui as incontáveis reexibições no circuito que aconteceram nos últimos anos.

As críticas não ajudaram

Hocus Pocus (1993) - Walt Disney Pictures/Reprodução - Walt Disney Pictures/Reprodução
Lançado originalmente em 1993, 'Abracadabra' foi fracasso de bilheterias até ser descoberto por público anos depois
Imagem: Walt Disney Pictures/Reprodução

A opinião da crítica sobre o filme também não contribuiu para gerar interesse. Embora alguns textos destacassem a boa presença de Bette Midler, que interpreta Winnie, o consenso das análises aponta para uma obra que foi considerada sem graça e imatura.

O famoso crítico Roger Ebert, por exemplo, concedeu apenas uma estrela a "Abracadabra", e comparou: "Assistir ao filme é como ir a uma festa para a qual você não foi convidado, e onde você não conhece ninguém, e eles estão fazendo uma piada mas se recusam a te explicar."

Já a jornalista cultural Janet Maslin, do jornal The New York Times, afirmou que "aparentemente, colocaram muito olho de salamandra na fórmula de 'Abracadabra', transformando um filme de Bette Midler potencialmente divertido em uma bagunça completa".

Quando um filme fracassa nas bilheterias, a próxima estratégia usualmente utilizada pelos estúdios para reaver o investimento é apostar nas vendas para "home video" - nas épocas anteriores ao estouro do streaming, isso se traduzia em fitas de VHS, DVD e Blu-ray. Foi a partir disso que, aos poucos, mas com frequência, "Hocus Pocus" começou a encontrar o seu público.

Além disso, os canais de TV da Disney nunca tiveram vergonha de reprisá-lo incessantemente nos Estados Unidos durante o período do Dia das Bruxas. No Brasil, foi a TV Globo que se encarregou da missão.

Com isso, o filme acabou chegando a quem interessava, e as reprises constantes o conectaram a uma memória nostálgica, sobretudo para quem cresceu durante os anos 90 e guardaram um afeto pela mescla de diversão e susto que compõe a história.

O que faz de um filme um "clássico cult"?

'Abracadabra' - Walt Disney Pictures/Divulgação - Walt Disney Pictures/Divulgação
Sarah Jessica Parker interpreta Sarah Sanderson em 'Abracadabra'
Imagem: Walt Disney Pictures/Divulgação

Há divergências quanto ao que caracteriza um filme como um "clássico cult" e o que faz uma obra ser candidata ao posto. Em geral, no entanto, o conceito diz respeito a um filme que não foi apreciado no período de seu lançamento, e passou a ser visto com outros olhos com o passar do tempo.

É importante frisar que o "cult" é uma referência à ideia de "culto" não no sentido de algo erudito ou de alta cultura, mas de um grupo de pessoas que se reúne para apreciar, ou cultuar, a obra.

Tradicionalmente, tornam-se clássicos cult filmes de baixo orçamento, lançados com dificuldades financeiras e sem grande destaque de mídia. Mesmo com as circunstâncias que levaram "Abracadabra" à baixa arrecadação, ele acaba não se encaixando neste requisito — afinal, trata-se de um filme lançado pela toda poderosa Disney.

Em tempos modernos, o mesmo processo pode acontecer com filmes lançados de forma convencional, redescobertos por uma audiência que não era a prevista inicialmente. Até mesmo obras objetivamente ruins - como o trágico "The Room", de Tommy Wiseau - podem ser revisitadas sob a ótica "cult".

O caso de "Abracadabra" parece ser um misto de alguns elementos. Além do fracasso de arrecadação e crítica na época do lançamento, o filme passou a ser o objeto de paixão de jovens adultos que o assistiram na infância e guardam lembranças nostálgicas da época.

O que a sequência traz de novo?

Billy Butcherson - Matt Kennedy/Walt Disney Enterprises - Matt Kennedy/Walt Disney Enterprises
Billy Butcherson (Doug Jones) retorna em 'Abracadabra 2'
Imagem: Matt Kennedy/Walt Disney Enterprises

É graças a essa paixão crescente que o filme ganhou uma sequência (e também, sejamos honestos, porque hoje tudo é passível de ganhar uma continuação ou uma refilmagem). O filme chega direto no Disney+, e já está disponível para assinantes da plataforma.

Com o retorno do trio principal - Kathy Najimy, Bette Midler e Sarah Jessica Parker —, "Abracadabra 2" mantém o espírito infantil e bobo do longa original, e com piadas atualizadas para criarem um estranhamento das irmãs Sanderson com a tecnologia e abrirem diálogo com as novas gerações de crianças e adolescentes.

Hocus Pocus 2 - Matt Kennedy/Disney Enterprises - Matt Kennedy/Disney Enterprises
Becca (Whitney Peak), Cassie (Lilia Buckingham) e Izzy (Belissa Escobedo) em 'Abracadabra 2'
Imagem: Matt Kennedy/Disney Enterprises

Por isso, mensagens de teor feminista e de resgate das figuras das bruxas aparecem ao longo do filme, junto a referências ao primeiro filme, mas tudo é abordado de forma leve e inserida na trama. Conhecemos brevemente o passado das irmãs Sanderson, as pressões por que passaram e os desejos que as movem.

No fim, é uma sequência honesta, que continua o legado do primeiro filme sem comprometê-lo ou repetir uma fórmula já estabelecida. As jovens virgens da vez são duas adolescentes um pouco deslocadas, Izzy (Belissa Escobedo) e Becca (Whitney Peak), e não é de se espantar que o filme deixe aberto um possível futuro para a história das garotas.