Filho dos proprietários da Escola Base: 'Hebe pediu a morte dos meus pais'
Reviver traumas nem sempre é uma coisa ruim. Para alguns, falar sobre um determinado assunto e trazê-lo à tona é uma das únicas maneiras de ter um pouco de paz. Este é o caso de Ricardo Shimada, 42, que assistiu de perto aos pais sofrerem denúncias de pedofilia que, posteriormente, foram tidas como falsas. Com eles, outro casal também foi acusado.
Quando finalmente o veredicto da justiça e da mídia se tornou público, inocentando as quatro pessoas, o estrago já estava feito.
O professor de jiu-jitsu conversou com Splash e relembrou detalhes do que aconteceu com seus pais, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, proprietários da escola infantil tida como local de aliciação de menores, em São Paulo. Para ele, que se converteu a evangélico há sete anos, é preciso falar sobre o caso não apenas para espantar os fantasmas do passado, mas honrar a história de seus pais, que já morreram.
Toda a polêmica aconteceu em 1994 e hoje, 28 anos depois, é abordada no documentário "Escola Base — Um Repórter Enfrenta o Passado", da Globoplay, que conta com a participação de Ricardo. A produção mostra como a mídia cobriu o caso e, em dado momento, um trecho de um discurso da Hebe é mostrando enquanto ela fala sobre o caso.
"Os paulistanos estarrecidos aguardam o desfecho do caso das crianças que teriam sido violentadas na Escola de Educação Infantil Base. Na minha cabeça não entra uma coisa dessa. Se comprovados tais fatos, exige punição pesada e exemplar. Gente, eu sinto asco só de pensar que isso poderia ter acontecido. Ave Maria. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém", disse a apresentadora.
No entanto, em entrevista a Splash, Ricardo Shimada falou sobre o dia no qual Hebe comentou sobre seus pais em rede nacional e, segundo contou, foi algo traumatizante que nunca foi apagado de sua memória.
"Eu não sei se eles [os produtores] não acharam todo o arquivo original, mas ela [a Hebe] pediu a morte dos meus pais. Nesse dia que a Hebe falou disso, a minha mãe sofrera um derrame no olho por todo o estresse que já estava passando e ela estava num oftalmologista. Logo que a Hebe falou isso, foi lançada a prisão preventiva dos meus pais. Na hora, eu liguei para eles e mandei eles irem embora porque seriam presos."
Mesmo com os traumas e as lembranças dos momentos ruins que passaram em decorrência das falsas denúncias, Ricardo disse a Splash que não tem mais mágoa dos envolvidos. Principalmente de Valmir Salaro, 69, o primeiro repórter a cobrir o caso em rede nacional para a TV Globo e protagonista do documentário da Globoplay.
"Por mais que ele tenha errado, a gente já conversou e ele já me pediu perdão pelo que aconteceu. Afinal, ele foi a única pessoa de caráter que quis conversar, não foi nem só para pedir perdão, mas falar conosco. Tem muitas pessoas envolvidas, não só as mães e os delegados, há vários repórteres."
Ricardo acredita que não receberá mais pedidos de desculpas, mas diz que hoje ele se vê indiferente quanto a isso. "Oro pelo bem das pessoas, para que elas tenham saúde. É o que Deus nos mostra e nos ensina. É uma pena que essas pessoas, por caráter ou vergonha, não conseguem dizer que erraram."
Por mim, o perdão já está dado.
Trote
Como já se passaram quase três décadas, Ricardo tomou um susto quando o próprio Valmir Salaro entrou em contato para falar da produção. "Eu estava limpando a área externa da minha casa e o telefone tocou."
"Atendi e a pessoa disse ser o Valmir Salaro. Achei que fosse trote. Como que eu poderia imaginar que ele mesmo ligaria. Mas aí a gente conversou, ele explicou a situação. Disse que o Alan [Graça], produtor, me ligaria. Conversamos, ele me explicou sobre o documentário e a gente combinou."
