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'Superman Lives': por que filme com Nicolas Cage não deu certo?

Nicolas Cage com o traje do Homem de Aço - Divulgação
Nicolas Cage com o traje do Homem de Aço Imagem: Divulgação

Mariana Assumpção

Da Ingresso.com

29/05/2023 04h00Atualizada em 29/05/2023 14h57

Em breve veremos Nicolas Cage como Superman nos cinemas, como anunciou o diretor de "The Flash", Andy Muschietti, em recente entrevista à Esquire. Os detalhes não foram revelados, mas Muschietti antecipou que será apenas uma participação especial.

De todo modo, o diretor vibrou pela oportunidade de finalmente colocar Cage no papel do Homem de Aço, o que por pouco não aconteceu 25 anos atrás.

Cage daria vida ao kryptoniano num filme de 1998, chamado "Superman Lives". Dirigido por Tim Burton, que havia arrecadado mais de meio bilhão de dólares com "Batman" (1989) e "Batman: O Retorno" (1992), a nova empreitada quadrinesca, em teoria, tinha tudo para dar certo.

O ator acabara de ganhar um Oscar por seu trabalho em "Despedida em Las Vegas" (1995), e Burton era um dos jovens diretores mais disputados de Hollywood. Com uma dupla de peso encabeçando o projeto, afinal, por que "Superman Lives" nunca saiu do papel?

Um recomeço para o Superman

De acordo com Kevin Smith, um dos roteiristas de "Superman Lives", o filme foi pensado para reiniciar a história e a imagem do Homem de Aço nos cinemas. O obsoleto pega-rapaz, que marcava o visual de Christopher Reeve nos antigos filmes do personagem, assim como seu traje datado, estavam com os dias contados.

Além de Cage e Burton, que acabaram entrando no projeto algum tempo depois, o produtor Jon Peters foi quem começou a sonhar com a realização de "Superman Lives".

Peters já havia feito dezenas de filmes para a Polygram, e chegou a presidir a Sony. Quando deixou o cargo, ele e a Warner Bros. entraram num acordo sobre o futuro do super-herói - em uma manobra perspicaz, Peters encontrou uma brecha e adquiriu os direitos do personagem, antes que o estúdio pudesse renovar o contrato.

O produtor já havia trabalhado na função na dupla de filmes do Batman, estrelados por Michael Keaton. Disposto a trazer os super-heróis para as telonas de forma inovadora e disruptiva, ele novamente se uniu a Burton para tirar seu sonho do papel.

Um super-herói emo e caladão

Nicolas Cage em teste - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Declaradamente excêntrico, Tim Burton sempre comentou que, durante sua infância e juventude, sentia-se deslocado na maior parte do tempo.

Em alguns de seus trabalhos mais importantes, como "Os Fantasmas se Divertem" (1988), "Edward Mãos de Tesoura" (1990) e "O Estranho Mundo de Jack" (1993), os "outsiders" - ou excluídos, no bom português -, sempre tiveram destaque. É como se, a cada filme, o cineasta projetasse a sua vivência nos personagens, que chamavam a atenção por suas personalidades únicas e peculiares.

Seguindo a tendência de sua filmografia, o Kal-El de Nicolas Cage estaria longe de ostentar uma beleza padrão e o jeito "certinho" dos antigos intérpretes de Clark Kent. Em entrevista recente à Variety, Cage afirmou que seu Superman teria "um ar emo":

"Ele era mais um Superman dos anos 1980 com um cabelo longo e preto, estilo samurai. Achei que seria um Superman realmente diferente, com um ar emo, mas nunca chegamos lá", disse Cage.

A equipe, então, tinha a intenção de humanizar o Superman, e fazer com que ele demonstrasse sua força e vulnerabilidade na mesma medida. Sua natureza alienígena, além de conceder os superpoderes, faria dele um indivíduo renegado, à margem da sociedade que conhecemos.

Aranhas gigantes, um novo roteiro e desavenças criativas

Com a personalidade do protagonista moldada, era preciso dar continuidade à construção dos demais personagens e da história. O roteiro de Kevin Smith, inspirado nos quadrinhos "A Morte do Superman", desagradou Burton por ser fiel demais ao material de origem - ele, realmente, queria algo inovador.

Burton e sua equipe desenvolveram inúmeros rascunhos dos vilões e do planeta Krypton, cuja dinâmica seria bastante explorada no longa. Apocalypse e Brainiac foram cogitados como os principais antagonistas do filme que, esteticamente, fazia de tudo para se afastar dos quadrinhos que o basearam.

