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'Sinto a presença dele em cada canto', diz ator que tirou Zé Celso do fogo

Victor Rosa e Zé Celso moravam no mesmo apartamento; ator tirou diretor das chamas - Reprodução/Instagram
Victor Rosa e Zé Celso moravam no mesmo apartamento; ator tirou diretor das chamas Imagem: Reprodução/Instagram

De Splash, em São Paulo

06/08/2023 04h00Atualizada em 07/08/2023 11h44

Victor Rosa, 23, estava no apartamento de Zé Celso quando o imóvel foi atingido por um grande incêndio há pouco mais de um mês. Ator do Teatro Oficina, foi ele quem queimou as mãos ao resgatar o diretor das chamas.

Recuperado dos ferimentos, Victor conversou com Splash sobre as marcas que a vida e a morte de Zé Celso deixaram nele, e sobre o futuro de um dos maiores templos das artes cênicas brasileiras.

Seguindo a máxima de que "o show tem que continuar", o Oficina seguiu com apresentações nos dias seguintes à morte de seu fundador. Para Victor, foi importante manter as peças para "manter a memória de Zé".

Eu ainda sinto forte, e acho que vai ser sempre, a presença dele nesse espaço. Não só no espaço físico do teatro. Em cada canto, sinto a presença e reverencio, bato cabeça. Victor Rosa

Victor faz parte do Oficina desde 2018. Com o tempo, além de atuar nos bastidores do teatro, passou a dar apoio a Zé Celso e ao marido, Marcelo Drummond, nas tarefas do cotidiano. Ele se aproximou e passou a frequentar a casa deles no Paraíso, na zona sul de São Paulo. Em 2021, ele se mudou para o apartamento e passou a morar junto de Zé, Marcelo e Ricardo Bittencourt, ator e amigo próximo do casal.

Os 63 anos de diferença entre Zé e Victor não impediam que os dois fossem próximos. Victor diz que, na verdade, a relação era mais de troca de experiências do que de aprendizado com o mestre do Oficina.

"Eu sinto também que foi um crescer junto. É óbvio que aprendi e ouvi muito de Zé, desde coisas concretas, de direções de cena, de teatro, de filosofia, poesia, cinema, enfim, mas [houve] também uma troca de conhecimento, de aprender as coisas subjetivas, as coisas do dia a dia, o amor, uma alegria imensa de conseguir olhar pras coisas nos seus avessos também, nas suas belezas", conta.

O futuro do Teatro Oficina

Questionado sobre o futuro do teatro, Victor diz que a imagem de Marcelo Drummond é clara no papel do sucessor de Zé Celso, respeitando o desejo do próprio diretor.

"Mas hoje eu sinto que tem, na verdade, um desejo coletivo de continuidade nesse trabalho, mais do que uma figura. [...] Sempre teve essa sabedoria de Zé de também sacar o coletivo. Eu sinto uma força coletiva da continuidade do trabalho, da criação de novos trabalhos, uma coisa bonita que é esse encontro de gerações, de diversas pessoas de tempos diferentes do Teatro Oficina", acrescenta.

Para além da resistência e manutenção do Oficina, outro projeto de Zé que sobreviverá por meio de amigos, familiares e pupilos é a criação do Parque do Rio Bixiga, luta por um terreno que o diretor travou contra Silvio Santos por 40 anos. O coro a favor da criação do parque inclui do deputado estadual Eduardo Suplicy ao maestro João Carlos Martins, que se apresentará um concerto na rua em frente ao terreno no domingo (6) para demonstrar seu apoio.

"Fazer essa imaginação acontecer, é uma possibilidade maravilhosa para a cidade, para o mundo, para as pessoas, para o Bixiga, esse bairro tão importante. E para o teatro, porque poder imaginar fazer teatro ao ar livre, para todo mundo, e imaginar que povos quaisquer podem passar por ali, podem habitar, podem ter acesso à água, podem ter acesso a um banho de floresta, ao sol, ao canto dos pássaros... Enfim, um lugar de encontro, como o teatro, e o encontro é perigosamente delicioso", diz Victor, também a favor do projeto.

Ao falar das apresentações que seguiram a morte de Zé e das manifestações recentes de apoio ao Parque do Rio Bixiga, o ator se lembra de momentos que viveu com Zé, em que viu o diretor agir em vez de ter uma posição passiva. Uma delas aconteceu após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado. Ele conta que sentiu "uma angústia, um silêncio" tomar conta da cidade e do apartamento do diretor.

"De repente o Zé foi virando a coisa. Ele disse: 'A gente precisa descobrir por que isso ainda tá nas pessoas'. E aí a gente foi ler [a peça] 'Pra Dar Um Fim do Juízo de Deus', foi falar sobre Deus, sobre o bolsonarismo através daquela peça. Foi um momento muito forte, em uma situação lamacenta, difícil, virar a coisa e tomar uma atitude sobre aquilo, agir, não ficar só no trágico", descreve.

O legado de Zé em Victor é claro e tem a ver com o modo como o diretor levava a vida: em uma conexão eterna com o teatro.

Eu sempre senti que tudo, ou quase tudo, com Zé tinha o fio, mesmo que, às vezes, não muito nítido, ligado ao teatro. Era uma vida ligada ao teatro. Essas experiências estavam sempre em favor, em comunhão com o teatro. Isso é uma coisa que, com certeza, eu vou levar, que eu tenho no meu coração, no meu sangue: o desejo pelo teatro. Victor Rosa