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De Neymar a Cid Moreira: casos polêmicos do advogado que persegue famosos

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

10/07/2023 04h00

Por trás do 1,65 m de Francisco Angelo Carbone Sobrinho, 72 anos, há quase duas décadas de histórias escandalosas e ações milionárias envolvendo celebridades. O advogado já processou Neymar, Jojo Todynho, Cid Moreira, Lima Duarte e tantos outros na Justiça.

Em comum, os casos deste "Caçador de Famosos" costumam ter ampla cobertura da imprensa e utilização de métodos jurídicos considerados pouco convencionais, o que lhe rendeu cartaz —e incontáveis desafetos. O expediente de Carbone é trazer acusações graves contra as celebridades, pedindo apuração das autoridades.

Para quem está do lado oposto do ringue da Justiça, ele pratica o chamado "vale-tudo". Já foi comparado a Saul Goodman, o advogado controverso e midiático das séries "Breaking Bad" e "Better Call Saul", disposto a esticar as cordas dos limites legais para atingir objetivos.

"Esse advogado me assusta. Faz textos sem pés nem cabeça, sem provas. Coisas que não têm continuidade ou lógica. Coisa de louco", diz uma das pessoas processadas. Nenhum dos famosos envolvidos, no entanto, quis falar à reportagem sobre Carbone e os processos.

Dono de um raciocínio original e incomum, muitas vezes disperso e confuso, ele não se considera fora da curva. Afirma estar mais para um "paladino" do cidadão comum. Celebridades para ele são como uma casta que precisa ser rompida.

"Minha obrigação é passar [a denúncia] para o Ministério Público. O que eu quero é a apuração", diz ele ao UOL, em seu escritório no centro de SP. Ao fundo, um retrato de Carbone desenhado a lápis enfeita a parede.

Angelo Carbone - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Angelo Carbone posa para o UOL em seu escritório em São Paulo
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Como ele começou a caçar famosos

O advogado entrou para o mundo das celebridades em 2005, quando uma mulher procurou o escritório que ocupa há mais de 30 anos para denunciar o então marido por violência doméstica. Seu nome era Sandra, e o acusado era o cantor e político Netinho de Paula.

Carbone aceitou o caso. Segundo ele, sua mãe apanhava do pai, e isso foi um dos motivos que o levaram a cursar direito.

"Netinho chegou de madrugada, a arrastou 300 metros pela rua, a agrediu. Quando ela pediu socorro, veio até aqui com a roupa do corpo. Tirou uma foto agredida nessa cadeira. Depois, ela desistiu", conta.

O processo correu sob segredo de Justiça. Na época, a imprensa noticiou que Sandra destituiu Carbone e desistiu da acusação, sem explicar os motivos.

Não é fácil fazer o que eu faço, mas eu vou lá e faço. E muitas vezes nem cobro. Angelo Carbone

O assalto de Neymar e o "Sr. Laranjo"

Em junho de 2020 um áudio de Whatsapp enviado por Neymar a seus amigos veio a público. Nele, o jogador de futebol proferia ofensas homofóbicas direcionadas a Tiago Ramos, então namorado de sua mãe, Nadine Santos.

Um dos parças sugeria empalar Tiago com um cabo de vassoura.

O caso foi parar na Justiça. O ativista Agripino Magalhães Júnior, representado por Angelo Carbone, entrou com um processo exigindo reparação pelas ofensas à população LGBTQIA+.

Um ano depois, em 2021, o que começou como uma simples ação cível cobrando indenização virou uma bola de neve na Justiça Criminal.

Retrato do advogado Angelo Carbone - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Retrato do advogado Angelo Carbone
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Carbone e Agripino acionaram o Ministério Público dizendo que o ativista havia sido procurado por um homem identificado como "Sr. Laranjo", oferecendo dinheiro para que desistisse de processar Neymar e fazendo ameaças de morte. O inquérito ainda está em aberto, e a Justiça já negou medidas protetivas ao ativista.

Segundo Carbone, as provas das ameaças, entretanto, estariam desaparecidas após o roubo do celular de Agripino, em um assalto orquestrado pelo próprio "Laranjo" e Neymar.

"Lembra da menina lá que teria sido agredida, estuprada na França? Lembra que sumiu um notebook, ou tablet?" pergunta Carbone, quando questionado sobre provas do assalto. Ele faz referência a Najila Trindade, que acusou Neymar de estupro em 2019.

