Topo

Por que o Brasil não ganha o Miss Universo desde 1968?

A brasileira Martha Vasconcellos venceu o Miss Universo 1968, realizado em Miami, nos EUA. Foi a segunda brasileira a conquistar a coroa - Miss Universo/Divulgação
A brasileira Martha Vasconcellos venceu o Miss Universo 1968, realizado em Miami, nos EUA. Foi a segunda brasileira a conquistar a coroa Imagem: Miss Universo/Divulgação

Colaboração para Splash, em São Paulo

08/07/2023 04h00Atualizada em 08/07/2023 18h40

Hoje, o Miss Universo Brasil realiza sua 69ª edição em São Paulo com 27 mulheres, incluindo três mães pela primeira vez na história após mudança no Miss Universo. Elas disputam uma vaga no concurso internacional. A vencedora vai em busca de quebrar o jejum de 55 anos sem coroa do Brasil.

A última vitória foi com a baiana Martha Vasconcellos, em 1968 com seus recém completados 20 anos. Ela comemora o 55º aniversário do seu título na próxima quinta-feira, 13 de julho. Com tantos anos de jejum, será que existe algum segredo para vencer?

Splash até fez contato com a última Miss Universo brasileira para fazer essa e outras perguntas, mas ela disse estar afastada dos holofotes. "Meu tempo já passou", declarou Vasconcellos com humor.

Já nossa primeira Miss Universo, Ieda Maria Vargas, relembra como era o concurso na sua época, nos anos de ouro do Brasil na década de 60 com as melhores classificações e as duas únicas vitórias do país (a sua, em 1963, e a da Martha, em 1968):

1 - Divulgação - Divulgação
Ieda Maria Vargas (1963) e Martha Vasconcellos (1968) foram as únicas brasileiras a conquistar a coroa
Imagem: Divulgação

"O Miss Universo parecia um jogo de futebol entre seleções, é uma torcida incrível, vi isso muito na minha chegada ao Brasil depois de vencer o concurso, e, é claro, em Porto Alegre, [que] foi uma recepção fantástica", recorda a Miss Universo 1963.

Eu sempre imagino um detalhe que me ajudou muito a vencer: a minha roupa de gaúcha, todas as concorrentes anteriores iam, por exemplo, de baiana. Resolvi mudar, exatamente para homenagear a minha terra. Eu gosto de pensar assim, mas eu sei que não foi [necessariamente isso]. Como disse, é sempre um conjunto de fatores, Ieda Maria Vargas Athanásio, Miss Brasil e Miss Universo 1963

Dada voz às nossas soberanas universais, a reportagem de Splash foi em busca de misses e especialistas em concursos de beleza, os chamados missólogos, para então responder a seguinte questão:

Por que o Brasil não vence desde 1968?

Segundo eles, seriam diversos os fatores que apontam o fracasso de vitórias desde a década de 60, desde sorte até modernização com utilização de procedimentos estéticos e também questões como transmissão do Miss Universo na televisão. As duas últimas edições não foram transmitidas no Brasil, nem pela TV paga.

1 - Reprodução/ Instagram @macedobahia - Reprodução/ Instagram @macedobahia
Roberto Macedo é biógrafo de Martha Vasconcellos, a Miss Brasil e Miss Universo 1963
Imagem: Reprodução/ Instagram @macedobahia

O jornalista e missólogo Roberto Macedo dá seu palpite sobre as não-vitórias das brasileiras: "Creio que [não ganham] simplesmente por falta de sorte. [...] Antes as garotas eram completamente naturais, sem cirurgias ou implantes. Imagine que Martha Vasconcellos em menos de um mês se tornou Miss Bahia, Miss Brasil e Miss Universo, sem as cirurgias de hoje, sem o botox ou os cursos de passarela e maquiagem. Antes havia mais poesia, mais lirismo. Hoje as misses são profissionais. Se antes elas queriam se casar, hoje elas querem oportunidades no mercado de trabalho".

