'Comeríamos o primeiro a morrer': como sobreviveram os meninos da caverna?
"Os meninos deram a ideia de que comeríamos o primeiro que morresse. O primeiro que morresse serviria de alimento para todos os outros conseguirem ter energia para sobreviver."
Isso é o que conta o técnico Eakapol Jantawong, ou simplesmente Eak, no documentário "Os 13 Sobreviventes da Caverna", que estreou esta semana na Netflix.
O filme traz relatos e uma reconstituição do resgate dos 13 integrantes de um time de futebol juvenil da Tailândia, que ficaram presos em uma caverna em junho de 2018 e só foram resgatados depois de 17 dias.
Conhecidos internacionalmente como os "meninos da caverna", os jovens não se consideram celebridades, e hoje continuam levando vidas normais entre estudos e sonhos. No documentário, eles contam como fizeram para sobreviver e em quais momentos perderam as esperanças.
Os meninos contam que se consideravam como uma família, e decidiram visitar a caverna depois de um treino para passear em algum lugar diferente. Alguns já haviam visitado a caverna em questão, de Tham Luang. Outros, que iriam pela primeira vez, estavam bastante animados.
Liderando o grupo de 12 meninos estava o técnico Eak, de 24 anos. Ao seu lado ia Tee, considerado o "braço direito" por ser um dos mais velhos.
Como os meninos ficaram presos?
Os garotos contam no documentário que estavam animados para a exploração da caverna. Tee já conhecia o local e, por isso, estava confiante. Além disso, ficariam ali apenas por uma hora, pois um dos garotos tinha aula particular após o treino.
No caminho, eles brincavam, riam e estavam muito contentes. Em determinado momento, chegaram a uma bifurcação, dividida por um curso de água que, segundo o técnico Eak, estava ali durante o ano todo.
Um dos rapazes, Mix, conta que eles ficaram com medo de que a bifurcação inundasse e que eles não conseguissem sair. Fizeram uma votação para decidir se continuariam o caminho ou iriam embora, mas todos votaram para continuar.
Quando estavam voltando, a bifurcação havia, de fato, enchido. A passagem estava tomada por água, e não era possível mergulhar para atravessar. Eles decidiram esperar até o dia seguinte para a água baixar — o que não aconteceu. Quanto mais os dias passavam, mais chovia, e mais água tomava a caverna.
Eles não sabiam dos riscos?
Na entrada da caverna, havia uma placa avisando que a entrada era proibida, pois a caverna alagava entre julho e novembro.
No entanto, aquele era o dia 23 de junho, e as chuvas ainda não haviam começado. Eles conversaram e decidiram entrar mesmo assim, e fizeram uma oração a Nang Non, espírito que vigia e protege o local segundo as crenças religiosas.
Quem descobriu que os meninos estavam presos?
O guarda-florestal Phet Phrommueang trabalhava no parque há dois anos, e tinha o hábito de ver todas as noites se alguém havia ficado preso na caverna. Segundo ele, era comum que alguém ficasse perdido caso não avisasse que entraria no local.
Quando chegou à entrada da caverna, ele viu as 11 bicicletas que os meninos haviam estacionado, e percebeu haver pessoas lá dentro. Um pouco mais adiante, ele encontrou onde os rapazes haviam deixado celulares, sapatos e mochilas, e descobriu que se tratava de um grupo de crianças.
A partir disso, começou a operação de resgate. Um especialista na caverna de Tham Luang explica que poucas pessoas sabiam como navegar pela região, pelo tamanho e pelas elevações.
Inicialmente, o time de resgate contava com poucos equipamentos: cordas e uma bomba d'água para tentar esvaziar a bifurcação e facilitar a passagem. Gradualmente, outras ajudas foram chegando, mas o que dificultava o trabalho das equipes era a chuva, que não dava trégua.
O que eles faziam para sobreviver?
Os meninos contam que precisavam estar sempre em movimento, para que tivessem uma rotina e não entrassem em desespero. O técnico Eak considerava responsabilidade sua garantir que eles estivessem bem, na medida do possível.
Todos os dias, o alarme do relógio de Tee tocava às 6h da manhã. Eles consideravam que não saber a hora e não ter uma programação prejudicava ainda mais os garotos.
Por isso, havia uma rotina. Da manhã até o início da noite, eles andavam, sempre em grupo, para encontrar uma saída. Eles andavam até cansar e, como não tinham comida, a única forma de repor nutrientes era bebendo água.