Foi então que Wesley Strick, que já tinha ajudado Burton a lapidar o roteiro de "Batman: O Retorno", entrou na jogada. No documentário "The Death of 'Superman Lives': What Happened?", o roteirista cita diversas divergências criativas entre Tim e Jon Peters.

De acordo com Strick, o produtor tinha muitas ideias com as quais Burton não concordava. Ele queria que o Superman lutasse kung fu em cena, e cismou que um dos vilões deveria se parecer com uma aranha gigante.

A equipe do filme relatou que, certa vez, Peters deu uma chave de braço em Rick Heinrichs, diretor de arte, durante uma reunião. Segundo eles, o produtor gostava de aplicar golpes de jiu-jitsu em quem trabalhava com ele, uma prática pouco ortodoxa e, digamos, abusiva.

Wesley Strick conta que Burton decidiu gravar seu Batman em Londres, justamente para ficar fisicamente distante de Peters, que produziu o filme dos Estados Unidos. As diferenças entre a dupla se mantiveram no projeto de "Superman Lives", e os ruídos pareciam um prenúncio do fracasso que estava por vir.

Novos trajes, o teste de câmera e o fim de um sonho

Uma das maiores mudanças visuais propostas por Burton e sua equipe era a transformação completa do traje do Superman. O vermelho e azul clássicos, pelos quais o super-herói é facilmente identificado, dariam lugar a outras muitas versões nas telas.

A equipe chegou a produzir protótipos de um uniforme cinza, outro repleto de leds e inúmeras inovações. Representantes da 3M, empresa norte-americana conhecida por desenvolver materiais de tecnologia avançada, visitavam os estúdios periodicamente, para oferecer novas alternativas para fabricação dos trajes.

Muitas imagens de membros da equipe e do próprio Nicolas Cage experimentando os figurinos circulam pela internet, e são o que temos de mais palpável sobre "Superman Lives", que foi cancelado no dia em que o ator fez um teste de câmera.

Apenas três semanas antes de as filmagens serem iniciadas, projeto que já havia abocanhado cerca de US$ 12 milhões para cobrir os gastos de pré-produção, a Warner Bros. decidiu abortar seu desenvolvimento.

Segundo Jon Peters, o estúdio estava receoso sobre a criatividade excessiva aplicada no filme, e como o público reagiria a um Superman tão diferente do habitual. O lançamento de "Marte Ataca" (1996), também dirigido por Tim Burton, e seu desempenho abaixo do esperado nas bilheterias, contribuiu para que os executivos desistissem de lançar "Superman Lives".

Joel Schumacher e sua direção em "Batman: Eternamente" (1995) e "Batman e Robin" (1997), no qual o Homem-Morcego de George Clooney ostentava salientes (e polêmicos) mamilos em sua armadura, ajudaram a Warner a repensar um novo lançamento focado nos quadrinhos.

Acredita-se que o orçamento originalmente dedicado a "Superman Lives" tenha sido transferido para "As Loucas Aventuras de James West" (1999), um faroeste reimaginado, estrelado por Will Smith.

Lembram-se da aranha gigante, pela qual Jon Peters era aficionado durante a pré-produção do filme do Homem de Aço? Pois bem, o produtor fez questão de tirar a ideia do papel, e ela ganhou vida por meio do vilão Dr. Miguelito Loveless Quixote, interpretado por Kenneth Branagh na aventura cômica.

No fim das contas, a Warner Bros. não parece ter feito uma escolha inteligente: "As Loucas Aventuras de James West" custou US$ 170 milhões e arrecadou pouco mais de US$ 200 milhões mundialmente - uma bilheteria indigna das expectativas do estúdio.

Nicolas Cage com o uniforme de Superman no longa "Superman Lives" de Tim Burton, 1996, que nunca saiu do papel - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

É claro que, sem "Superman Lives" filmado, jamais poderemos dizer como o público teria reagido ao produto finalizado. Até hoje, mais de 25 anos após o início do projeto, o filme ainda movimenta teorias e expectativas por parte dos fãs.

No documentário dedicado a revelar os segredos da produção, Tim Burton foi questionado sobre a vontade de, mesmo depois de décadas, enfim produzir "Superman Lives":

"Por que você quer me deprimir tanto? Tem algum cianeto por aqui, ou algo que eu possa tomar? Visite-me quando eu estiver com uns 90 anos, e eu estarei aqui dizendo: "Eu ainda vou fazer isso, eu vou fazer isso'", divertiu-se o cineasta, sobre a possibilidade.

Será que ainda há esperança de assistirmos ao filme cancelado do Superman nas telonas? Só o tempo vai dizer.