Ao ver a oportunidade de falar a verdade sobre seus pais, Ricardo Shimada aceitou participar.
Pós-lançamento
"Escola Base — Um Repórter Enfrenta o Passado" chegou recentemente à Globoplay e jogou luz ao caso que, fora das faculdades de jornalismo, era quase que esquecido. Ricardo vê de maneira bastante positiva este momento pós-lançamento, pois está recebendo bastante carinho.
"Várias pessoas entraram em contato comigo pelo Instagram. Elas estão me parabenizando pelas minhas atitudes ali no documentário". No título, ele fala de maneira serena sobre o drama dos pais e, ao tempo todo, fala de Deus e de perdão.
"Há também pessoas que falam do sofrimento que elas estão passando, de momentos difíceis. E aí a gente acaba conversando e falando um pouco mais, eu fico tentando ajudar as pessoas. Falando mais de Deus para elas."
As pessoas solidarizam comigo e com a história dos meus pais. Algumas ainda ficam irritadas com o Valmir, culpam ele. Claro, ele teve culpa, mas não foi o único.
Para Ricardo, houve até mesmo uma surpresa ao assistir à produção, quando um ex-aluno da Escola Base fala sobre Maria Aparecida de maneira carinhosa. "Ver os depoimentos dos envolvidos foi bem legal, mas ver o menino [Diego Granado] que foi aluno, falando da minha mãe, com as imagens dela na festa de aniversário dele foi muito legal. E as imagens da minha mãe que eu não tenho. Foi bem bacana ver tudo isso."
Nem tudo o que aparece no título o professor de jiu-jitsu já sabia. Foi o caso do primeiro menino de quatro anos que a mãe acreditou que tinha sido abusado sexualmente: o documentário conseguiu entrar em contato com ele, mas todos se surpreenderam ao saber que o agora adulto não fazia ideia de seu envolvimento com o caso da Escola Base.
"Eu também fiquei chateado com a situação porque ninguém acha que vai passar por isso. Imagina. Acho que ele também não estava preparado para isso. Porque a reportagem quando ela quer, ela vai fundo, ela acha, ela descobre. Acho que ali, os produtores não estavam preparados para escutar 'eu não sabia'. Acho que foi um susto para eles também. Mas é uma pena mesmo que ele não saiba da história, até mesmo para ele refletir."
Dá para a gente ver que ele estava sendo induzido a algumas coisas quando criança, deve ser muito difícil para ele. Tem que respeitar se ele não quiser tocar no assunto.
Livro
Para janeiro do próximo ano, Ricardo Shimada planeja lançar a sua própria versão do que aconteceu com os pais, o livro "O Filho da Injustiça", escrito com o jornalista Emílio Coutinho, 37, autor de outra obra já focada na história: "Escola Base", lançada pela editora Casa Flutuante.
"Meus pais me deixaram de fora das matérias e fora dos holofotes, para me proteger. Eu era um adolescente. Guardei isso por muito tempo", explicou sobre o que o levou a escrever sua história. Quando decidiu que deveria falar sobre o assunto, Ricardo procurou Coutinho e, a quatro mãos, desenvolveram o texto.
"O documentário aborda o caso, mas dá ênfase para o Valmir Salaro. Já o intuito do meu livro é contar a minha vida pessoal com os meus pais: antes, durante e depois do caso. Conto como eles se conheceram, o casamento, o ano em que nasci, como compraram o primeiro apartamento. Até a compra da Escola Base."
"No livro, relembro de quando vi os policiais chegando na escola. Conto da tentativa de suicídio da minha mãe e dos meus pais, depois do caso, ainda precisando bancar a reforma da escola para entregar o prédio."
Para Ricardo, em decorrência do sucesso do documentário, agora é a hora certa para lançar o livro e lidar de maneira cada vez mais tranquila com os traumas do passado.
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