A fome, no entanto, era cada vez mais crítica, o que deixava os meninos ainda mais cansados e debilitados. Eles sonhavam com comida e com o encontro com familiares. Um deles sonhou que bebia leite de soja, que era o seu favorito, e acordou chupando o dedão do pé de um dos amigos.
No entanto, o estresse e a indisposição aumentavam junto à fome, e todos ficavam muito nervosos. No entanto, eles não tiveram desentendimentos. Todos eles queriam assumir a culpa, e diziam que não deveriam ter ido até o fundo da caverna.
Em determinado momento, depois de cerca de 5 dias, eles haviam chegado a um dos lugares mais altos da caverna, e não tinham mais como continuar andando em busca de uma saída. Por isso, o técnico Eak disse aos meninos que a solução seria cavar uma das paredes, e que assim eles criariam uma saída.
Dar essa motivação fez com que eles tivessem uma atividade diária e, assim, alguma esperança. "A vida se resumia a cavar, ficar sentado e beber água. Só isso", diz o garoto chamado Titã.
Isso continuou aproximadamente até o dia 9, quando a energia já havia acabado. Foi nesse dia que eles acreditavam estar no limite entre a vida e a morte, e eles combinaram de comer o primeiro que morresse, para terem energia nos dias seguintes. Eles concordaram que se não houvesse ajuda até o dia seguinte, iriam desistir.
Quando a ajuda chegou?
A esta altura, o resgate já contava com ajuda internacional, e mergulhadores de países como Estados Unidos, China, Austrália e Inglaterra já estavam na Tailândia para contribuir no resgate.
Os mergulhadores que chegaram até os meninos primeiro vieram no início do dia 10, e eram profissionais dos Estados Unidos.
Para isso, eles passaram alguns dias abrindo caminho sob as águas. Os mergulhadores se revezavam e íam levando uma corda vermelha para que tivessem um guia. Cada um que mergulhava levava a corda um pouco mais adiante — sempre prendendo alguns nós em pedras ao longo do caminho.
Quando todos os meninos foram encontrados com vida, receberam ajuda, alimento e cuidados médicos. No entanto, a equipe de resgate ainda não sabia como tirar os 13 rapazes de lá com vida.
Por que eles foram sedados?
Mesmo com bombas tirando a água da caverna dia e noite há praticamente duas semanas, o caminho ainda estava inundado, e não havia uma forma segura e levá-los até a superfície.
Em determinado momento, o governo tailandês cogitou deixar os meninos dentro da caverna até a estação de chuvas passar, enviando mantimentos durante esse período, que seria de quatro meses.
Logo eles perceberam que não era uma opção viável, sobretudo por questões de higiene e falta de oxigênio. Não resgatá-los seria sinônimo de uma morte lenta.
A solução foi sedar os garotos para tirá-los de lá submersos. Não era possível retirá-los conscientes, porque o trajeto era longo, de cerca de três horas, e o nervosismo poderia atrapalhar a operação.
Mesmo assim, a sedação também era um risco. Poderia haver choque térmico pela mudança de temperatura ou afogamento, caso água entrasse nas máscaras de oxigênio. "Se eu administrar essa anestesia, eles provavelmente vão morrer", pensou, na ocasião, o anestesista e mergulhador australiano Richard "Harry" Harris. "Mas, pelo menos, estarão dormindo quando morrerem."
É difícil descrever qual a sensação de empurrar uma criança inconsciente para dentro da água. Não existe ato mais hediondo. Mas um forte concorrente é atar as mãos de alguém atrás das costas. Eu podia estar assinando as sentenças de morte desses meninos. Richard "Harry" Harris, anestesiologista
A vida após o resgate
Apesar dos riscos, os 12 jogadores e o técnico saíram da caverna com vida, sendo levados diretamente para o hospital. O "status" de celebridades que ganharam depois do resgate foi, para eles, um choque.
"Eu não me vejo como uma celebridade, sou só um garoto que ficou preso em uma caverna e que ficou famoso porque as outras pessoas ajudaram", confessa um dos meninos. "Quando tudo acabou, tive que ser mais educado, para que as pessoas vissem que resgataram meninos bonzinhos."
"Não posso agir como eu quero, tenho que me comportar e me esforçar na escola para não decepcionar, porque nós fomos resgatados", completa outro.
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