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Drogas, clones, tráfico: por que novelas de Gloria Perez são polêmicas?

Nova novela de Gloria Perez, "Travessia" aborda temas como fake news e metaverso - Fabio Rocha/Globo
Nova novela de Gloria Perez, 'Travessia' aborda temas como fake news e metaverso Imagem: Fabio Rocha/Globo

De Splash, em São Paulo

17/10/2022 04h00

Em 13 de abril de 1986, nascia nos Estados Unidos um bebê concebido em laboratório e gestado em uma barriga solidária, por uma mulher que não tinha relação genética alguma com a criança ou com os pais do bebê. Era a primeira maternidade por substituição da história.

Antes disso, em 1984, Gloria Perez apresentou para a TV Globo a sinopse de uma novela sobre um casal que decide contratar uma barriga de aluguel para gerar um filho. A ideia, rejeitada pelo tema até então polêmico e desconhecido, só foi ao ar seis anos depois, e acabou sendo estendida em 54 capítulos devido ao sucesso entre o público.

Este é apenas um exemplo de como Gloria Perez tornou-se, ao longo dos anos, sinônimo de histórias que ganham destaque com o público pelo teor argumentativo e reflexivo.

Se "Barriga de Aluguel", em 1990, gerou discussões que reverberaram pela sociedade em debates sobre ética, maternidade e família, a situação apenas se repetiu e se multiplicou nos anos seguintes, com as obras assinadas pela autora abordando cada vez mais temas que tocam em feridas ou pontos sensíveis.

Em "Travessia", é claro, não seria diferente. A nova novela das 21h estrelada por Lucy Alves, Chay Suede e Jade Picon é inspirada em um caso real de linchamento que terminou em morte na periferia de Guarujá, litoral de São Paulo, em 2014. Na época, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi confundida com um retrato falado antigo e espancada até a morte.

Por isso, temas como o surgimento das chamadas "fake news", que servem para espalhar mentiras, e o impacto da tecnologia na vivência coletiva estão entre os abordados no novo folhetim das 21h. A ideia de Gloria Perez é incentivar que a sociedade entenda com clareza a importância dos tópicos e reflita sobre as questões propostas.

Gloria já adiantou outras discussões pertinentes

O Clone - Divulgação - Divulgação
Giovanna Antonelli e Murilo Benício viveram casal em 'O Clone'
Imagem: Divulgação

O avanço da tecnologia parece ser um tema querido de Gloria Perez, que o insere em suas novelas sempre que possível. Se em "Barriga de Aluguel" foi com a inseminação artificial e barriga solidária, a escritora apenas aprofundou a discussão em suas obras seguintes.

Em 1995, Gloria lançou a novela "Explode Coração", que trouxe a trama de uma jovem cigana prometida em casamento ao filho de outra família cigana. Ambiciosa, Dara quer estudar e seguir sua própria vida, ao invés de honrar o compromisso e a tradição familiar.

Na trama, a introdução tecnológica vem com chamadas de vídeo e comunicação pela internet. A mocinha, personagem de Tereza Seiblitz, inicia um relacionamento virtual com o empresário Júlio (Edson Celulari), em uma época em que o acesso à internet era bastante restrito, desconhecido e pouco democrático. Na trama, há um programa de chamadas de vídeo semelhante ao Skype, que só seria criado em 2003, e uma tela de touch screen na abertura criada por Hans Donner.

Quanto a polêmicas, havia um personagem viciado em internet, abrindo discussões sobre o perigo dos ambientes virtuais. Outro ponto crítico abordado por Perez tem relação com preconceito por idade. Um dos personagens apaixona-se por uma mulher vinte anos mais velha, e o casal sofre uma série de restrições e precisa lutar contra as barreiras para ficar junto.

Mesmo assim, talvez o debate que mais repercutiu graças a "Explode Coração" foi o de crianças desaparecidas.

explode coração - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Mães da Cinelândia em 'Explode Coração'
Imagem: Reprodução/TV Globo

A novela colocou em cena as Mães da Cinelândia através da trama da personagem Odaísa (Isadora Ribeiro), que buscava pelo filho Gugu (Luís Cláudio Júnior). A partir de março de 1996, as mães apareciam na novela e mostravam fotos de seus filhos desaparecidos. A abordagem fez o número de ligações para o Centro Brasileiro de Defesa dos Diretos da Criança e do Adolescente aumentar, e cerca de 70 crianças foram encontradas graças à campanha feita no folhetim.

Depois, com a minissérie "Hilda Furacão", Gloria Perez colocou em confronto os conceitos da moral e dos bons costumes e os da libertação sexual, com os personagens de Ana Paula Arósio (Hilda) e Rodrigo Santoro (frei Malthus).

Em "O Clone", foi a ovelha Dolly que inspirou a criação da trama de Lucas, Léo (Murilo Benício) e Jade (Giovanna Antonelli), e a autora discutiu a ética envolvendo os avanços da engenharia genética, conflitos entre culturas diferentes e o abuso de substâncias e o combate a drogas.

Ivan - Globo/Estevam Avellar - Globo/Estevam Avellar
A atriz Carol Duarte no papel de Ivan, na novela "A Força do Querer", exibida pela Globo em 2017
Imagem: Globo/Estevam Avellar

"América", "Caminho das Índias" e "Salve Jorge" estenderam a proposta dos debates culturais, inserindo outras variáveis, como a busca pelo sonho americano com as imigrações clandestinas para os Estados Unidos e o tráfico internacional de pessoas. Já em "A Força do Querer", a trama de Ivan (Carol Duarte) foi inspirada no livro "Viagem Solitária", do escritor e ativista João W. Nery, primeiro transexual masculino a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil.

A novela, vale lembrar, também foi criticada por sua abordagem de jovens que fazem cosplay, tema do personagem Yuri (Drico Alves).

Mas de onde vêm tais assuntos?

Travessia - Fabio Rocha - Fabio Rocha
Vítima de fake news, Brisa é intepretada por Lucy Alves em 'Travessia'
Imagem: Fabio Rocha

Aos 74 anos, Gloria conta que a busca por temas socialmente relevantes é uma espécie de inquietação do autor.

"Acho que o escritor escreve sempre sobre aquilo que lhe interessa, e escrever é uma maneira de refletir sobre o assunto", disse, em entrevista ao Gshow. "Eu me interesso muito pelas coisas que estão acontecendo à minha volta, e sempre me interessei em observar como o avanço da tecnologia vai introduzindo na humanidade dramas novos, possibilidades novas de conflito", pontua.