Durante as investigações do caso, que acabou arquivado, Najila e seus advogados reportaram o roubo de um tablet que conteria provas.

"Sr. Laranjo" é, na verdade, a forma como todas as peças protocoladas por Carbone e Agripino se referem a Davi Tangerino, advogado que representou Neymar em vários processos.

Confrontado na própria ação sobre o uso do termo jocoso, Carbone chegou a mudar a nomenclatura utilizada para "Senhor Mexerico". Tangerino é conhecido na comunidade jurídica. Já atuou como assessor do Supremo Tribunal Federal e é professor da Fundação Getúlio Vargas.

Procurado pela reportagem, ele não quis comentar o episódio.


Jojo Todynho e facções criminosas

No começo deste ano, uma briga judicial entre Jojo Todynho e seu ex-marido Lucas Souza ganhou as manchetes dos sites de fofocas. Lucas disse ter sido ameaçado de morte pela funkeira e que ela teria ligações com facções criminosas no Rio.

Na ação, pedia a prisão domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica.

"É LGBT esse moço. Ele veio aqui pelo Agripino e contou tudo isso. Ele assina a procuração, não é só a procuração, é a petição também. Essa moça estava ameaçando ele de morte. Segundo ele, ela dançava aquela dança lá em lugar que vende droga, faz show, e essas pessoas iam matar ele. Ele tinha medo de morrer", diz Carbone.

Retrato do advogado Angelo Carbone - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Com a ação em andamento, Lucas mudou sua versão e passou a afirmar que não tinha dito nada daquilo e que as acusações teriam sido feitas por Carbone por conta própria. Ele, que não quis comentar o assunto ao UOL, destituiu o advogado e hoje é alvo de processo por não pagamento de honorários.

Ele ficou do lado enquanto fazia a petição. Fez tudo. Passou um tempo, ele me ligou desesperado, para tirar essa parte. Eu não podia. Está escrito. Está no MP. Vai explicar para o promotor. A impressão que ficou é que ele sofreu uma ameaça séria. Angelo Carbone

A briga acabou desmembrada em três processos judiciais, todos ainda em andamento e não julgados. A ação de Lucas contra Jojo continua em aberto, na Justiça do Paraná. Jojo está processando Lucas de volta, e o caso corre na Justiça do Rio.

Caso Cid Moreira

Carbone também representa os filhos de Cid Moreira, Rodrigo e Roger, em ações que movem contra o pai.

Eles tentam interditar o apresentador e acusam sua esposa, Fátima Moreira, de maus-tratos e de se aproveitar de uma suposta senilidade para se apropriar do patrimônio.

Entre as acusações estão cárcere privado, agressões e alimentação com comida estragada —tudo negado por Cid.

"São dois processos, um pedindo a interdição, outro a indenização por falta de amor. A mulher dele tem uma diferença de idade grande. Começou a repassar os vencimentos para a irmã", diz Carbone.

A gente indiretamente salvou ele. Ela passou a dar comida direito, voltou com os tratamentos, levantou o sujeito Angelo Carbone

Em contato com a reportagem, Fátima diz que os processos e acusações causaram enormes transtornos para ela e Cid.

Retrato do advogado Angelo Carbone - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Imagem: Keiny Andrade/UOL

"Cid teve dias em que não dormia, de tanta raiva. Foi humilhado", conta.

Na ação de interdição, o Ministério Público do Rio indicou a lucidez de Cid Moreira. "A equipe multidisciplinar do Ministério Público realizou visita domiciliar constatando que o Senhor Cid Moreira é lúcido e orientado, plenamente capaz de realizar atos da vida civil, e que não há qualquer indício de situação de risco, tratando-se de representação infundada."


Caso com Lima Duarte foi parar na OAB

Carbone também assumiu em março deste ano o caso da motociclista Simone Nunes, que precisou passar por uma cirurgia de quadril após envolver-se em um acidente de trânsito com Lima Duarte na capital paulista.

Depois do ocorrido, Simone assinou com a equipe do ator um acordo. Lima Duarte pagou R$ 30 mil par custear as despesas dela por seis meses, além de equipamentos hospitalares. O contrato previa sigilo das partes, e Simone abria mão de acionar a Justiça. Ambos concordavam que não havia um culpado.

Depois de assinar o termo, a motociclista foi à Justiça, representada por Carbone, para exigir o pagamento de R$ 1,2 milhão.

