O que o Tetris tem a ver com o declínio da União Soviética?

São sempre quatro blocos coloridos dispostos de formas diferentes, caindo em linha reta para que você os encaixe para completar uma linha horizontal, que prontamente desaparece. O desafio é encaixá-los antes que todo aquele amontoado se acumule e chegue ao topo da tela.

Não é preciso explicar que a descrição acima é de Tetris. Fenômeno universal, o jogo que encanta gerações com sua premissa absurdamente simples está presente nos mais diferentes núcleos e contextos. Febre entre crianças dos anos 90 que carregavam um Game Boy para todos os cantos, ele hoje distrai adultos entediados no transporte público ou em salas de espera de consultórios.

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Apesar disso, o que pouca gente sabe é que existe uma trama que envolve a URSS, o fim do Bloco Comunista e uma corrida internacional envolvendo trambicagem e muito dinheiro pelos direitos do jogo.

É essa a história que o filme "Tetris" se dispõe a contar. Lançado hoje no Apple TV+, o longa é estrelado por Taron Egerton ("Kingsman", "Rocketman"), dirigido por Jon S. Baird (de séries como "I'm Dying Up Here" e "Vinyl") e escrito por Noah Pink ("Genius"). Se você imagina um filme baseado em game aos moldes de "Super Mario Bros." ou "Sonic", engana-se. O que vimos é uma trama corporativa recheada de reviravoltas, perseguições políticas e conspirações.

O que, é claro, não quer dizer nada de ruim sobre o filme — muito pelo contrário. "Tetris" acompanha o desenvolvedor e produtor de jogos Henk Rogers (Egerton), que descobre o Tetris em uma feira de jogos e acredita ter comprado os direitos para plataformas de game e máquinas de fliperama. De origem holandesa, criado nos EUA e com dupla nacionalidade na Indonésia, Henk mora no Japão com a mulher e as filhas. Acreditando no poder de Tetris, ele consegue licenciar o jogo para a Nintendo, que está prestes a lançar o Game Boy.

O que Henk não sabia é que o jogo criado em 1984 pelo engenheiro de software russo Alexey Pajitnov (Nikita Efremov) tinha se tornado um alvo fácil de pirataria, e que ele próprio acabou vítima de um esquema. Na época, havia mais de uma empresa que acreditava deter os direitos do jogo para variados formatos, mas nenhuma delas realmente os possuía.

Foi neste imbróglio que Henk decidiu viajar até Moscou para resolver pessoalmente a questão, pois ele queria os direitos de Tetris para o Game Boy. Em meio a um período político turbulento, com o enfraquecimento do Bloco Comunista (a URSS seria dissolvida em 1991), um estrangeiro tentando comprar um produto nacional tornou-se uma questão séria que envolveu diretamente os órgãos governamentais.

Uma trama de perseguição e espionagem durante a Guerra Fria provavelmente é o que menos se espera de um filme sobre um jogo tão corriqueiro como Tetris. No entanto, o mérito da obra é encarar e abordar todo esse contexto com leveza e dinamismo. Algumas inserções em 8-bit são divertidas, e a estrutura do roteiro como fases de um jogo é esperta, pois mesmo nos momentos em que o filme parece se perder nas caricaturas, é possível perdoar a licença poética como um exagero da forma.

Outra parte do mérito, é claro, é de Egerton, que tem carisma de sobra para encarar essa história e esse personagem com a mistura de seriedade e humor que faz o tempo diante da tela voar. Nada em "Tetris" é o que parecia ser e, ainda assim, é muito melhor do que se poderia imaginar.

Não que seja um filme perfeito, já que mesmo as licenças criativas não são capazes de tornar uma trama de espionagem tão excêntrica a ponto de o filme ser irreconhecível (afinal, histórias do tipo são uma paixão antiga do cinema, e todos nós sabemos qual é a maioria dos possíveis caminhos). Mas há o suficiente para ser um filme cativante e curioso, destacando-se do emaranhado de genéricos sem fôlego que costuma invadir as estreias nesta época do ano.