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OPINIÃO

Wayne Shorter foi um dos últimos gigantes do jazz

Wayne Shorter marcou a história do jazz mundial - Reprodução/ Twitter
Wayne Shorter marcou a história do jazz mundial Imagem: Reprodução/ Twitter

Rodrigo Barradas

Editor de Opinião do UOL

02/03/2023 17h39

A morte de Wayne Shorter deixa um vazio que dificilmente o jazz terá condições de recompor. Dos gigantes de sua geração, poucos caminham entre nós. Herbie Hancock, 83, seu parceiro de muitas empreitadas, já não produz como antigamente. Keith Jarrett, 78, doente, já anunciou o abandono da música. Não se ouvem mais os sopros de Sonny Rollins, 93, tenorista que influenciou Shorter.

O que une todos esses nomes é a intenção de provocar o limite da música e, ao mesmo tempo, ter uma certa popularidade e relevância. Uma relação modernista com a arte que, hoje, pelo menos no jazz, é passado.
Shorter foi um catalisador de novidades desde que despontou ainda nos anos 50, tocando com Horace Silver e Maynard Ferguson. No ambiente supercompetitivo do jazz nova-iorquino, conseguiu assento nos Jazz Messengers de Art Blakey, para sempre inscrito como um dos maiores reveladores de talentos do gênero.

Mas o salto definitivo veio nos anos 60, quando Miles Davis anteviu o que ele, Hancock, o contrabaixista Ron Carter e o baterista (menor de idade) Tony Williams poderiam fazer. Davis já era o nome mais respeitado do jazz, e queria fazer sua terceira revolução. Na companhia desses jovens, criou uma música dificílima de executar, mas fácil de sentir.

Levava a música tão longe quanto qualquer músico de free jazz, mas com uma noção de estrutura sólida. Combinava o caos e a exuberância dos anos 60 com momentos de contenção e elegância que remetiam a eras anteriores.

Nesse contexto, Shorter brilhou. Seu saxofone (tenor e, mais adiante, também soprano) remetia ao som de John Coltrane, mas com rédeas, sutil, criando linhas sonoras que emergiam e submergiam nos limites da improvisação. Suas composições eram mínimas e, ao mesmo tempo, diziam todo o necessário. "E.S.P", "Iris", "Orbits", "Dolores", "Prince of Darkness" (o próprio Miles), "Masqualero" e "Footprints", esta sua marca registrada, escreveram a história do jazz sessentista.

Com Miles, Shorter também embarcou na revolução do jazz rock, com discos como "In a Silent Way" e "Bitches Brew", em que seu saxofone ficou ainda mais etéreo, colorindo as estruturas mais soltas para que o som do líder estava se dirigindo.

Voltou a formatos mais rigorosos na segunda encarnação do Weather Report, talvez a mais influente banda de jazz rock, que fundou com seu velho amigo Joe Zawinul. Ali, demonstrou ainda mais contenção, abrindo caminho para os vôos dos teclados de Zawinul e do baixista-prodígio Jaco Pastorius. Nesse grupo, que contou, na primeira fase, com o baterista Dom Um Romão, estreitou sua relação com a música brasileira, que teve seu ponto alto no disco "Native Dancer", em parceria com Milton Nascimento.

Budista que enxergava a música como filosofia, Shorter seguiu rumando para os pontos mais longínquos das possibilidades sonoras. Seu grupo dos anos 2000, com Danilo Pérez (piano), John Patitucci (contrabaixo) e Brian Blade (bateria) iniciava um ritual cósmico e abstrato cada vez que subia ao palco. Brasileiros puderam testemunhar esse ritual em apresentações no país, já no novo milênio. Nomes de discos da época já mostram onde Shorter mirava: "Beyond the Sound Barrier", "Without a Net".

Sem Wayne Shorter e seus companheiros de geração, o jazz seguirá vivo, talvez mais múltiplo e diverso e buscando novas combinações. Mas suas ambições deverão ser mais modestas.