Na ação, o advogado pede a apuração do consumo de álcool ou remédios por parte do ator e seu histórico de infrações de trânsito. Também diz que Simone sofre com problemas psiquiátricos e complicações da cirurgia, e indica que a polícia foi leniente ao apurar o caso diante da fama de Lima Duarte.

Não fizeram exame de álcool, não apreenderam carta. Era tão grave... ela viu ele batendo papo com a polícia, ninguém exigiu ambulância rápida. Ela fica sem trabalhar, quem decide quanto vale isso? Angelo Carbone

A defesa de Lima Duarte afirma que ele prestou socorro e que as acusações são mentirosas. Os advogados do ator pediram à Justiça que oficie a Ordem dos Advogados do Brasil para punir Carbone por atuação de má-fé.

O próprio Carbone conta que já enfrenta um processo na entidade, por ter falado sobre um de seus casos à imprensa. Ele diz que, na ocasião, o sigilo poderia ter causado danos irreparáveis ao seu cliente. "Querem me suspender por 90 dias por isso".

A OAB-SP afirmou à reportagem que seus processos são sigilosos em todas as etapas, e que não poderia falar sobre a atuação específica de um de seus filiados.

Nardoni, goleiro Bruno e a peculiar defesa dos oprimidos

Em mais de 30 anos de advocacia, Carbone atuou em dezenas de outros casos envolvendo celebridades ou que atraíram a atenção da imprensa.

Retrato do advogado Angelo Carbone - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Participou da defesa de Alexandre Nardoni, condenado pelo assassinato da filha, Isabella, em 2008, em um dos crimes mais midiáticos do país. Também advogou para uma testemunha-chave no caso do goleiro Bruno, condenado pelo homicídio de Eliza Samudio, com quem tinha um filho.

Neste caso, inclusive, diz que esteve próximo de assumir a defesa do jogador e tem uma versão diferente sobre o que aconteceu.

"Esse crime foi um crime passional, o Bruno e o Macarrão eram um casal. O Macarrão mandou... Eu já tinha toda a estratégia pronta, mas me tiraram do caso para não falar a verdade".

O caso mais recente no qual Carbone está trabalhando é contra o cantor Bruno, da dupla Bruno e Marrone, que fez comentários ofensivos e transfóbicos à repórter Lisa Gomes, da RedeTV!. O cliente é Agripino Magalhães, o mesmo que processa Neymar e que costuma recrutar famosos para o advogado.

Do seu modo peculiar, Angelo Carbone se considera um defensor de minorias e oprimidos. Uma postura que contrasta com sua figura nas redes sociais —armamentista e conservador, fez campanha ativa para Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.

Na atuação profissional, entretanto, prioriza casos envolvendo violência contra mulheres ou contra a população LGBTQIA+. Ele defende a criação de protocolos específicos para atender essa população.

Precisa ter uma política, uma estrutura. Se o homem gay apanha e vai na delegacia, policiais riem da cara dele Angelo Carbone

Fora dos ringues da Justiça

Quando não está vestindo a camisa de advogado, Angelo Carbone dedica-se a atividades religiosas. No Facebook, tem um grupo chamado "Angelo Carbone, um servo de Deus a serviço dos mentores espirituais". Ali, chamado de bispo, oferece curas espirituais que vão desde emagrecimento (bariátrica espiritual) até tratamentos para dores crônicas e inflamações, em longas lives mediúnicas.

As transmissões são acompanhadas e comentadas passo a passo por alguns seguidores —na maioria, senhoras de idade.

Ao fim da entrevista, ele presenteou a equipe com um livro de sua autoria, "Manual Teórico e Prático do Mariposo Singular". O mariposo em questão é um homem na faixa dos 40 anos, casado e com filhos.

O texto é um guia no qual Carbone narra paixões vividas com mulheres e busca ensinar potenciais "mariposos" a seduzir e conquistá-las, sem permanecer muito tempo em uma relação.

"O mariposo tem tempo limitado para agir, já que é casado e tem filhos", diz o manual, com trechos de teor machista: "Um relacionamento de mariposo que se preze não deve durar mais que noventa dias. Boa sorte".

O conteúdo seria inspirado nas várias mulheres seduzidas por Carbone ao longo da vida. Na vida profissional, o advogado parece fiel a seu guia: de manchete em manchete.