Jornalista Elizabeth Carvalho deixa Globo após mais de 20 anos
A jornalista Elizabeth Carvalho, correspondente da Globo na Europa há dez anos, pediu demissão e vai deixar a emissora no próximo dia 31 após mais de 20 anos. O anúncio foi confirmado pelo diretor-geral de Jornalismo, Ali Kamel, em comunicado interno, ao qual Splash teve acesso.
É correspondente da Globo e GloboNews no continente europeu desde 2012. Ficou dois anos em Berlim, na Alemanha, e depois migrou para Paris, na França. Ela pediu demissão há dois anos, mas permaneceu até o final deste ano para cobrir a última eleição presidencial francesa.
"Dia 31/12, Beth encerra esse ciclo com a Globo. Não me detalhou ainda qual será o novo desafio que ela vai se dar (sei que há um livro e filme no horizonte). Mas tenho certeza de que o resultado vai ser maravilhoso, para ela e para o seu público".
No período, dedicou-se a documentários e séries documentais sobre temas que marcam o nosso século, disse Kamel em comunicado.
"Cito a série sobre a Zona do Euro, em que revelou os paradoxos de uma Europa que, embora unida por uma cultura e moeda comuns, vê acirrada a rivalidade graças a exatamente esses dois fatores. Não era premonitória, mas quem assistiu à série pôde entender melhor o Brexit quando este veio anos depois. Seu último grande trabalho foi um mergulho nas últimas eleições presidenciais francesas".
O diretor-geral de Jornalismo ainda destacou que a jornalista é especialista em "reportagens de fôlego" e citou duas feitas por ela enquanto dirigia a sucursal da extinta revista Afinal.
"Em 1985, mergulhou no cinquentenário do levante comunista de 1935, quando fez, entre outras, uma entrevista brilhante com Luiz Carlos Prestes. Mais tarde, foi atrás de Manuelzão para reconstituir os passos do Guimarães Rosa de Grande Sertão Veredas e Corpo de Baile. Tenho essa edição até hoje, misto de perfil de um personagem emblemático e ensaio literário".
Antes de chegar à TV Globo na década de 90, passou por diferentes redações: Jornal do Brasil, revista Veja, revista Afinal, O Globo e o Estado de São Paulo. Também colaborou para o jornal francês Le Monde Diplomatique. Elizabeth Carvalho trabalhou no gabinete de Darcy Ribeiro nos anos 1980, quando este foi vice-governador e secretário de Cultura do Rio. É mestre em Economia Política Internacional.
Leia o anúncio de Ali Kamel, na íntegra:
Não há ninguém na Globo com quem em eu me relacione profissionalmente há mais tempo do que Elizabeth Carvalho. Eu a conheci em 1983, quando a Rádio Jornal do Brasil me designou para acompanhar as atividades do antropólogo Darcy Ribeiro, então vice-governador e secretário da Cultura de Leonel Brizola. Beth era sua assessora de imprensa e se dedicava magistralmente a intermediar os contatos entre Darcy e os jornalistas, numa época em que muitos veículos eram céticos em relação a um projeto ambicioso dele: construir em apenas quatro meses a Passarela do Samba com o objetivo de deixar para trás aquele monta e desmonta anual tão dispendioso das arquibancadas de metal. Darcy era um furacão de ideias e aquela secretaria fervilhava. Missão cumprida, Beth pediu demissão com uma frase que já nasceu antológica: "Deus não precisa de assessor de imprensa". Muitos viram nela uma crítica a Darcy, mas não: era apenas o reconhecimento da genialidade de Darcy resumida no texto sempre primoroso de Beth (Darcy e ela sempre se admiraram mutuamente).
Embora muito jovem, Beth àquela altura já tinha uma experiência grande com passagens pelos principais veículos do país: correspondente em Paris do Jornal do Brasil, editora-assistente de Artes e Espetáculos de Veja, repórter e, depois, editora dos jornais de Bairro de O Globo, repórter de O Estado de S. Paulo. Ainda essa semana, assistindo ao documentário "Dunas do Barato", vi Evandro Mesquita se referir a ela como "uma menina" que, em 1975, quando o Píer de Ipanema foi desmontado, fez uma reportagem-síntese para Veja sobre aquela geração que dá frutos até hoje: "O último verão da contracultura" (ela aparece na praia, bloquinho de anotação nas mãos, fazendo o perfil de uma geração em tempo real).
