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De Bolsonaro a Lula: por que TVs dependem tanto de grana do governo?

Jovem Pan reduziu quadro de funcionários e demitiu comentaristas de peso na emissora desde a derrota de Bolsonaro nas urnas - Divulgação/Jovem Pan
Jovem Pan reduziu quadro de funcionários e demitiu comentaristas de peso na emissora desde a derrota de Bolsonaro nas urnas Imagem: Divulgação/Jovem Pan

Cristina Padiglione

Colaboração para Splash

27/07/2023 12h38

A fragmentação de investimentos publicitários em mil pedacinhos, principalmente em função da distribuição de anúncios determinada pelo Google, do engajamento do público na internet e do acesso a telas de todos os tamanhos, tornou as TVs mais dependentes do que nunca dos grandes anunciantes, de modo geral. E o governo federal é um ponto relevante nesse cenário. O ônus de quem recebe ou não campanhas oficiais é maior para veículos que não detêm a liderança de audiência nem a preferência das marcas da indústria privada.

O contexto ajuda a entender o drástico enxugamento recente sofrido pela Record e pela Jovem Pan, especialmente, duas fortes aliadas do governo Bolsonaro que perderam significativa posição no ranking de empresas de mídia com maior fatia no recebimento da verba publicitária determinada pelo Palácio do Planalto.

Segundo reportagem da Folha com base em dados da Secom -Secretaria de Comunicação da presidência—, a Pan sumiu das 15 posições iniciais onde aparecia até o fim da gestão anterior. A Record, que liderou as maiores fatias sob Bolsonaro, agora volta a aparecer em segundo lugar, com apenas 22,8% do montante abocanhado pela Globo, que retomou sua tradicional posição de liderança.

Além disso, até o fim do primeiro semestre deste governo, os gastos com publicidade se mostram bem inferiores às cifras ostentadas pela gestão anterior.

Considerando que a Record tem pouco mais que 1/3 da audiência da Globo, a verba conquistada pela TV de Edir Macedo nos quatro anos anteriores se mostrava longe de critérios técnicos, tanto é que o TCU teve de intervir para arbitrar sobre a distorção. Uma campanha sobre vacinação, por exemplo, ou benefícios trazidos por educação estará tão melhor contemplada quanto maior for o seu alcance de público. Mas as divergências entre Globo e Bolsonaro, publicamente tão anunciadas pelo ex-presidente, na contramão das condescendentes entrevistas concedidas à Record, ao SBT e à Pan, traçam o diagnóstico dos gastos com propaganda entre 2019 e 2022.

Ainda que os novos modelos de distribuição da publicidade geral tenham afetado todos os veículos de mídia, a TV, meio de comunicação mais caro nesse negócio, sofre mais impacto em função dos gastos necessários ao seu funcionamento. Isso justifica o enxugamento de quadros não só no jornalismo da TV, mas em todas as áreas da própria Globo, só para ficar nas transformações sofridas pela líder em audiência e faturamento da área.

Os grandes salários se arrefeceram, e não só nas redações de jornalismo, mas também no entretenimento. A TV paga, que perdeu 7 milhões de assinaturas entre 2014 e 2022, luta para manter alguma relevância, tendo se agarrado nesse período a investimentos em seus respectivos serviços de streaming. São os casos de grupos como Warner Bros Discovery, Disney e Globo.

Mas Record e Jovem Pan —curiosamente, dois grupos criados sob o mesmo DNA da família Machado de Carvalho, com a ressalva de que a primeira está sob o comando de Edir Macedo há 33 anos, idade de Cristo—, a drástica redução de colaboradores e funcionários foi diretamente afetada pelo alinhamento editorial com o ocupante do Palácio do Planalto.

Para além do ônus trazido pela fragmentação da verba publicitária privada, os dois veículos deixaram de contar com o apoio do dinheiro público vindo de Brasília. No caso da Pan, há ainda forte pressão de campanhas que pedem boicote ao grupo, lideradas pela Sleeping Giants, em represália a práticas negacionistas difundidas pela emissora e seus comentaristas, do rádio à TV, passando pela internet.

E mesmo diante de uma mudança recorde de quadros já no dia seguinte à vitória de Lula nas urnas, ainda em 1º de novembro, a Pan não escapou de sofrer intervenções do YouTube e do Ministério Público, que entrou com ação na Justiça para pedir a cassação de suas concessões de rádio.

A pressão sofrida pelo grupo resultou não mais em trocas, mas em cortes recentes, como o de Adriana Reid e Katiuscha Sotomayor, sem falar em vários funcionários e colaboradores de bastidores, e no recuo de investimentos em produção de conteúdo. A Record, igualmente abalada pela redução da verba oficial, promoveu demissões neste mês, com lista que incluiu repórteres e apresentadores como Sylvestre Serrano, Patrícia Costa e Adriana Rezende. Até com a venda de novelas bíblicas para a EBC, Empresa Brasileira de Comunicação, via TV Brasil, o grupo foi beneficiado no governo Bolsonaro.

No caso da TV de Edir Macedo, que em 2021 e 22 já teve parte de seus privilégios reduzidos na fatia publicitária do governo, os prejuízos que resultaram na mais recente demissão em massa são efeitos de um prejuízo que teria chegado perto de R$ 500 milhões no ano passado.

Adriana Rezende foi desligadada da Record após 25 anos - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Adriana Rezende foi desligadada da Record após 25 anos
Imagem: Reprodução/Instagram

São zeros à direita que não fecham a conta. Na Band, Faustão levou a culpa por um rombo estimado em R$ 100 milhões, tornado a comparação com a Record um conforto para a TV de Johnny Saad, que pelo menos teve um Fausto Silva no ar na faixa nobre, diferentemente da concorrente, que não apresentou novidades de programação no ano passado nem grandes contratações.

É certo que, ao contrário do que se propaga, a responsabilidade não está toda em Faustão, no caso da Band. Assim como as demissões recordes feitas no jornalismo da Globo recentemente, o buraco é mais embaixo, com salários que já não cabem no orçamento atual para ninguém. Após desligar da empresa contratos de grandes estrelas do entretenimento, o campo da notícia também foi atingido na TV dos Marinhos.

Ainda no final do ano, a CNN Brasil também já havia reduzido seus custos com cortes de pessoal, dentro de um universo que não comporta mais holerites estratosféricos.

Dito isso, é o caso de reparar: se está ruim para todo mundo, imagine para a Jovem Pan e a Record, que embarcaram sem disfarce no bolsonarismo? Não foi por outro motivo que Daniela Beyruti e Patrícia Abravanal, herdeiras de Silvio Santos, uma de apelo público e outra recentemente empossada no comando do SBT, foram a Brasília beijar a mão de Lula no início de julho.

A emissora, além de forte aliada de Bolsonaro, que também tinha passe livre para falar o que queria nos telejornais da TV de Silvio Santos e contava até com membro da família no Ministério do ex-presidente -Fábio Faria, casado com Patrícia, foi titular das Comunicações, aliás, a pasta responsável pela distribuição de verba publicitária do governo.

O encontro das representantes do SBT com o presidente aconteceu e foi confirmado pelo Planalto, com direito a telefonema entre Lula e Silvio Santos na ocasião. Mas, diferentemente do orgulho demonstrado pela boa convivência do clã com o governo anterior, sempre estampado em fotos ao lado de Bolsonaro, não se viu uma só imagem das meninas ao lado do atual presidente.