Roubo de ouro fez gangster virar rapper na prisão e 'explodir' na Alemanha

O Plano Geral desta semana destaca filmes de dois grandes diretores consagrados no circuito internacional, Fatih Akin e Wes Anderson, além de uma estreia nacional assinada por Marcos Bernstein e uma série que explora o universo de um dos temas mais amados do público brasileiro, a novela.

Para começar, "Rheingold - O Roubo do Sucesso", do alemão de origem turca Fatih Akin, que conta a história real de Xatar, rapper de sucesso na Alemanha que se envolveu num dos maiores roubos de ouro da Europa. (ouça a partir de 1:00)

Trailer de Rheingold

De família curda refugiada na Alemanha após a Revolução Iraniana passar a perseguir opositores ao regime então estabelecido, Xatar, cujo nome real é Giwar Hajabi, tem como sua primeira memória a prisão para onde seus pais foram mandados quando capturados pela polícia do aiatolá Khomeini.

De lá, emigraram para a Alemanha, onde seu pai, um respeitado maestro, conseguiu um emprego na orquestra da cidade de Bonn. Giwar, que no filme é interpretado pelo ótimo Emílio Sakraya, cresceu entre aulas de piano sob o olhar rigoroso do pai, que deixou a família quando ele era adolescente, e as gangues da cidade.

Sem a presença paterna, passou a vender drogas e se tornou um nome procurado pela Justiça alemã. Da Alemanha para a Holanda, onde se escondeu, estudou música, mas também se envolveu com o cenário do crime local. Em paralelo à sua trajetória no crime, Giwar mantinha o sonho de gravar um disco de rap e abrir sua própria gravadora, mas os planos foram frustrados quando bolou um plano de um assalto tão esdrúxulo quanto real.

Os planos não deram certo. Ele foi julgado, condenado e preso. Mas, ironicamente, foi na prisão que finalmente gravou seu disco, que se tornou um fenômeno da música alemã.

O ator Emilio Sakraya vive o rapper Xatar no ótimo "Rheingold", do cineasta alemão-turco Fatih Akin
O ator Emilio Sakraya vive o rapper Xatar no ótimo "Rheingold", do cineasta alemão-turco Fatih Akin Imagem: Divulgação

Em "Rhiengold", Fatih Akin conta esta história de forma ágil e inteligente. "Li a biografia dele e fiquei muito tocado pela forma como ele foi generoso, quantos gêneros sua história cruza e que vida louca esse cara viveu. E eu fiquei tipo: "Ok, se eu pudesse transformar esta história, sabe, em algo visual, poderia ser um filme muito louco", contou o diretor ao Plano Geral. (Ouça a partir de 11:00)

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"E, assim, eu tratei a biografia dele como literatura. Eu já tinha adaptado literatura antes. E é como traduzir. Isso é o que você faz. A gente traduz. Você tem a narrativa da prosa, da literatura. E a traduz para a arquitetura do roteiro. Isso é o que se faz, e é isso que eu gosto de fazer", completa Fatih Akin, que com "Rhiengold" fez seu filme de maior sucesso de bilheteria, um dos grandes destaques do cinema europeu da última temporada, com mais de um milhão de espectadores somente na Alemanha.

"Lembra muitos outros filmes de iniciação no mundo do crime, como os de Martin Scorsese, ou como "O Profeta", de Jacques Audiard, pois vai mostrando a entrada dele no mundo da violência e como vai se endurecendo para conseguir sobreviver no mundo dos imigrantes na Alemanha. O mais interessante é como Fatih conta esta história. É muito envolvente como ele filma e conta esta saga", comenta Thiago Stivaletti.

Jason Schwartzman e Bill Murray em cena de "Asteroid City", novo filme de Wes Anderson
Jason Schwartzman e Bill Murray em cena de "Asteroid City", novo filme de Wes Anderson Imagem: Divulgação

WES ANDERSON RETORNA COM ASTEROID CITY

Queridinho dos cults, o americano Wes Anderson, de "O Grande Hotel Budapeste", flerta com os ETs em "Asteroid City", que reúne o maior elenco do ano. O filme traz nomes como Tom Hanks, Scarlett Johansson, Jefrey Whright, Bill Murray, Bryan Cranston, Jason Schwartzman, Margot Robbie, Matti Dillon, Edward Norton e até Seu Jorge.

