Drogas, clones, tráfico: por que novelas de Gloria Perez são polêmicas?
Em 13 de abril de 1986, nascia nos Estados Unidos um bebê concebido em laboratório e gestado em uma barriga solidária, por uma mulher que não tinha relação genética alguma com a criança ou com os pais do bebê. Era a primeira maternidade por substituição da história.
Antes disso, em 1984, Gloria Perez apresentou para a TV Globo a sinopse de uma novela sobre um casal que decide contratar uma barriga de aluguel para gerar um filho. A ideia, rejeitada pelo tema até então polêmico e desconhecido, só foi ao ar seis anos depois, e acabou sendo estendida em 54 capítulos devido ao sucesso entre o público.
Este é apenas um exemplo de como Gloria Perez tornou-se, ao longo dos anos, sinônimo de histórias que ganham destaque com o público pelo teor argumentativo e reflexivo.
Se "Barriga de Aluguel", em 1990, gerou discussões que reverberaram pela sociedade em debates sobre ética, maternidade e família, a situação apenas se repetiu e se multiplicou nos anos seguintes, com as obras assinadas pela autora abordando cada vez mais temas que tocam em feridas ou pontos sensíveis.
Em "Travessia", é claro, não seria diferente. A nova novela das 21h estrelada por Lucy Alves, Chay Suede e Jade Picon é inspirada em um caso real de linchamento que terminou em morte na periferia de Guarujá, litoral de São Paulo, em 2014. Na época, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi confundida com um retrato falado antigo e espancada até a morte.
Por isso, temas como o surgimento das chamadas "fake news", que servem para espalhar mentiras, e o impacto da tecnologia na vivência coletiva estão entre os abordados no novo folhetim das 21h. A ideia de Gloria Perez é incentivar que a sociedade entenda com clareza a importância dos tópicos e reflita sobre as questões propostas.
Gloria já adiantou outras discussões pertinentes
O avanço da tecnologia parece ser um tema querido de Gloria Perez, que o insere em suas novelas sempre que possível. Se em "Barriga de Aluguel" foi com a inseminação artificial e barriga solidária, a escritora apenas aprofundou a discussão em suas obras seguintes.
Em 1995, Gloria lançou a novela "Explode Coração", que trouxe a trama de uma jovem cigana prometida em casamento ao filho de outra família cigana. Ambiciosa, Dara quer estudar e seguir sua própria vida, ao invés de honrar o compromisso e a tradição familiar.
Na trama, a introdução tecnológica vem com chamadas de vídeo e comunicação pela internet. A mocinha, personagem de Tereza Seiblitz, inicia um relacionamento virtual com o empresário Júlio (Edson Celulari), em uma época em que o acesso à internet era bastante restrito, desconhecido e pouco democrático. Na trama, há um programa de chamadas de vídeo semelhante ao Skype, que só seria criado em 2003, e uma tela de touch screen na abertura criada por Hans Donner.
Quanto a polêmicas, havia um personagem viciado em internet, abrindo discussões sobre o perigo dos ambientes virtuais. Outro ponto crítico abordado por Perez tem relação com preconceito por idade. Um dos personagens apaixona-se por uma mulher vinte anos mais velha, e o casal sofre uma série de restrições e precisa lutar contra as barreiras para ficar junto.
Mesmo assim, talvez o debate que mais repercutiu graças a "Explode Coração" foi o de crianças desaparecidas.
A novela colocou em cena as Mães da Cinelândia através da trama da personagem Odaísa (Isadora Ribeiro), que buscava pelo filho Gugu (Luís Cláudio Júnior). A partir de março de 1996, as mães apareciam na novela e mostravam fotos de seus filhos desaparecidos. A abordagem fez o número de ligações para o Centro Brasileiro de Defesa dos Diretos da Criança e do Adolescente aumentar, e cerca de 70 crianças foram encontradas graças à campanha feita no folhetim.
Depois, com a minissérie "Hilda Furacão", Gloria Perez colocou em confronto os conceitos da moral e dos bons costumes e os da libertação sexual, com os personagens de Ana Paula Arósio (Hilda) e Rodrigo Santoro (frei Malthus).
Em "O Clone", foi a ovelha Dolly que inspirou a criação da trama de Lucas, Léo (Murilo Benício) e Jade (Giovanna Antonelli), e a autora discutiu a ética envolvendo os avanços da engenharia genética, conflitos entre culturas diferentes e o abuso de substâncias e o combate a drogas.
"América", "Caminho das Índias" e "Salve Jorge" estenderam a proposta dos debates culturais, inserindo outras variáveis, como a busca pelo sonho americano com as imigrações clandestinas para os Estados Unidos e o tráfico internacional de pessoas. Já em "A Força do Querer", a trama de Ivan (Carol Duarte) foi inspirada no livro "Viagem Solitária", do escritor e ativista João W. Nery, primeiro transexual masculino a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil.
A novela, vale lembrar, também foi criticada por sua abordagem de jovens que fazem cosplay, tema do personagem Yuri (Drico Alves).
Mas de onde vêm tais assuntos?
Aos 74 anos, Gloria conta que a busca por temas socialmente relevantes é uma espécie de inquietação do autor.
"Acho que o escritor escreve sempre sobre aquilo que lhe interessa, e escrever é uma maneira de refletir sobre o assunto", disse, em entrevista ao Gshow. "Eu me interesso muito pelas coisas que estão acontecendo à minha volta, e sempre me interessei em observar como o avanço da tecnologia vai introduzindo na humanidade dramas novos, possibilidades novas de conflito", pontua.
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