Como era a vida de Flordelis antes do assassinato de Anderson?
Flordelis, de 61 anos, está sentada no banco dos réus para ser julgada como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019, em Niterói, onde eles viviam. O julgamento que começou ontem tem previsão para durar três dias.
Ré por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, associação criminosa, uso de documento falso e falsidade ideológica, ela está presa desde agosto de 2021 aguardando julgamento. Antes do assassinato de Anderson, no entanto, ela tinha uma vida pública bem diferente.
De família humilde e evangélica, Flordelis nasceu e cresceu na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. Trabalhou como balconista de uma padaria e professora do ensino infantil, mas chamou atenção por adotar crianças e jovens e tirá-las do mundo das drogas e prostituição.
Ao longo da vida, ela conta ter 55 filhos, sendo três biológicos — antes de conhecer Anderson — e 52 adotivos — nem todos oficialmente. Sua história de vida e superação ganhou notoriedade midiática desde o final dos anos 90. De lá para cá, já teve um filme que contou sua vivência missionária, recebeu homenagens na TV, lançou discos na música gospel e fez turnês nos Estados Unidos e Europa.
Em 1994, ela disse ter adotado 37 crianças de uma vez só. Seriam jovens em situação de rua que haviam sobrevivido a uma chacina, o que foi refutado pelo autor do livro "Flordelis: A Pastora do Diabo" em entrevista a Universa. De acordo com o escritor Ullisses Campbell, a pastora tinha uma meta a cumprir e capitalizar em cima disso, já que utilizava o slogan "mãe de 50 filhos". A pesquisa do livro sustenta que ela era bem-intencionada no início do seu trabalho social, mas isso mudou ao conhecer Anderson em 1991.
Em 2018, desacelerou a carreira gospel para disputar um cargo na política. Ela foi a quinta deputada federal do Rio de Janeiro mais votada daquele ano. Seu mandato foi cassado em 2021.
Assassinato
Flordelis é acusada de ter arquitetado o assassinato de seu marido Anderson do Carmo, morto em 16 de junho de 2019. Outras quatro pessoas acusadas de envolvimento no crime também estão sendo julgadas. Ela terá seu destino decidido por um júri popular.
Além de Flordelis, serão julgados sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues; a neta Rayane dos Santos Oliveira; e os filhos afetivos André Luiz de Oliveira e Marzy Teixeira da Silva. O pastor Anderson do Carmo foi assassinado com dezenas de tiros quando descia do carro, no quintal de casa, no bairro de Pendotiba. Flordelis tinha entrado em casa momentos antes.
A pastora e seus familiares tentaram inicialmente sustentar a tese de que Anderson havia sido morto em um assalto, mas as investigações constataram que ela, os filhos e a neta tinham arquitetado um plano para matá-lo — que envolveu até mesmo tentativas de envenenamento.
Filme
Em 2009, a história da mulher negra e pobre que tirou crianças do crime virou história de filme. O docudrama "Flordelis — Basta uma Palavra para Mudar" teve a própria Flordelis no papel principal e participação de atores famosos, como Marcello Antony (interpretando pastor Anderson), Bruna Marquezine, Reynaldo Gianecchini, Cauã Reymond e Deborah Secco,
O filme teve recepção negativa da crítica especializada, mas os atores foram elogiados por doar seus cachês à causa de Flordelis. A renda arrecadada foi utilizada na construção de um centro de reabilitação para jovens e na compra de uma casa para a pastora.
Na última semana, a pastora voltou a ser a protagonista de uma produção audiovisual, mas sob a ótica da mulher que foi do "céu ao inferno" após o assassinato de Anderson. "Flordelis: Questiona ou Adora" chegou ao Globoplay poucos dias antes do julgamento da ex-parlamentar começar.
Carreira gospel
O filme chamou a atenção da gravadora MK Music e Flordelis assinou um contrato — ela já havia lançado quatro trabalhos musicais de maneira independente. Um ano depois do longa, ela produziu o primeiro álbum pela gravadora, o "Fogo e Unção", mas foi em 2012 que ela teve seu maior sucesso com o CD "Questiona ou Adora". No total, foram mais de 80 mil cópias vendidas e um disco de platina.
Entre 2014 e 2018, lançou outros dois discos de estúdio, dois EPs e um DVD. A popularidade como pastora e cantora permitiu com que ela realizasse shows lotados pelo Brasil afora e também no exterior. Sempre acompanhada do marido, eles mesclavam música e pregação.
Em 2018, por exemplo, fez 10 apresentações nos Estados Unidos e Canadá. Um depoimento da série estimula o pensamento de que Flordelis teria se tornado uma "Ivete Sangalo do gospel", mas a carreira desandou após o assassinato. Em agosto de 2020, a MK Music anunciou o enceramento do contrato.
Homenagens na TV
Antes de se tornar deputada federal na onda bolsonarista de 2018, Flordelis deu entrevistas para a TV e recebeu homenagens. Ela, o então marido e 44 filhos adotivos foram recebidos por Ana Maria Braga nos estúdios Globo em 2017 durante uma edição do "Mais Você".
"Eu tenho uma pergunta: às vezes, a gente vê uma criança na rua, abandonada e o que você pensa? Uma moça, de nome Flordelis, e o marido, Anderson, pensaram: por que não adotar?", disse Ana Maria Braga antes de apresentar a pastora.
Flordelis também foi entrevistada por Marília Gabriela, contou sua história no "Fantástico" e recebeu homenagem em peça de Cissa Guimarães antes de ser acusada de mandar assassinar o próprio marido.
Vida política
Antes de ser eleita deputada federal (RJ-PSD) em 2018, Flordelis tentou ser vereadora de São Gonçalo em 2004, mas recebeu pouco mais de dois mil votos. Em 2016, figurou como pré-candidata à prefeitura da cidade vizinha a Niterói, onde vivia com o marido e filhos.
Eleita com o discurso da desburocratização da adoção, ela chegou ao Congresso com o apoio do marido — quem era chamado de "o 514ª parlamentar" por não ter sido eleito, mas estar sempre na Câmara dos Deputados ao lado da esposa.
Ela e Anderson eram engajados na Bancada Evangélica e tinham boa relação com demais parlamentares, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Eles também eram próximos da família Bolsonaro. Em seu canal do YouTube, Flordelis fez um vlog sobre a possa de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.
Em 11 de agosto de 2021, ela perdeu o foro privilegiado ao ter o mandato de deputada federal cassado por 437 favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções no plenário da Câmara dos Deputados, o que permitiu ser presa dois dias depois.
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