Resumo da crítica
- 'Ela Disse' é um bom filme, mas interessa principalmente quem trabalha com jornalismo ou entretenimento
- O longa trata das investigações sobre as denúncias de assédio contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein
- Pela temática e influência, "Ela DIsse" pode aparecer nas próximas indicações ao Oscar
Há uma brincadeira entre jornalistas que diz que apenas dois tipos de pessoas leem o nome de quem está escrevendo o texto: a mãe de um jornalista ou outro jornalista. Eu poderia apostar, caro leitor, que você chegou até aqui sem mesmo se dar o trabalho de saber de quem é esta opinião que está lendo. E tudo bem.
A mesma coisa acontece com filmes que falam sobre jornalismo: dificilmente eles estouram a bolha e chegam ao grande público. Um dos raros exemplos é o ótimo "Spotlight", vencedor do Oscar de 2016, que conta como repórteres do Boston Globe revelaram o maior escândalo de abuso sexual de menores por membros da Igreja Católica.
Recentemente, uma dos maiores revoltas iniciadas pelo jornalismo foi o movimento #MeToo, contra os abusos na indústria do cinema. Seu estopim foram denúncias contra Harvey Weinstein - um dos maiores produtores de Hollywood - relatadas por Ronan Farrow para a revista New Yorker e pela dupla Jodi Kantor e Megan Twohey, do New York Times. Para contar a cruzada das duas, foi lançado o "Ela Disse", baseado no livro "Ela disse: Os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo", lançado no Brasil pela Companhia das Letras.
Dirigido por Maria Schrader e estrelado por Zoe Kazan e Carey Mulligan, o longa que já está disponível nos cinemas é extremamente interessante para quem é jornalista. Ao longo de suas duas horas e nove minutos de duração, a produção esmiuça detalhes da busca por fontes, dos entraves judiciais e das dificuldades de ser uma repórter de qualidade enquanto lida com problemas mundanos e corriqueiros, como uma gravidez ou uma filha com pesadelos.
Talvez por fazer "pouco tempo" que o escândalo veio a público, não tenham tantas novidades a serem contadas em "Ela Disse". A impressão é que assistimos a algo que poderia ser uma notícia de jornal na qual são contados detalhes de uma reportagem. Isso não quer dizer que o filme seja ruim - longe disso -, apenas que ele não conversa com pessoas que estão fora do mundo do jornalismo ou do entretenimento.
Escutar aos relatos traumatizantes das mulheres abusadas, entender todo o sistema que protegeu Weinstein e outros detalhes valem a pena, mas é preciso que o título chegue ao público geral, o que parece ser o maior desafio agora. "Ela Disse" já estreou nos Estados Unidos e foi muito bem recebido pela críticas, mas arrecadou apenas pouco mais de US$ 5 milhões (R$ 26,1 milhões) até agora, quase um mês depois de seu lançamento.
Se por um acaso do destino o longa consiga chegar a mais salas de exibição e alcance uma audiência maior, a produção tem muito a ensinar.
Para as mulheres, entendemos o quão poderoso pode ser quando todas se juntam em pró de um objetivo final. Foi a união de relatos e denúncias que conseguiu derrubar Weinstein - que segue preso até hoje. Para os homens, perceber que há uma rede proteção invisível que deve ser cortada, e não é mais possível aceitar tais comportamentos de seus iguais.
"Ela Disse" se apega aos fatos para mostrar ao público todos os passos de uma denúncia de abuso sexual desta proporção, mas, simultaneamente, parece esquecer das publicações feitas por Ronan Farrow na The New Yorker, lançadas na mesma época e que causaram um impacto tão grande quanto - se bobear, até maior.
Com atuações boas e uma direção que acerta ao ser simples, o filme pode fazer sucesso no Oscar 2023, mas provavelmente mais pelo seu assunto, tão presente e importante na indústria cinematográfica, do que por sua aceitação do público. Felizes daqueles que se aventurarem.
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