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'Fonte da vida': como Zé Celso explicava uso da nudez em suas peças

Zé Celso  - CARLA DE SOUZA/STF
Zé Celso Imagem: CARLA DE SOUZA/STF

Colaboração para Splash

06/07/2023 13h55

O dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, que morreu nesta quinta-feira (6) após ficar ferido em um incêndio, é considerado um dos diretores de teatro mais revolucionários do Brasil.

Para ele, que já teve sua postura no palco questionada por pessoas que o consideravam radical ou extravagante demais, a nudez, por exemplo, tinha "a mesma inspiração do retorno à fonte da vida". Em entrevista de 2010 ao site D24am, ele refletiu sobre a resistência de alguns a esse tipo de expressão nos palcos.

A inspiração da nudez é a mesma do retorno à fonte da vida, ao amor, ao fazer amor, ao tomar banho, ao nosso nascimento. Quem tem medo das partes que nos deram a vida são burros, otários, cegos, dominados

Já em 2015, durante uma sessão de fotos, ele voltou a falar sobre o tema com naturalidade e brincou: "Hoje não quero ficar pelado, já fiquei muito sem roupa na vida."

Dez anos antes, em 2005, uma de suas peças foi criticada na Alemanha justamente pela nudez. A versão teatral de "Os Sertões" causou polêmica quando foi encenada em Berlim e a imprensa alemã rotulou a adaptação para o palco do romance de Euclides da Cunha como "teatro pornô".

O tabloide alemão Bild acusou a produção do Teatro Oficina até mesmo de envolver menores de idade em cenas simulação de sexo oral e estupros. À BBC, o teatro Volksbühne, que recebeu a peça na capital alemã, afirmou que as acusações não passavam de difamação.

"Os menores de idade não participam das partes em que há cenas de sexo", explicou na ocasião a porta-voz Silvia Fehrmann.

Aproximadamente 25 alunos de escolas de Berlim fizeram parte do espetáculo. Ainda de acordo com a BBC, todos eles tinham autorizações por escrito dos pais e diretores dos colégios em que estudavam.

"Quando me falaram do escândalo que o espetáculo estaria provocando, eu me senti como se estivesse em Ribeirão Preto", brincou Marcelo Drummond, marido de Zé Celso e um dos protagonistas da peça, em entrevista à publicação na época.

Zé Celso: criador do Teatro Oficina revolucionou as artes cênicas

Resistência

A história do Teatro Oficina é marcada pela resistência. Em 1966, a sede do Teatro Oficina pegou fogo em São Paulo. Na ocasião, Zé atribuiu o incêndio a um golpe de militares que perseguiam o grupo desde 1964.

No auge da ditadura militar brasileira, em 1968, alguns membros abandonaram o grupo Oficina ou foram obrigados a se exilar. Em 1974, Zé Celso foi um dos nomes a serem presos. Ele se exilou em Portugal, onde conseguiu gravar o filme "O Parto". Sua volta para São Paulo aconteceu em 1978.

Com o gradual restabelecimento da democracia no Brasil, o Teatro Oficina empenhou-se em reabrir e reconstruir seu espaço, seguindo um audacioso projeto arquitetônico concebido por Lina Bo Bardi. Já em 1993, o grupo renasceu como Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona e entrou em uma fase altamente produtiva, culminando justamente na emocionante encenação da obra-prima do romance jornalístico de Euclides da Cunha, "Os Sertões".

Desde então, o Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona tem se destacado como um centro cultural vibrante e provocador, explorando novas abordagens artísticas e desafiando os limites convencionais das artes cênicas. Sua trajetória pós-ditadura reflete a resiliência e a determinação em preservar a liberdade de expressão e promover o diálogo social por meio da arte.

Morre Zé Celso

Morreu hoje, dia 6 de julho, o dramaturgo José Celso Martinez, o Zé Celso, aos 86 anos. A informação foi confirmada por Splash pela assessoria e também nas redes oficias do Teatro Oficina.

O dramaturgo estava internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, após ter 53% do corpo queimado em um incêndio em seu apartamento. Após ser encaminhado para a UTI do hospital, Zé Celso foi sedado, entubado e, posteriormente, submetido à hemodiálise.

A principal suspeita é que o incêndio tenha ocorrido por um aquecedor elétrico na madrugada de 4 de julho. As chamas do fogo teriam se alastrado por peças de roupas, livros e outros objetos do apartamento do dramaturgo, localizado no Paraíso, na zona sul da capital paulista.