Recusa de cenas de sexo de ator de 'You' escancara puritanismo em Hollywood
Pouco depois da estreia da primeira parte da quarta temporada de "You", Penn Badgley virou manchete ao dizer que pediu menos cenas de sexo nos novos episódios.
O intérprete do protagonista Joe Goldberg havia dito em seu próprio podcast, Podcrushed, que se incomodava por gravar cenas íntimas. Segundo ele, tal porção do trabalho o deixa um pouco "perturbado".
Já tendo gravado uma porção considerável de cenas de sexo em sua carreira, Badgley contou que este "não é um lugar em que ele tenha borrado as linhas".
Poucas coisas eu diria com mais consagração. Esse aspecto de Hollywood sempre foi um pouco perturbador para mim -- e esse aspecto do trabalho, essa fronteira mercurial -- sempre foi algo com que eu não quero brincar. Não costumava ser o caso.
Penn Badgley, em entrevista à Variety
A declaração gerou debates nas redes sociais pelo fato de o ator ter dito que quer se manter fiel ao casamento.
"Minha fidelidade no relacionamento é importante para mim. E é uma das razões por que eu, inicialmente, quis recusar o papel. Eu não queria contar isso, mas era o motivo."
O pedido de alteração nas cenas, feito diretamente à roteirista e showrunner Sera Gamble, teve resposta positiva. Durante os episódios do quarto ano, o número de cenas de sexo com Joe cai consideravelmente. Não é possível erradicá-las, e nem seria este o pedido de Badgley. Mas o objetivo de diminuir a exposição e o desconforto teria sido alcançado, segundo ele mesmo.
Enquanto diz respeito a uma preferência e um incômodo pessoais, a revelação de Badgley dividiu opiniões e acabou dando desdobramento a discussões que dizem respeito a um cenário amplo dentro da indústria do cinema hollywoodiana.
Por um lado, é claro, há de se considerar o nível de conforto dos atores durante a execução das cenas. Além disso, se as cenas íntimas são importantes para o andamento da trama e para o projeto artístico em questão, é igualmente necessário que os atores envolvidos tenham liberdade para opinar sobre as mesmas.
A coragem de Badgley de falar sobre seu incômodo, portanto, pode servir de alerta para que outros atores e outros projetos se atentem a essa questão. Nos anos recentes, por dezenas de motivos, fala-se muito sobre o conforto das mulheres em cenas íntimas, justamente após as múltiplas denúncias de assédio em Hollywood e o movimento #MeToo. A declaração de Penn mostra que esta atenção também é importante para homens.
Por outro lado, a fala dá luz a uma espécie de vertente que está se tornando comum entre o público mais jovem que aprecia cinema e TV: a discussão sobre a "necessidade" de cenas de sexo.
Este é um tema que parece ser revisitado em círculos das redes sociais a cada poucas semanas. Enquanto alguns questionam se "precisamos" de cenas de sexo no cinema, ou se elas não estão ali apenas para tornar incômoda a experiência de ver uma série ou um filme ao lado dos pais, outros atestam que tais declarações, e a busca por "necessidade", contribuem para uma cultura de "puritanismo" nas artes.
A história do cinema mostra que essa higienização das cenas de sexo não é nova, e já existiu na época de vigência do Código Hays, um conjunto de regras que guiou Hollywood entre meados da década de 1930 e meados da década de 1950.
As regras foram criadas após alguns escândalos envolvendo a indústria do cinema, como o assassinato do diretor William Desmond Taylor e o suposto estupro da atriz Virgina Rappe pelo também ator Roscoe Arbuckle. Na teoria, as regras serviam para garantir uma moralidade nos bastidores e em frente às câmeras — algo guiado, sobretudo, por grupos cristãos e políticos.
Na prática, o Código Hays serviu para fortalecer traços racistas, sexistas e homofóbicos, fazendo com que a indústria cinematográfica retrocedesse décadas pelo tanto de cerceamento que as regras impunham. Beijos, por exemplo, não podiam durar mais do que 3 segundos. Casais inter-raciais eram proibidos, o que praticamente erradicou qualquer protagonismo de pessoas que não fossem brancas.
Uma das grandes defesas do Código Hays era que ele fazia com que os filmes precisassem ser mais criativos para contornarem as regras — a proibição das cenas de sexo fazia com que fosse necessário sugeri-lo de forma sensual, mas não explícita. A questão da duração dos beijos também gerou algumas soluções criativas envolvendo cortes e montagens. É verdade que isso inspirou grandes e bons filmes, mas nada disso foi graças ao código, e sim apesar dele.
Quanto à suposta necessidade de existência das cenas de sexo, é importante ressaltar que os momentos íntimos entre dois personagens diante de uma tela podem ou não servir para levar a trama adiante. Eles podem existir para impulsionar a história ou apenas para mostrar um pouco mais de como são aqueles personagens, ou estarem ali como um momento de diversão — e está tudo bem.
Da mesma forma, as cenas de sexo podem despertar todo tipo de reação, conscientemente ou não. Às vezes, a intenção da cena é ser algo singelo e encantador; em outras, é realmente causar incômodo. Outras vezes, pode causar repulsa de forma não intencional, como já foi o caso, por exemplo, de algumas cenas amplamente criticadas de "Game of Thrones".
Parte dessa "repulsa" do público a cenas de sexo tem razão quando olhamos para a hegemonia de blockbusters plastificados atuais que contagiam o cinema. Do turbilhão do Universo Cinematográfico Marvel (avesso a sangue, romances mais quentes ou qualquer nível alto de complexidade pela necessidade de captar públicos mais jovens) à onda aparentemente irrefreável de refilmagens e continuações questionáveis, tornou-se mais comum do que nunca o público ser bombardeado por produtos plastificados. E as séries genéricas que também contagiam as plataformas de streaming causam o mesmo efeito.
A ideia de um audiovisual transgressor e que desafie as regras, infelizmente, fica cada vez mais restrita a um público especialista.
Em todos esses casos, o debate é importante e saudável. Quando Penn Badgley fala do seu pedido à produção de "You", está revelando uma situação particular e íntima. Ela não necessariamente diz respeito a todo um comportamento da indústria, mas ilustra que estamos diante de um debate muito mais complexo do que apenas afirmações rasas de que "cenas de sexo são boas" ou "cenas de sexo são ruins".
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