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Guga Noblat vê Jovem Pan como 'acessório de Bolsonaro': 'Difícil viver ali'

Noblat diz que foi suspenso por não defender a Jovem Pan após restrições do TSE - Reprodução
Noblat diz que foi suspenso por não defender a Jovem Pan após restrições do TSE Imagem: Reprodução

De Splash, no Rio

26/11/2022 04h00

O jornalista Guga Noblat, de 42 anos, foi demitido do grupo Jovem Pan um dia depois do segundo turno das eleições, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL). Ele diz que foi suspenso porque não defendeu a emissora após restrições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O plenário do TSE puniu o grupo em três decisões por declarações de comentaristas consideradas distorcidas ou ofensivas a Lula durante o período eleitoral. Comentaristas e eleitores de Bolsonaro diziam que as restrições do TSE configuravam censura contra a direita.

Em entrevista a Splash, Noblat afirma que a Jovem Pan formou uma audiência de militantes que gera alta receita para o grupo, mas que, por outro lado, pressiona e demanda a rádio a seguir apenas uma linha de pensamento.

"É um público fiel, fanático, que não troca de candidato, nem de canal. Se você tem um perfil de audiência tão fiel assim, te dá segurança, ainda mais quando o número é inflado. Essa seita bolsonarista, de fato, assiste a Jovem Pan e é um número gigantesco que gera de audiência para a rádio, revertendo em publicidade na internet. Mas se você narra algo um pouquinho diferente do que eles querem ouvir, já começam a te perseguir", reflete

"Durante esse período, eles deram pequeno espaço para visões diferentes. Foi uma rádio que abraçou essa narrativa bolsonarista. Não acredito que seja baseado em ideologia, mas, sim, em receita", pensa.

A Jovem Pan durante as eleições, sem dúvida, se comportou muito como uma mídia bolsonarista, um acessório do Bolsonaro, que está a serviço da narrativa do Bolsonaro.

Questionada na Justiça a respeito do tratamento que dispensava aos então candidatos à Presidência, a Jovem Pan alegou censura após as decisões do TSE. Em editorial no dia 20 de outubro, a empresa afirmou que o TSE impôs as restrições "ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa, da previsão expressa na Constituição de impossibilidade de censura e da livre atividade de imprensa".

Noblat se aproximou da Jovem Pan em 2018, pouco tempo antes da eleição daquele ano. Ele participava de debates no "Pânico" com o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), o que gerava repercussão nas redes sociais. Por isso, ganhou espaço em outros horários da emissora de rádio, no YouTube e até na televisão. Em março deste ano, começou a participar do "Morning Show".

"Entrei na Jovem Pan para falar tudo o que eu queria, inclusive o que a rádio não queria ouvir. Meu papel não era vestir a camisa da rádio que veste a camisa do Bolsonaro. Meu papel era fazer esse contraponto para deixar a linha editorial mais amena e para evitar que eles perdessem embates na justiça eleitoral. Durante a eleição, você precisa ser mais isento e ouvir os dois lados para não levar direito de resposta nas costas o tempo inteiro", pensa.

Clima nos bastidores

Para Noblat, poucos comentaristas da emissora são progressistas. No entanto, apesar das divergências de pensamento, o clima foi respeitoso durante os primeiros meses em que esteve no "Morning Show".

"Assim que eu virei comentarista, era o Adrilles (Jorge) que debatia comigo. Por mais que ele acredite em teorias da conspiração, a gente tinha uma relação de colega de trabalho. A gente se debochava, mas dentro do espírito do programa, que ia para o lado do entretenimento com a informação", diz.

Depois, ele afirma que colegas de trabalho começaram a criticá-lo nos bastidores e no ar. "Falavam 'o Guga não veste a camisa', 'o Guga é traidor'. Esse tipo de imagem gerou, claro, um clima ruim e desconfortável. Quando chegou esse momento de 'a direita está sendo perseguida', eu não embarquei na narrativa e expliquei no programa que qualquer veículo precisa ser minimamente isento. Não dá para você tratar um candidato como 'condenado' e outro como 'mito'", diz.

Ela ainda afirma que a convivência com os comentaristas Paulo Figueiredo e Zoe Martinez era complicada porque havia um "clima de ataque pessoal".

"O Paulo me mandava mensagens dizendo que queria sair na porr*da comigo. Ele é completamente desequilibrado. Uma coisa de 5ª série que não tô acostumado a lidar. Temos que ter o mínimo de decência porque não é um programa de bate-boca, mas acabou virando. É difícil não ficar um clima chato", diz.

Por isso, Noblat sentia que seu prazo de validade na emissora terminaria após o período eleitoral.

"Eu sabia que falava coisas que desagradavam, tanto que nunca me mudei para São Paulo de fato. Não tinha segurança porque desagradava muitos comentaristas e até ouvintes. A rádio é uma vitrine bacana, mas fui com o intuito de bater de frente com os negacionistas da informação. Sabia que meu trabalho não duraria muito tempo, mas sabia que teria um efeito importante num ano de eleição", afirma.

Guinada editorial após vitória de Lula?

Conforme apontado pelo colunista de Splash Fefito, a vitória de Lula começou a promover mudanças na Jovem Pan. Presidida por Tutinha, a emissora estaria promovendo uma guinada editorial para ajustar o tom crítico ao governo eleito. A ideia é moderar o discurso nos próximos meses.

Para Noblat, a emissora está no dilema de "como amenizar a linha editorial e conquistar mais anunciantes e mais credibilidade — porque ser muito extremista mancha a reputação de qualquer empresa — sem perder o público fiel e militante que garante uma audiência gigantesca".

"É muito difícil trocar essa imagem de rádio bolsonarista. É possível, a rádio tem 80 anos de história, tem mais história que seus atuais donos, mas é delicado e talvez passe por mudar a atual direção da rádio, o que não vai acontecer. Eles vão continuar tentando agradar esse público bolsonarista", opina.

"Alguns comentaristas ainda mais reacionários foram colocados no lugar de outros que saíram e tinham a fama de ser de direita. A troca não foi para amenizar linha editorial... Fazem isso porque tem medo de perder esse público fiel. Esse público vai trocar de rádio se eles abrirem mão dos influenciadores de extrema-direita que ainda estão ali", completa.

O Bolsonaro, com a eleição dele, abriu a tampa do esgoto para que fosse descoberto inúmeros comentaristas e influenciadores desqualificados que jamais teriam atenção das redes sociais e das mídias.