1 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Marthina Brandt, diretora do Miss Universo Brasil e Miss Brasil 2015
Imagem: Reprodução/Instagram

Marthina Brandt, diretora do Miss Brasil e Top 15 no Miss Universo 2015, diz que nunca saberemos ao certo os motivos de algumas candidatas estarem no top e continuarem na corrida pela coroa e outras não: "Mas afirmo com 100% de certeza que as que estão no top é porque se dedicam incansavelmente até o último momento. Se entregam e vivem o processo. Ser Miss é dedicação e estratégia".

Questão difícil. "É muito complicado responder porque não vence. Talvez seja uma falta de sorte em alguns momentos, em outros como nos anos 90 porque a organização no Brasil esteve muito em baixa. A internet não existia e não havia nenhum tipo de transmissão ou interesse da mídia. Foi o tempo mais difícil dos concursos de beleza no Brasil", declara Henrique Fontes, diretor do CNB (Concurso Nacional de Beleza) e editor-chefe do site Global Beauties.

Motivos técnicos: "A não classificação das brasileiras ou da brasileira no último ano está mais atrelada a questões técnicas como projeção, passarela, enfim, do que a não transmissão. A mulher mudou e o perfil da miss também precisa mudar. No entanto, é impossível prever quem vai vencer", explica Elaine Cristina Souza, CEO do Concurso Belezas do Brasil.

1 - Reprodução/ Revista Manchete/ Instagram @ieda_maria_vargas_oficial - Reprodução/ Revista Manchete/ Instagram @ieda_maria_vargas_oficial
Ieda Maria Vargas foi eleita Miss Universo 1963 aos 18 anos; hoje ela tem 78 e vive em Gramado (RS)
Imagem: Reprodução/ Revista Manchete/ Instagram @ieda_maria_vargas_oficial

A primeira brasileira Miss Universo não arrisca responder a pergunta, mas cita dois nomes que, segundo ela, deveriam ter vencido: "É uma boa pergunta que eu não sei te responder. Sei que em pelo menos dois concursos a brasileira deveria ter ganho, Julia Gama em 2020 e Natalia Guimarães em 2007, sem sombra de dúvida".

Não sei se a transmissão de TV, a organização nacional ou influência política determinam uma classificação. Lembro que em 1998, em Honolulu (eu estava lá), a nossa representante Michela Marchi era a grande favorita para vencer. Na hora do top 10 voltar ao palco, ela ouviu de um funcionário do Miss Universo: 'que pena, Brasil, no seu país não transmitem o concurso'. Michela não avançou para o top 5, ficou em 6º lugar. Creio que o determinante para uma classificação são esses três fatores citados acima, aliados à beleza, simpatia e carisma da candidata, Roberto Macedo, jornalista responsável pelo site Miss News

O que falta para o Brasil?

1 - Benjamin Askinas/Divulgação - Benjamin Askinas/Divulgação
A Miss Brasil Mia Mamede desfila com traje de gala na preliminar do Miss Universo 2022
Imagem: Benjamin Askinas/Divulgação

Talvez não falte necessariamente algo expressivo para a brasileira. Mia Mamede, Miss Universo Brasil 2022 que vai passar a coroa nesta noite, disse que estar no Miss Universo amplificou sua voz e a ajudou a entender onde é seu lugar no mundo. Ela também falou que conseguiu extrair o que levou a americana R'Bonney Nola a vencer:

1 - BENJAMIN ASKINAS/ Miss Universe Organization/ Divulgação - BENJAMIN ASKINAS/ Miss Universe Organization/ Divulgação
R'Bonney Nola Gabriel, dos EUA, é coroada Miss Universo 2022
Imagem: BENJAMIN ASKINAS/ Miss Universe Organization/ Divulgação

"Você vê que ela é uma mulher com uma missão muito forte e clara. Ela fala com muita clareza sobre a importância da moda sustentável, sua missão. Acredito que esse é um dos principais atributos para conquistar a coroa de Miss Brasil e Miss Universo", acredita Mia.

Elaine Cristina cita exatamente a Miss Universo 2022 R'Bonney Nola como referência: "Ela é estilista e na oficina de costura dela ela emprega mulheres refugiadas. Isso é ser uma líder, porque a líder comunica no outro a liderança que ela tem. Ela inspira outras pessoas, deu oportunidade a outras mulheres e não fazendo assistencialismo".

