1ª modelo surda capa da Playboy enfrenta preconceito: 'Saio e fico sozinha'
Ser a capa de uma das revistas mais populares do mundo já não é uma tarefa fácil, e fica ainda mais difícil quando se desafia os padrões impostos pela sociedade. Foi o caso de Ariana Martins, 38, a primeira modelo surda a ser destaque da "Playboy".
A catarinense estampou uma das edições de colecionador lançadas pela publicação em 2017, mesmo ano em que a revista encerrou suas atividades no Brasil.
Para a modelo, o convite foi uma surpresa, uma vez que a deficiência já tinha feito com que ela levasse muitas respostas negativas em sua vida.
Em conversa com Splash, Ariana conta sobre o preconceito que enfrentou várias vezes em sua carreira. "Eu já mandei meu material para várias revistas de moda para fazer editorial ou ser capa. Então, quando íamos marcar o teste com fotógrafos, eu respondia que levaria um intérprete de libras junto comigo. Depois disso, pararam de responder. Ficaram totalmente em silêncio e nunca mais conversaram comigo."
Essas revistas falam tantas vezes em diversidades, mas nunca vi uma modelo surda, e quando é comigo, não me respondem. Tento entender o porquê até hoje.
Ariana Martins
Durante os desfiles, segundo a modelo e influenciadora digital, o fato de ser surda também causa momentos difíceis entre os colegas de trabalho.
"Não sei se eles não têm paciência para esperar ficarem traduzindo para mim, ou eles me veem sozinha no cantinho, com o celular, enquanto todas as modelos ficam batendo papo".
"Eu já tentei entrar nos grupos, mas fico sem entender o que elas falam. Elas sabem que eu sou surda e nunca tiveram compaixão de me ajudar ou de se comunicar comigo. Por isso eu saio e fico sozinha."
Passo a impressão que sou metida, mas não é isso!
Ariana Martins
Ariana nasceu surda e é a única de sua família com a deficiência auditiva. Por isso, ela precisa de um intérprete para acompanhá-la em entrevistas em vídeo ou em seus trabalhos.
"Me comunico por libras, pois é minha primeira língua. Mas, como trabalho na área da moda, também me comunico de maneira mais oralizada, com leitura labial."
"Nunca desistir"
A vontade de se tornar modelo sempre existiu, mas a família de Ariana tinha medo dos desafios que a jovem encontraria no caminho. Foi então que Andrey, o noivo da catarinense, a encorajou, logo no início do namoro, a tentar a carreira no mundo da moda.
"Superei a insegurança e participei do concurso Garota Univali, da Universidade Univali, que seleciona a garota universitária mais bonita. À época, eu estava cursando design de moda e foi a maior surpresa pois tive muita torcida. Acabei ficando em 2º lugar e ganhei como Miss Simpática."
A projeção da competição fez com que Ariana chamasse atenção do olheiro de uma renomada agência de modelos. "Ele pediu para eu fazer teste, e eu fui, óbvio. Fiz teste e levei o intérprete de libras junto. Todos estavam super animados e só a gerente estava insegura de me contratar por eu ser surda", lembrou ela.
Mas a dona da agência me olhou, perguntou meu nome e percebeu que eu era surda. Pediu para eu desfilar, e deu a resposta: 'está contratada'. Ela estava fascinada por mim.
Ariana Martins
Depois da aprovação, a modelo começou a ter bastante trabalho pelo sul do país. No entanto, quando chegou a São Paulo, sofreu pela primeira vez com o preconceito no mundo da moda.
Como sempre, Ariana levou seu intérprete de libras consigo a uma agência de modelos. Mas, ao encontrar o agente responsável pela contratação, sofreu o baque.
"Quando ele chegou, me levantei para cumprimentar e ele percebeu que o intérprete estava traduzindo. Ele me olhou dos pés à cabeça e disse: 'Não estou interessado'."
"Fiquei sem entender. Ele não perguntou meu nome, não fez avaliação nenhuma. Fui recusada assim. Me senti péssima e sai chorando porque no sul me tratavam super bem, mas em São Paulo foi ruim."
O lado bom dessa experiência foi saber levantar e nunca desistir.
O episódio ficou para trás e Ariana conseguiu diversos trabalhos que a levaram além de São Paulo. Ela chegou a trabalhar nos Estados Unidos e na França. "Eu fazia o impossível virar possível. Era a minha missão mostrar para eles que surdos podem sim trabalhar na área de moda."
Em seu perfil do Instagram, onde conta com mais de 70 mil seguidores, a influenciadora mostra o dia a dia e fotos de seus trabalhos.
Diversidade
Os desafios deixaram Ariana uma pessoa mais forte, mas não sem perder o jeito doce e feliz de encarar a vida.
Empolgada, a modelo fala com muito carinho de seus trabalhos e faz questão de dizer que, para além daqueles que têm preconceito, já encontrou muitas pessoas profissionais e acolhedoras em sua carreira.
"Às vezes, as pessoas ficam um pouco surpresas ao descobrirem que sou surda, mas depois, durante as sessões de fotos, todos me tratam super bem!"
A capa da "Playboy" é um dos trabalhos que Ariana lembra com bastante felicidade. "Me senti muito bem-vinda. Quando recebi a mensagem que seria capa de uma edição de colecionador, chorei de felicidade."
"Faz anos que luto para quebrar preconceitos no ramo da moda, e finalmente recebi uma capa nacional. Eu sou a primeira surda na história da 'Playboy'."
No entanto, ela acredita que há um caminho longo ainda a ser trilhado quando o assunto é diversidade no mundo da moda.
"Até hoje, não vi nenhuma modelo surda estampar capa da revista de moda como 'Vogue', 'ELLE', 'Bazaar'... A maioria dessas revistas falam de diversidade, mas não vejo modelo surda fazer parte. Nunca vi isso aqui no Brasil, infelizmente! Por que o país não abre esse espaço de moda para pessoas surdas?"
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