Reportagens de fôlego sempre foram mesmo o seu forte, e digo isso porque fui testemunha de algumas. Em 1985, quando saí da Rádio Jornal do Brasil, Beth dirigia a sucursal da revista Afinal, um projeto que considero moderno até hoje (a revista era dirigida em São Paulo por Fernando Mitre e Sandro Vaia e abria sempre com uma reportagem em profundidade). Beth me chamou para trabalhar na sucursal e ali pude ver que ela gostava mesmo era de ir a campo. Ainda em 1985, mergulhou no cinquentenário do levante comunista de 1935, quando fez, entre outras, uma entrevista brilhante com Luiz Carlos Prestes. Mais tarde, foi atrás de Manuelzão para reconstituir os passos do Guimarães Rosa de Grande Sertão Veredas e Corpo de Baile. Tenho essa edição até hoje, misto de perfil de um personagem emblemático e ensaio literário. Ganhou prêmio com ""Ex-guerrilheiros", que recuperava a história daqueles que participaram da luta armada, com relatos de como viviam à época da reportagem.
Quando Beth anteviu que Afinal não conseguiria manter a integridade do projeto que prometeu, deixou a revista (eu sairia logo depois, me transferindo para Veja). Pouco mais tarde, lá estava Beth no Jornal do Brasil, na equipe que lançaria o vitorioso caderno de cidade, misturando polícia, temas gerais, moda, tendências. Foi um sucesso.
Passou pela TV Manchete e Band, em ambas como editora de jornalismo, roteirista e editora de programas especiais. Quando cheguei aqui, em 2001, eu a encontrei na GloboNews, como editora-chefe e apresentadora do programa Milênio. Ali, procurou aproximar mais o programa dos temas relevantes para a América Latina e o entorno dos países centrais. Foram mais de cem entrevistas, todas relevantes, e cito apenas algumas: Evo Morales, Nestor Kischner, Michel Bachelet, Julian Assange, Eduardo Galeano. Fluente em inglês, francês e espanhol, Beth não entrevista pulando de uma pergunta para outra num roteiro pré-estabelecido, mas ouve o que o entrevistado diz para, a partir dali, seguir adiante, deixando de lado o roteiro caso isso se imponha. É a regra básica do bom entrevistador, porque ouvir é mais importante do que simplesmente perguntar, mas nem todos praticam a regra como deve ser. Beth, sim.
Em 2012, Beth foi convidada a ser correspondente na Europa, primeiramente em Berlim, por dois anos e, depois, em Paris. Nesse período, se dedicou a documentários e séries documentais sobre temas que marcam o nosso século. Cito a série sobre a Zona do Euro, em que revelou os paradoxos de uma Europa que, embora unida por uma cultura e moeda comuns, vê acirrada a rivalidade graças a exatamente esses dois fatores. Não era premonitória, mas quem assistiu a série pôde entender melhor o Brexit quando este veio anos depois. Seu último grande trabalho foi um mergulho nas últimas eleições presidenciais francesas. Contou os dilemas da França dessa década através dos sentimentos de apoiadores de cada candidato - e foram escolhas certeiras e significativas. O resultado é a perenidade da série: daqui a dez anos a atualidade dela como explicação do passado estará preservada.
Há dois anos, Beth me disse que gostaria de encerrar o seu ciclo na Globo. Eu, que conheço a Beth há tantos anos, soube ali que a decisão dela não seria modificada. Estava tomada, e pronto. Mas pedi um prazo maior, justamente até o fim do ano em que ocorreria a eleição presidencial francesa, que ela cobriu tão bem. Dia 31/12, Beth encerra esse ciclo com a Globo. Não me detalhou ainda qual será o novo desafio que ela vai se dar (sei que há um livro e filme no horizonte). Mas tenho certeza de que o resultado vai ser maravilhoso, para ela e para o seu público.
Em nome da Globo, e em meu nome, agradeço a ela por todos esses anos. Beth não gosta de ouvir isso, mas é um exemplo de profissional. Eu sempre aprendi muito com ela. E vou continuar aprendendo.
Obrigado,
Ali Kamel
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