Como 'Tudo em Todo o Lugar' foi de queridinho a 'patinho feio' do Oscar?
Quando "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" apareceu pela primeira vez, em março de 2022 (sua estreia foi no festival SXSW, que ocorre anualmente no Texas), nem tudo nele parecia gritar "filme de Oscar". Mesmo assim, o tempo passou, o culto ao redor do filme cresceu, a bilheteria se provou um sucesso e as previsões ditam altas probabilidades de ele sair carregado de prêmios da grande cerimônia deste domingo.
Então, como o filme que tanto movimentou debates nas redes sociais se tornou um divisor de opiniões tão forte?
Uma breve busca mostra que, apesar do favoritismo de uma parcela do público, o filme dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert (conhecidos como "Os Daniels") se tornou um ponto de debate e muitas desavenças entre quem acompanha de perto o que acontece no cinema. Enquanto alguns defendem a originalidade da ideia e dos simbolismos do filme, outros criticam o pedestal no qual foi colocado, o que já rendeu brigas e ataques que precisaram até mesmo da intervenção dos diretores.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" tem algumas das características que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas costuma buscar nos filmes premiados no Oscar, mas não todas.
Tradicional em um certo nível, sobretudo quando falamos da mensagem e dos temas familiares em torno do poder do amor na superação de obstáculos, é um sucesso de bilheteria e agradou à crítica. Ainda que não seja um consenso (e não deve haver a pretensão disso acontecer, em qualquer meio ou instância), os méritos do longa foram reconhecidos e validados pela crítica especializada, mesmo que os pontos fracos também sejam destacados.
Outros pontos, no entanto, divergem. Não é uma biografia, nem apresenta traço biográfico. Seu elenco é majoritariamente de atores com ascendência asiática, e nenhum deles empregou o "method acting" para entrar no personagem. Ke Huy Quan não era visto em um grande filme desde que interpretou Dado em "Os Goonies" (1985), e Stephanie Hsu era conhecida por um papel recorrente em "The Marvelous Mrs. Maisel" e por dois musicais da Broadway ("Bob Esponja" e "Be More Chill").
Parte da reclamação e da complexidade no debate sobre a validação de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" esbarra em uma postura de ataque de parte dos fãs que incomoda quem busca dialogar. Em paralelo, a aparente rapidez com que o debate mudou de uma certa forma assusta.
A boa performance da comédia de ação sci-fi entre os indicados ao Oscar parece ter acendido um alerta sobre um filme que não nasceu necessariamente nos circuitos de arte — e que bebe de tantas fontes da cultura pop contemporânea — ser capaz de chegar tão longe.
Em uma mesa redonda entre os diretores Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro e Alejandro G. Iñárritu, o cineasta favorito a ganhar o prêmio de melhor animação com sua versão de "Pinóquio" destaca um ponto que explica parte do entusiasmo em torno de "Tudo em Todo o Lugar".
"Quando vejo um filme como 'Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo' e percebo o quanto está impactando a geração dos meus filhos, e o quanto eles abraçam da mesma forma como eu abracei 'A Primeira Noite de um Homem' quando tinha a idade deles, eu amo tudo isso", declarou Del Toro.
"Eu amo o fato de as pessoas poderem ser tão apaixonadas por um filme que reflete algo para elas, mesmo que a geração mais velha não entenda. Esse filme se tornou um marco para uma geração poder dizer para sempre, 'Aquela foi a minha voz naquela época'."
A divisão entre as opiniões sobre "Tudo em Todo o Lugar" é absolutamente saudável e natural, mas a principal observação é o quanto gostar ou não do filme se tornou uma questão pessoal. Tenha ou não os méritos para ser eleito melhor filme, o longa representa uma injeção de energia no cinema, com direito a renovação de público como há muito não se via, essencial para tempos de pós-pandemia, estagnação dos blockbusters na ressaca do Universo Cinematográfico Marvel e crise de audiência em cerimônias de premiação. Para o momento, talvez essa voz fale mais alto que outras.
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