'Serei adoradora na prisão': a ascensão e queda televisionada de Flordelis

"Mãe de 50", pastora evangélica com milhões de seguidores, cantora com shows no exterior, deputada federal e... responsável por arquitetar a morte do próprio marido. Essa é a vida de Flordelis, condenada a 50 anos e 28 dias de prisão pela morte do pastor Anderson do Carmo em 16 junho de 2019, em Niterói (RJ).

Essa história é explorada na série documental "Flordelis: questiona ou adora", produção do Globoplay que mostra as investigações do crime e teve os dois últimos episódios disponíveis na última sexta-feira (18). A produção deixa claro que tanto a ascensão quanto a queda de Flordelis foram marcadas pela midiatização em torno da figura da pastora.

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Como era a vida de Flordelis antes do assassinato de Anderson?

Ela ganhou notoriedade em 1994 ao aparecer em uma reportagem de um jornal local da Globo no Rio de Janeiro. Era uma jovem mulher desconhecida que adotava crianças em situação de vulnerabilidade na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio.

Ela se dizia perseguida pela Vara da Infância e Juventude naquela época e precisava mudar de endereço constantemente. Os órgãos públicos alegavam que ela não tinha o registro oficial dos pequenos, nem estrutura para cuidar de dezenas de bebês e crianças. Com o apoio dos empresários Pedro e Carlos Werneck, conseguiu estrutura e, consequentemente, o apoio até da Vara da Infância e da Juventude.

Nos anos 2000, Flordelis já não era uma desconhecida. Pelo contrário, tornou-se cantora gospel com milhões de discos vendidos por uma gravadora, criou a própria Igreja (o Ministério Flordelis) e passou a dar entrevistas a Marília Gabriela, Cissa Guimarães e Ana Maria Braga.

Na Igreja, criou um dos maiores eventos evangélicos do país, reunindo nomes de relevância no mundo gospel, como os pastores Marco Feliciano, Silas Malafaia e Arolde de Oliveira, e na política, como o ex-deputado federal Aécio Neves. Arolde, aliás, foi responsável por levar o nome de Flordelis à política após ela conseguir eleger o filho como vereador na cidade de São Gonçalo, onde fica situado o Ministério Flordelis.

Em 2018, ela se elegeu como a quinta deputada federal mais votada do Rio de Janeiro, algo considerado importante já que ela não tinha trajetória política. Como aponta a série, isso só foi possível pela figura construída em torno dela: mulher, negra, mãe de 50 filhos e evangélica. A vida de Flordelis chegou a ser contada em um filme com elenco global.

O episódio que muda os rumos dessa ascensão é o assassinato do pastor Anderson em junho de 2019. A morte dele deu fim ao projeto de poder de Flordelis, que envolvia religião e política. Após meses de investigação, a polícia pôde identificar que não se tratava de um latrocínio — roubo seguido de morte —, mas sim um assassinato planejado por integrantes da própria família.

Filhos e netos biológicos ou adotivos foram presos, mas Flordelis não, porque ela ainda era uma parlamentar eleita e não poderia ser presa. Após ser cassada em 13 de agosto de 2021, um pedido de prisão foi emitido dois dias depois.

"Mais de 1700 pessoas assistindo essa live... Faça uma corrente de oração ao meu favor. Tenho convicção de que não cometi crime algum. Lá na prisão, eu serei adoradora. Irei adorar o nome do senhor Jesus. Para que ele está me levando para lá, eu ainda não sei, mas ele vai levar. Beijo, gente", disse Flordelis, antes de ser presa em 2021, durante uma transmissão ao vivo no Facebook.

A fala de Flordelis é confirmada pelo depoimento ao documentário de Janira Rocha, advogada da condenada, que afirma que a prisão acabou com a cantora e a parlamentar, mas não com a pastora.

Se antes de 2019 ela era vista como a mulher corajosa que encarou traficantes e adotou mais de 50 crianças e virou uma referência de adoção, após esse ano o assassinato expôs mentiras antigas da família. Uma delas, por exemplo, envolve Daniel dos Santos. O rapaz apresentado como o único filho biológico do casal Flordelis e Anderson do Carmo era, na verdade, adotado. O registro continha informações falsas.

As manchetes de jornais e sites passaram a mostrar uma família nada perfeita. "O enredo inclui sexo, traições e até envenenamento, rituais...", destacou a manchete de um telejornal reexibida na série. "Dissimulada, perigosa e especialista em manipulação de pessoas, cruel", narrou outra jornalista na TV.

"Todo mundo sai perdendo"

O quinto e o sexto episódio da docussérie ainda mostram que "toda a família saiu perdendo" com a morte do pastor Anderson do Carmo — e não é porque ele era uma pessoa querida, pelo contrário, integrantes da família o acusam de abuso sexual e de controlar as finanças da casa com pulso firme.

Filhos e netos de Flordelis estão divididos e passam por uma situação financeira caótica. Com a midiatização da morte de Anderson, da investigação e do julgamento, ninguém quer se associar a eles, agravando a crise que a família já enfrentava quando o pastor ainda estava vivo. A série conta que as "ofertas (dos fiéis) da Igreja estavam baixas" e que Anderson estava preocupado com o caixa familiar.

"Esqueceram que estavam lidando com pessoas. Estamos sem emprego", diz uma das netas de Flordelis, enquanto o advogado da família de Anderson lamenta a morte de uma irmã, da mãe e do pai do pastor. Ele analisa que eles morreram sem ver a justiça sendo feita, ou seja, a condenação de Flordelis.

A própria mandante do assassinato também perdeu com a morte do marido, e não foi só o direito a liberdade. Após o assassinato de Anderson, ela ficou isolada no Congresso porque era o marido quem fazia suas articulações políticas, quem controlava sua agenda. A série do Globoplay mostra que sua cassação aconteceu principalmente por ela não ter apoio político, pois a bancada evangélica "virou as costas" à então deputada e pastora.

Condenação

Flordelis foi condenada, na última semana, a 50 anos e 28 dias de prisão pela morte do pastor Anderson do Carmo. Ela respondia por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosamente armada.

A ex-parlamentar foi denunciada como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, que foi executado a tiros em junho de 2019, na residência da família, em Niterói, no Rio de Janeiro.

O Tribunal do Júri também condenou Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, a 31 anos, 4 meses e 21 dias pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada.

Os filhos afetivos Marzy Teixeira da Silva, André Luiz de Oliveira e a neta Rayane dos Santos Oliveira foram absolvidos de todos os crimes.

Os filhos biológicos Flávio e Adriano, o filho adotivo Lucas e o filho afetivo Carlos já haviam sido condenados, assim como o ex-policial militar Marcos Siqueira da Costa e a mulher dele, Andrea Siqueira.

Flordelis está presa desde 13 de agosto de 2021. Dois dias antes, Flordelis havia perdido o foro privilegiado ao ter o mandato de deputada federal cassado por 437 favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções.