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OPINIÃO

'Dom' se reafirma como ficção, mas força da série está no que é verdade

Dom: cena da segunda temporada mostra personagem raspando os cabelos - Fito Shaw/Divulgação/Prime Video
Dom: cena da segunda temporada mostra personagem raspando os cabelos Imagem: Fito Shaw/Divulgação/Prime Video

De Splash, em São Paulo

18/03/2023 04h00

Quando lançada em 2021, "Dom" (Prime Video) chamou atenção pelo retrato da realidade. A série é baseada na história de Pedro Dom, o "bandido gato" que assaltava mansões no Rio de Janeiro no início dos anos 2000.

Pedro Machado Lomba Neto, o Dom, tinha facilidade em adentrar os ambientes que planejava roubar, especialmente por sua aparência — louro de olhos azuis —, mas também por ser originalmente da mesma classe social de suas vítimas.

A primeira temporada da série mostra com maestria como o criminoso se aproveitava dessas características para cometer os assaltos. Outro grande acerto da produção está em mostrar como a dependência química de Pedro foi crucial para ele seguir este caminho.

A série se tornou sucesso fora do Brasil, o que se tornou um peso para a família de Pedro Dom. Erika Grandinetti, irmã mais velha dele, publicou um longo desabafo afirmando que sua mãe não autorizou a exposição da história da família.

Segundo ela, enquanto a série priorizou a relação entre Pedro (Gabriel Leone) e o pai, Victor (Flávio Tolezani), a realidade é que sua mãe, Nídia Sarmento, era quem tentava internar o filho em clínicas de reabilitação.

Na época, o diretor Breno Silveira (1964 - 2022) disse em carta aberta ao elenco que toda história é contada a partir de um ponto de vista, e "Dom" é contada do ponto de vista que chegou até ele.

O relato de Erika gerou discussões sobre quais devem ser os limites das séries baseadas em acontecimentos e pessoas da vida real. De qualquer forma, o pronunciamento dela não deixou de impressionar os espectadores — como assim a história da série era tão diferente da que realmente aconteceu?

Se a linha entre ficção e realidade já havia sido cruzada na primeira temporada, na segunda, ela parece ser ainda mais explorada.

Ao longo dos episódios, acompanhamos Dom em apuros em uma prisão no Espírito Santo. Em entrevista a Splash, Malu Miranda, Head de Originais da Amazon, contou que ele realmente foi preso no ES por um período — e com uma identidade falsa.

Alguns elementos foram acrescentados na história. Na prisão, Dom sofre o assédio de uma mulher trans, que comanda a ala em que ele está preso. Mas, dado todo o contexto de transfobia que enfrentamos, chega a ser difícil de acreditar que isso aconteceria, mesmo na ficção.

No passado, vemos um Victor Dantas desvendando um esquema de tráfico de drogas no Amazonas. Apesar de apresentar algumas nuances tóxicas, ele continua parecendo um cara bem mais simpático do que o retratado por Erika Gradinetti. E a viagem ao Amazonas, realmente aconteceu? Não temos como ter certeza — se aconteceu, ele estava disfarçado — mas fica a dúvida. Nesses momentos, a série perde um pouco da força.

Sem dúvida alguma, a história de Pedro Dom vale série, filme ou qualquer outro conteúdo audiovisual, mas porque se sustenta por si só. A produção não é apenas sobre um rapaz bonito e rico que entrou para o crime, mas sobre todo o contexto que permitiu que isso acontecesse e durasse meses até que acabasse morto.

A parte mais interessante da história está no que é verdade, ou pelo menos no que acreditamos ser. Apesar disso, a cada episódio, o público é lembrado de que "qualquer semelhança entre personagens fictícios e pessoas reais é mera coincidência". Aí não tem graça.