Viúva chora em velório de João Donato; família e amigos dão adeus ao músico
João Donato, que morreu ontem, aos 88 anos, foi velado na manhã de hoje no Theatro Municipal do Rio. O velório foi aberto a amigos, fãs e familiares e aconteceu das 11h às 15h.
Integrantes da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal fizeram a abertura do velório tocando músicas que marcaram a carreira de João Donato, como "Rã" e "Lugar Comum", além de canções de Mozart.
Ivone Belém, viúva de João Donato, foi amparada por amigos e familiares durante o velório. Ela chorou muito ao se aproximar do caixão e precisou ser segurada.
Na cerimônia, Donatinho, filho do músico, disse que o legado do pai "ficará para sempre":
"Quantas gravações lindas, quantas músicas lindas. Tive a oportunidade de fazer música com ele, de fazer um disco junto. Agora tem um outro que a gente estava finalizando e vai sair em breve. Ele estava muito bem, sempre foi muito criativo, com muita energia e disposição", afirmou.
Caetano Veloso, amigo de Donato, enalteceu sua musicalidade: "Ele era a música encarnada, o céu na terra. Toda música dele é perfeita. Tava chorando de saudade, mas, ao mesmo tempo, me sinto muito feliz por tudo o que senti por ele", disse a Splash.
Após o velório, o corpo foi levado para cremação no Memorial do Carmo. A será apenas para a família.
O artista enfrentava uma série de problemas de saúde e, recentemente, tratou uma infecção nos pulmões. Em junho, conforme publicado pelo filho Donatinho, ele esteve internado.
"Vim passar uns dias para mimar o Big Donato, agora que ele teve alta do hospital. Ele pediu para eu cozinhar um dos pratos preferidos dele, o Spagabola (mais conhecido como Spaguetti a Bolognesa)", publicou Donatinho, filho do compositor, no dia 30 de junho.
Origem
João Donato de Oliveira Neto, mais conhecido como João Donato, nasceu em 1934 em Rio Branco, no Acre. A paixão pela música começou ainda na infância.
Anos depois, em 1945, a família se mudou para o Rio de Janeiro. À época, as primeiras apresentações no palco aconteceram em festas de colégio.
Já a primeira gravação profissional foi como integrante da banda do flautista Altamiro Carrilho. Tempos depois, porém, ele passa a trabalhar com o violinista Fafá Lemos, como suplente de Chiquinho do Acordeom.
O artista frequentou o Sinatra-Farney Fã Clube, na Tijuca, por 17 meses. O local é considerado por críticos uma das principais escolas para a geração que anos depois criaria a Bossa Nova.
Com apenas 17 anos, ele namorou Dolores Duran - que tinha 21 anos. À época, no entanto, o relacionamento dividiu opiniões e despertou preconceitos pela diferença de idade. O compositor terminou no namoro devido a brigas familiares.
Carreira
João Donato criou o próprio grupo, Donato e Seu Conjunto, em 1953, e também integrou o grupo Os Namorados. Um ano depois, ele decidiu montar o Trio Donato.
O artista mudou-se para São Paulo em 1956, quando atuou como pianista no conjunto Os Copacabanas e na Orquestra de Luís Cesar. O primeiro LP da carreira, "Chá dançante", foi produzido por Tom Jobim e lançado na mesma época.
Ele retornou ao Rio de Janeiro anos depois, em 1958, e passou a dedicar-se ao piano. Um ano depois, o músico viajou para o México com Nanai e Elizeth Cardoso. A mudança para os Estados Unidos aconteceu logo em seguida, país em que viveu durante três anos.
Donato trabalhou ao lado de nomes como Carl Tjader, Johnny Martinez, Mongo Santa Maria e Tito Puente no período em que morou no país norte-americano. Ele acompanhou João Gilberto durante uma turnê pela Europa.
A volta para o Brasil aconteceu em 1962, já casado com a atriz norte-americana Patricia del Sasser, mas acabou retornando para os EUA - onde viveu por mais dez anos.
Donato foi amigo dos principais nomes da bossa bova, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto e Johnny Alf.
De volta ao Brasil, nos anos 1970, o músico atuou como arranjador de diversos álbuns. Ele também trabalhou com nomes como Caetano Veloso, Daniela Mercury e Gal Costa.
Embora também tenha alcançado o posto de um dos principais nomes do movimento, Donato extrapolou os limites da música popular brasileira e explorou ritmos como jazz, samba e sons latinos.
Donato não foi um medalhão midiático
Donato ajudou a moldar a MPB nos anos 1960 e 1970 com a elegância do seu piano e contribuiu com grandes clássicos, muitos com colaborações de peso na letra — como "A Rã" (Caetano Veloso), "Bananeira", "A Paz (Leila IV)" e "Emoriô" (Gilberto Gil) —, mas não foi um medalhão midiático.
Ele soube disso quando gravou "Quem é Quem" em 1973, no Brasil, após uma temporada nos Estados Unidos. Com som próprio, meio bossa nova, meio jazz (mas sempre temperado com molho latino) foi cultuado por músicos, e o álbum, listado entre os 100 melhores discos brasileiros da revista "Rolling Stone". Na hora de lançá-lo, ouviu do dono da gravadora que o trabalho não entraria no "esquemão" de outros artistas.
"Então não vai ter nenhum esquema", pensou Donato. "Um amigo meu me disse: 'Se eu fosse você, pegava uma caixa de discos na divulgação, ia ao Outeiro da Glória [morro do Rio de Janeiro], jogava os discos lá de cima e pedia para a televisão filmar'". Ele obedeceu. Com as câmeras apontadas, jogou cópias de "Quem é Quem" para o alto. "Lancei a meu modo", relembrou, gargalhando, em entrevista ao UOL em 2016.
Último disco
"Serotonina". O músico lançou o último álbum em 2022, o primeiro solo de canções inéditas em 20 anos. O projeto marcou a estreia de parcerias com compositores como Céu e Rodrigo Amarante.
O disco foi inspirado pela ideia da música como cura. "Serotonina é a substância do prazer, do bem-estar. E uma boa música pode trazer tanto prazer que é como uma dose de serotonina pura, 10ml, na veia, de manhã e em jejum! Então, o importante é tocar músicas que trazem essa serotonização, para ouvir e se encharcar de prazer", disse Donato, em texto enviado à imprensa, à época.
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