Topo

'Lacraia mudou minha vida': por onde anda MC Serginho, da 'Eguinha Pocotó'

MC Serginho e Lacraia formaram dupla famosa no começo dos anos 2000 - Reprodução/Instagram
MC Serginho e Lacraia formaram dupla famosa no começo dos anos 2000 Imagem: Reprodução/Instagram

De Splash, em São Paulo

05/08/2023 04h00

"Crias" da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, MC Serginho e Lacraia formaram uma dupla pouco convencional no início dos anos 2000. O funkeiro, que tinha estourado com o hit "Vai Serginho", deixou a carreira solo de lado para se apresentar no palco com um amigo: a travesti Lacraia, que se tornou um ícone LGBTQIA+.

Nascida Marco Aurélio Silva da Rocha, ela era dançarina nos shows do MC. Lacraia saiu do funk em 2009, para seguir o sonho de trabalhar com música eletrônica, mas morreu precocemente em um hospital da capital fluminense, apenas dois anos depois. A causa nunca foi confirmada.

Serginho diz que ele e Lacraia encaravam a fama de formas diferentes. 20 anos mais jovem, a dançarina chegou ao sucesso ainda na juventude, enquanto o parceiro já esperava o nascimento da filha e entrou na música para ajudar a criá-la.

Eu nunca fui de ostentar em nada, já Marquinho [como Lacraia era conhecida na intimidade] era festeiro, gastava pra caramba. Inclusive tinha muita briga por isso, mas ele era adulto, sabia o que fazia. Ele chegava de viagem e ia pra festa. Saía de uma e ia para outra. Ele viveu intensamente, todas as oportunidades que teve, agarrou com unhas e dentes"

Serginho conta que sua carreira nos palcos surgiu por acaso, enquanto fazia um "bico" como DJ de funk, que o ajudava a complementar o seu salário como frentista.

"Não tinha intenção de ser cantor, só queria melhorar a renda, porque a minha filha estava para nascer. Uma hora, o DJ Alemão, que era locutor na rádio comunitária do Jacarezinho, me deu a chance de cantar. Foi lá que lancei o 'Vai, Serginho', imitando uma namorada minha", conta o dono do hit.

mc serginho - Divulgação - Divulgação
Mc Serginho, hoje locutor da Rádio Roquette Pinto
Imagem: Divulgação

Com o sucesso dentro das comunidades fluminenses, Serginho virou atração de bailes funk, com um cachê de R$ 300. Em um deles, conheceu "Marquinho".

"Ele já fazia parte da minha equipe de som quando decidi levá-lo para o palco comigo. O Marquinho já trabalhava na sauna gay como Volpe Jones, mas botamos o nome de Margareth Robocop quando começou a trabalhar comigo", conta.

O apelido que eternizou o dançarino veio pouco depois, quando Serginho comparou o rebolado do parceiro de música com o da centopeia.

"O Marquinho mesmo já contou em várias entrevistas que as pessoas não queriam que eu levasse ele para os shows. Até porque, nessa época, o preconceito era ferrenho, né?".

BBB, Xuxa e parceria com Gilberto Barros

O funk de Serginho e Lacraia quebrou fronteiras ao chegar à TV aberta. A dupla foi atração na Globo, com visitas a Xuxa e Luciano Huck, e se tornou presença constante nas telas graças a Gilberto Barros e ao "Big Brother Brasil", que usou o primeiro hit do cantor como música-tema de um dos participantes da 1ª edição.

"A minha primeira 'gravadora' foi a 'Paraguai Records', o famoso CD pirata. Aí a Globo fez o Big Brother e tinha um cabeleireiro chamado Serginho. Impulsionou demais a música. Toda hora que ele aparecia, tocava. Depois, fomos para vários programas, mas o auge foi o Gilberto Barros. Durante um ano e três meses íamos na Band todo sábado, para duas horas e meia de programa", conta.