1 - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Miss Brasil de 1986, Deise Nunes foi a primeira negra eleita na história do concurso no país
Imagem: Reprodução/Facebook

Deise Nunes, a primeira Miss Brasil negra, vê essa questão com mais questionamento: "Sinceramente, não sei dizer o que está faltando para o ganhar novamente o título de Miss Universo. Antigamente as pessoas diziam 'ah, miss tem que falar fluentemente inglês'. A Julia Gama falava quatro idiomas e ficou como vice. Eu gostaria de saber o que falta. Será que é uma influência maior? É uma pergunta que sempre me faço".

1 - Reprodução/ Instagram @elainecrsouzah - Reprodução/ Instagram @elainecrsouzah
Elaine Cristina, responsável pelo Concurso Belezas do Brasil, cercada pelas misses de sua franquia Hosana Gomes, Nathalia dos Prazeres e Raissa Fortes
Imagem: Reprodução/ Instagram @elainecrsouzah

A professora Elaine Cristina é direta e diz que falta nas brasileiras a visão do que é ser miss e liderar: "Os concursos de beleza buscam líderes em sua maioria. Como o próprio Miss Universo diz, eles buscam líderes transformacionais, uma líder que inspira".

As misses no Brasil acham que liderar é fazer caridade. Não existe um projeto de liderança para a miss brasileira, porque elas não têm essa noção de liderança. Elas pensam em projeto social e quando pensam, [tendem a fazer] algo que não é genuíno. Vão lá, faz foto com crianças ou pessoas em situação de vulnerabilidade, distribui cesta básica, alimentos. Acaba o reinado e não aparece mais porque não é genuíno. É muito fácil a gente perceber isso na entrevista, afirma Elaine Cristina, responsável pelo Concurso Belezas do Brasil

O nosso calcanhar de Aquiles

De acordo com os entrevistados, há dois fatores principais que impedem uma vitória brasileira no Miss Universo. O primeiro deles seria a falta da cultura de acompanhar esses concursos, como ocorre em outros países latinos, asiáticos e nos EUA.

"Cultura é costume. As meninas de hoje não querem ser misses porque não existe uma grande divulgação do que é ser miss. As pessoas ainda acham que misses são mulheres 'burras', vazias, idiotas e que estão ali competindo pra ver quem é a mais bonita, quando na verdade a miss é uma representante", ressalta Elaine.

Ela vai além: "Miss não é emprego, mas é trabalho, é preciso trabalhar muito. As misses brasileiras ainda não tocaram nisso. Contratam a professora de passarela do momento, a maquiadora do momento, fazem a passarela da última vencedora e se esquecem que são empresas, são negócios".

Assinatura de contrato, como ocorre em empresas de fato. Neste ano, além da preparação para o Miss Universo e uma viagem nacional e internacional, a vencedora do Miss Brasil vai ganhar um contrato de R$ 150 mil. Isso é o equivalente a um salário mensal de R$ 12,5 mil por 12 meses.

1 - Reprodução/ Instagram @hffontes - Reprodução/ Instagram @hffontes
Foto de arquivo de Anuska Prado, Miss Brasil Mundo 1996, o diretor do CNB Henrique Fontes, e Renata Fan, Miss Universo Brasil 1999
Imagem: Reprodução/ Instagram @hffontes

Já o segundo motivo seria a dificuldade de comunicabilidade para além de dominar um segundo idioma como o inglês. Representantes dos EUA e da Índia costumam se sair bem neste quesito não apenas no Miss Universo, mas também em outros concursos como o Miss Mundo: "A comunicação é o calcanhar de Aquiles das misses brasileiras e que elas ficam aquém de misses de outros países", afirma Fontes, responsável pelo Miss Mundo Brasil.

Pegar um microfone em qualquer circunstância e além de saber se comunicar, ter muito conteúdo, muito conhecimento do que está acontecendo no país dela e no mundo. Isso acho que ainda falta a brasileira. Se me perguntasse por dedução, eu diria que esse é um dos problemas mais graves. Não é que falta inteligência, mas ainda falta [esse plus], finaliza Henrique Fontes

O Miss Universo Brasil 2023

Saiba quem são as 27 candidatas do Miss Universo Brasil 2023