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Como a história real do sequestro de um avião no Brasil em 1988 virou filme

O diretor Marcus Baldini e a produtora Joana Henning, sócia e CEO do Estúdio Escarlate - Divulgação
O diretor Marcus Baldini e a produtora Joana Henning, sócia e CEO do Estúdio Escarlate Imagem: Divulgação

De Splash, em São Paulo

08/01/2023 04h00

Uma estrutura gigantesca impressiona quem adentra os estúdios Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (SP). Um Boeing de tamanho real, desmontado em duas partes, se equilibra sobre barulhentas estruturas cilíndricas. É nelas que está um dos investimentos recentes mais ambiciosos do cinema nacional. O desafio? Contar a história do sequestro do voo 375.

O diretor Marcus Baldini assume o projeto, com produção do Estúdio Escarlate em parceria com a LTC Produções e Star Original Productions. A proposta é revisitar os momentos assombrosos pelos quais passaram os passageiros, e recontar as manobras do piloto Fernando Murilo de Lima e Silva para desestabilizar o sequestrador, Raimundo Nonato, que queria colidir a aeronave contra o Palácio do Planalto.

A grandiosidade da ideia é resultado de um trabalho em várias partes.

"Geralmente, os fatos não contêm uma história em si que cabe em duas horas. Mas eu gosto de partir dos fatos para construir um roteiro de drama. Depois, tem o desafio técnico de como filmar essa história", conta Baldini, em entrevista a Splash.

Multifacetado, Baldini vai de "Uma Quase Dupla" (2018) a "Bruna Surfistinha" (2011), mas esta é a primeira vez que abraça um filme de ação com tanto porte. Com as estruturas construídas nos estúdios Vera Cruz, inéditas no cinema nacional, é possível simular as manobras feitas pelo piloto em 1988. Mas, com o ineditismo, vem a missão de abrir um caminho.

"As pessoas têm referências de filmes americanos, feitos com trilhões de vezes mais de recursos. Então, ficamos sempre nesse lugar de comparação. Por mais que você se esforce, não vai chegar ao mesmo rebuscamento técnico", lamenta.

"Por outro lado, temos que pensar no que precisamos para contar a história, e temos algo muito brasileiro, na construção de um herói que tenta salvar vidas. Ele não está sendo apoiado por ninguém, é uma história de solidão, sobre pessoas que são abandonadas por um sistema."

equipe - Ju Chalita/Divulgação - Ju Chalita/Divulgação
Baldini e o elenco do filme 'O Sequestro do Voo 375'
Imagem: Ju Chalita/Divulgação

Um novo olhar para o futuro

"O Sequestro do Voo 375" acontece apesar dos cortes no setor cultural que o Brasil vivenciou nos últimos quatro anos, e precisou diversificar as formas de financiamento para captar recursos.

Neste sentido, Baldini enxerga com esperança a perspectiva do cenário com a retomada do Ministério da Cultura e os investimentos no audiovisual.

"A volta dos incentivos e do pensamento do cinema nacional como fomentador de identidade nacional é fundamental. Tentar desenvolver um público que tenha interesse [pelo cinema nacional] é essencial."

Acho de uma limitação ideológica profunda as pessoas que não entendem o soft power americano sobre o mundo inteiro quando, através dos filmes, eles divulgam muitas coisas. É uma forma de quase imperialismo sobre o resto do mundo.
Marcus Baldini, em entrevista a Splash

"Por isso, olhar para o cinema e para a cultura como fonte de identidade de um povo, que produz coisas originais para as pessoas que moram no país, que pode ser exportado de alguma forma, é maravilhoso."

Retomada cultural

Margareth Menezes tomou posse como ministra da Cultura no dia 2 de janeiro. Segundo ela, a equipe de transição encontrou um desmonte de 80% das verbas destinadas para a área. Para a Secretaria do Audiovisual foi nomeada a produtora Joelma Gonzaga, com 20 anos de experiência no mercado.

Com a retomada do MinC, voltam para o guarda-chuva da pasta divisões como a Ancine, o Conselho Superior de Cinema e a Secretaria do Audiovisual. Desta forma, há a expectativa de um fortalecimento do setor audiovisual brasileiro, através do incentivo de novas obras e da proteção da identidade nacional.

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Marcus Baldini nos bastidores de 'O Sequestro do Voo 375'
Imagem: Ju Chalita/Divulgação

"É preciso trazer essa perspectiva também sobre o streaming, que mudou radicalmente o mercado de cinema no Brasil", continua, defendendo a necessidade de regulamentação do formato.

Hoje, a fonte de receita de um filme é mais ampla do que apenas a bilheteria, e isso precisa ser pensado do ponto de vista da produção independente. As pessoas precisam entender que produzir para vender a propriedade intelectual e não ter mais nada a ver com isso é um colonialismo que precisa ser revisto.

Competição acirrada

Baldini explica que defende a existência de fomentos para que as produções nacionais sejam protegidas da competição acirrada — e, muitas vezes, desigual — de grandes lançamentos estrangeiros.

"Já que temos uma exploração do mercado brasileiro, feita por empresas de fora, parte desse dinheiro precisa ser remetido para que a produção nacional também seja fomentada. Se não houver isso, não temos como competir com Avatar, Transformers, Marvel...", compara.

"A gente precisa de algum tipo de proteção para que o nosso mercado, que é pequeno, não seja dizimado pelos grandes."