MC Serginho e Lacraia se separaram profissionalmente em 2009 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
MC Serginho e Lacraia se separaram profissionalmente em 2009
Imagem: Reprodução/Instagram

E Serginho não foi um cantor de um hit só: ele ainda teve sucessos como "Eguinha Pocotó" e "Vai Lacraia" — aproveitando o sucesso da dançarina.

"Era uma época em que não tinha internet, a gente quebrou o preconceito tirando um sorriso das pessoas. Nós chegamos em uma cidade do interior e fomos recebidos por mais ou menos 50, 60 pessoas, todas da comunidade LGBT. Um deles veio e falou: 'Nós viemos aqui agradecer a você e à Lacraia'", lembra o funkeiro.

A Lacraia foi uma pessoa que plantou o bem e lutou pelos seus ideais, mesmo tendo a dificuldade de ser uma pessoa diferente. E as pessoas não esquecem dela. Isso daí, pra mim, é uma grande vitória da humanidade, né?."

"A Lacraia mudou a minha vida"

A parceria entre Serginho e Lacraia acabou de forma precoce, em 2009. Na época, o dançarino queria realizar um sonho antigo e decidiu romper a dupla com o funkeiro — mas se separando dele apenas no palco.

Nós sempre fomos amigos. Briguei por ele, lutei por ele e ele reconhecia isso. Mas o sonho do Marquinho era ser DJ de música eletrônica. Ele fez um curso e não me disse. Até que um dia ele falou: 'Sérgio, nós estamos viajando pra caramba, né? A Carol tá crescendo e a gente passa mais tempo junto do que com a família. Então eu tô fazendo um curso de DJ e vou seguir a vida'. Não houve briga. Ele simplesmente foi seguir a carreira de DJ e eu continuei."

Mas a trajetória solo de Lacraia foi interrompida pouco depois. Em maio de 2011, a dançarino morreu, com apenas 33 anos. A causa da morte não foi confirmada pela família, mas outras pessoas próximas se dividiam entre o diagnóstico de pneumonia e tuberculose.

Lacraia morreu em 2009, com apenas 33 anos - Rogério Cassimiro/Folhapress - Rogério Cassimiro/Folhapress
Lacraia morreu em 2009, com apenas 33 anos
Imagem: Rogério Cassimiro/Folhapress

"A Lacraia mudou a minha vida, porque eu não fui a lugar nenhum sozinho. Quando olho pra minha filha, que hoje é publicitária formada, eu sei que também devo isso ao Marquinho", afirma Serginho.

Eu, às vezes, acordo de manhã com uma tristeza que você nem imagina. Quando subo no palco, sempre tem alguém que chega em mim e fala que sentiu a presença da Lacraia, que enxergou ela do meu lado. Então, a dupla continua".

'Stand up funk' e trabalho como rádio: Serginho sem Lacraia

Serginho fala com orgulho sobre sua trajetória nos palcos, que incluiu até uma turnê na Europa, ainda ao lado de Lacraia. Depois, ele ainda convidou Ângelo Beethoven, a Gazela, para substituir a antiga dançarina.

A nova parceria acabou não vingando, mas o cantor segue produzindo novas letras, investindo principalmente no "stand up funk" que mistura música e comédia.

"Já estou fazendo há uns 2, 3 anos. O show que a gente fazia, na verdade, já era um stand up, né? A gente cantava, brincava com o público, botava o pessoal no palco. Mas, agora, estou com muitas músicas novas. O funk de hoje está muito agressivo, mandando novinha fazer isso, novinha fazer aquilo. Eu não canto pra novinha, eu canto só pra gente adulta. E quando eu vou fazer um show que tem criança, o show é totalmente light", afirma o cantor.

Além disso, Serginho segue trabalhando no rádio, aproveitando seus programas para incentivar novos talentos — tudo isso, sem sair do Jacarezinho, onde nasceu.

"Nós somos referências da favela. Muita gente sai de lá sem ter a mínima condição de sair. Eu não, eu sou criado no Jacarezinho e vou morrer no Jacarezinho. E a Lacraia, eu tenho certeza, teria feito igual", conclui.