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Fãs enfrentam fila quilométrica, cantam e se despedem de Rita Lee: 'Rainha'

Ane Cristina, Bruna Calazans e Mariana Rosalles

De Splash, em São Paulo

10/05/2023 07h38

Rita Lee, morta na segunda-feira (8) aos 75 anos, foi velada hoje no Planetário do Parque Ibirapuera, em São Paulo, diante de centenas de fãs que aguardaram em fila quilométrica para dar o último adeus à artista.

No último momento, até um princípio de confusão aconteceu: os seguranças fecharam os portões 10 minutos antes do horário previsto para o velório, até às 17h. Após muito protesto dos fãs, que diziam que "Rita Lee não aprovaria essa atitude", a equipe do Planetário cedeu e liberou a entrada dos últimos que aguardavam.

Rita Lee agora será cremada. Será projetado no teto do Planetário uma representação do céu no dia 31 de dezembro de 1947, dia em que a artista nasceu. A exibição será feita durante a cerimônia privada para família e amigos.

Na reta final, um dos últimos grupos de fãs que conseguiram entrar no Planetário formaram uma roda e cantaram clássicos da cantora. Os gritos apaixonados dizendo "Rita, eu te amo" continuaram durante o trajeto que, nesse final de cerimônia, dura cerca de 15 minutos.

A cantoria emocionou alguns fãs, que não contiveram as lágrimas. Abalados, preferiram não dar entrevistas e entraram no Planetário ao som de "Lança Perfume".

Às 16h, faltando uma hora para o fim do velório aberto ao público, ainda havia uma fila de cerca de um quilômetro de fila. Enquanto aguardavam sob a chuva intermitente, fãs alternavam momentos de silêncio e de cantoria.

A disposição de ir ao parque para poder prestar homenagem à Rita vem da identificação com tudo que a cantora representou para seus fãs, que vão de idosos a pessoas décadas mais novas do que muitos dos hits da artista.

Rita me ensinou foi a me amar. Mesmo que outros te chamem de louca, você é perfeita como você é. Eu cresci sendo forte por causa da Rita, das músicas dela, que falavam sobre rebeldia e sobre amar a si e aos outros Luiza de Moraes, jornalista

Rita Lee era a minha rainha, a minha majestade. Eu sou o que sou graças a ela Soraia Abras, costureira

"Ela era revolucionária, contestadora, politizada. Ela representa muita coisa para a arte e cultura brasileira", emenda o funcionário público Luís Felício. "O mais importante da Rita para mim é a luta incessante contra a caretice. Eu ouvia, dançava, ouvi com meus filhos, ouvi com meu amor", relembra a arquiteta e ceramista Viviane, que não informou seu sobrenome à reportagem.


São pessoas se sentem íntimas mesmo conhecendo Rita Lee apenas pela sua obra, seja dos muitos shows da carreira da artista, como os mais velhos, seja até de esbarrarem com as suas canções em redes sociais e aplicativos, como os mais jovens "Confesso que ainda estou um pouco apática. Pensei que ela iria ser eterna. E acho que de um jeito ou de outro, ela vai ser", afirma Ana da Hora, de 25 anos, que conta ter conhecido a cantora através de vídeos antigos e músicas no Spotify. Rita Lee não fazia shows desde 2012.

Abalados, os familiares foram consolados pelos muitos amigos que a cantora fez ao longo da carreira. João Lee e Beto Lee, filhos da cantora, chegaram por volta de 11h no Planetário. Impressionantemente parecida com Rita, a irmã Virgínia Lee era uma das mais emocionadas.

Os apresentadores Pedro Bial, Serginho Groisman, Astrid Fontenelle, Daniella Cicarelli e Luísa Mell (com quem Rita dividia o amor pela causa animal), os cantores Tom Zé Marina Lima, Maria Rita, Wanessa Camargo e Paula Lima, a ex-chacrete Rita Cadillac e a guitarrista Lucinha Turnbull são alguns dos presentes.

Houve até quem fosse ser exatamente convidado. Apesar de Rita ter dito que não queria políticos em seu velório, Eduardo Suplicy apelou para a relação pessoal com a cantora para justificar a presença. "Eu sei que está escrito no último livro dela que não venham políticos ao velório dela, porque é capaz até de ela se levantar do caixão e xingar os políticos. Mas quando ela lançou o último livro biográfico, eu fui ao lançamento e ela me deu um abraço de muita amizade", justificou o deputado estadual ao SP1, da Globo.

Mas a maior comoção mesmo foi com a chegada de Xuxa. "Acho que nada vale a pena ser falado agora. Foi bom tudo o que ela ouviu de muita gente que amava ela, e eu fui uma dessas pessoas", disse a rainha dos baixinhos.

Acompanhada pelo marido Junno Andrade, a apresentadora foi até o caixão de Rita Lee junto com Guilherme Samora, amigo e biógrafo da artista. Foi ele também quem explicou o porquê da despedida ter sido no Planetário do Ibirapuera.

"Ela vinha aqui nos anos 1950 com a mãe. Quando reabriu, ela disse que queria voltar aqui no Planetário, mas não conseguimos trazer. Mas voltamos hoje", contou o escritor aos jornalistas. Rita Lee tinha o plano de visitar o espaço no Ibirapuera desde que ele foi reaberto após uma obra, em 2021.

No comunicado oficial, a família afirma que Rita Lee morreu nesta segunda-feira (8) em sua casa, em São Paulo, "cercada de todo o amor da família, como sempre desejou". Rita Lee deixa o marido, Roberto de Carvalho, os três filhos, Beto, João e Antônio, e dois netos.

Famosos prestam última homenagem à Rita Lee:

Serginho Groisman celebrou ter conseguido fazer o tributo para Rita no Altas Horas (Globo) com ela ainda em vida. "Quando fizemos a homenagem, eu fiquei sabendo o que realmente estava acontecendo. Então ainda bem que ela teve esse momento", disse. "Ela soube viver e soube também nos deixar. Foi uma pessoa que sempre quis deixar todo mundo confortável em vida, e agora também."

Pedro Bial sobre como Rita 'coreografou' sua despedida: "Hoje seria um dia mais difícil se a Rita não tivesse facilitado o nosso caminho a partir dela. "Assim como a coragem que ela teve para enfrentar a vida, ela teve para encontrar a morte", completou.

Mais homenagens

Na entrada do Planetário, onde o corpo de Rita Lee está sendo velado, fileiras com coroas de flores foram colocadas. Ela recebeu mensagens de famosos, fãs e amigos. O bloco carnavalesco Ritaleena, por exemplo, que foi criado em homenagem à cantora, mandou uma coroa com a frase: "Pra você, todos os anéis de Saturno".

Marina Ruy Barbosa, Boninho e Jorge Ben Jor são alguns dos famosos que enviaram coroas para a cerimônia de Rita.

'Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa'

Em sua autobiografia, "Rita Lee: Uma Autobiografia", da Editora Globo, Rita contou como imaginava que o mundo lidaria com sua morte.

A artista afirmou já ter escolhido qual a frase que gostaria que estivesse em seu epitáfio: "Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa."

Na obra, discorreu sobre as reações ao anúncio de sua partida.

"Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta", escreveu. "Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída."

No livro, Rita ainda falou sobre a reação daqueles que a amam. "Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão 'Ovelha Negra', as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair."

"Nas redes virtuais, alguns dirão: 'Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk'. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando minha autoharp e cantando para Deus: 'Thank you Lord, finally sedated' ('Obrigada, Deus, finalmente sedada', em tradução livre para o português)."

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