"Desta vez, Seu Jorge faz um participação, mas é sempre uma presença muito bem-vinda no cinema de Anderson. Em Cannes neste ano, onde o filme fez sua estreia mundial, o diretor comentou que mantém a amizade até hoje com o Seu Jorge e que a sua presença é uma alegria no set", comenta Flavia. (ouça em 16:42).

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A trama conta a história de uma família, que viaja para encontrar o avô quando o carro quebra. Eles ficam presos na pequena Asteroid City, cidade pitoresca famosa por ser onde se celebra o Dia do Asteroide e onde aspectos relacionados ao espaço sideral são levados muito a sério. A cidade vai ser sede de uma grande feira de ciências e recebe um visitante não convidado e que chega direto do espaço, revolucionando toda a pacata vida de seus moradores.

"É o filme mais cartunesco do Wes Anderson. Desde a premissa do filme até a paleta de cores, muito calcada em tons de amarelo e azul intensos, passando pela movimentação da câmera, a direção de arte e o tom das atuações", analisa Flavia. (ouça em 18:42)

Mônica Iozzi e Marcelo Anthony em cena da série "Novela", em cartaz na Amazon Prime Video
Mônica Iozzi e Marcelo Anthony em cena da série "Novela", em cartaz na Amazon Prime Video Imagem: divulgação

NOVELA

Nas séries brasileiras, Monica Iozzi e Miguel Falabella satirizam o universo dos folhetins na série "Novela", no Prime Video (27:42). "Monica vive Isabel, uma aspirante a dramaturga que quer muito se tornar uma grande autora de novela e começa a trabalhar com o Lauro Valente, papel de Miguel Falabella, um autor veterano, mas ele rouba a trama dela e escreve uma novela por conta própria", conta Thiago Stivaletti.

"É muito interessante notar como os streamings estão tentando abarcar o universo das novelas de alguma forma. Os números não são divulgados, mas Netflix, HBO Max, Amazon Prime, todos já entenderam que o Globoplay cresce muito rápido, tem um catálogo imenso de novelas antigas e que, se a pessoa quer ver uma novela antiga, assina o Globoplay. Estão todos correndo atrás e produzindo projetos que trazem o universo da novela", analisa Thiago. (Ouça em 28:40)

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Julia Lemmertz e Cláudia Abreu em "Tempos de Bárbarie - Ato I: Terapia da Vingança?
Julia Lemmertz e Cláudia Abreu em "Tempos de Bárbarie - Ato I: Terapia da Vingança? Imagem: Divulgação

ENTREVISTA DA SEMANA: TEMPOS DE BÁRBARIE

Julia Lemmertz e o diretor Marcos Bernstein comentam o fascismo no Brasil atual, tema do filme "Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança", que estreia nos cinemas no dia 17 (35:40).

Thriller dramático, o filme conta a história da advogada Carla (Cláudia Abreu). Elas voltavam para casa quando, durante uma tentativa de assalto, sua filha pequena foi baleada e ficou em estado grave. Desesperada e sem respostas, Carla tenta seguir a vida buscando ajuda em grupos de apoio, conduzidos por Natália (Júlia Lemmertz).

Mas, sem conseguir aceitar o destino da filha e diante da falta de soluções por parte da polícia, Carla transforma a busca por justiça em uma obsessão por vingança. Ela parte em uma busca frenética e angustiante pelos culpados e testa o seu próprio limite para ver até onde pode ir.

"Eu trafego por vários gêneros. Minha carreira foi acontecendo assim e eu gosto também. Não o cineasta marcado por um tipo de tema obsessivo. Faço este trânsito por vários gêneros, mas todos os filmes que escrevi (como "Central do Brasil") e dirigi (como "Do Outro Lado da Rua" e "O Amor dá Voltas") falam do afeto. Este filme é um pouco ao contrário, pois fala de desafeto", comenta Marcos Bernstein (ouça a partir do minuto 37:40).

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"Carla é uma mulher que tem todos seus afetos, uma carreira promissora, uma filha, um marido que ela ama, mas um evento tão, infelizmente, comum no Brasil, traz a violência para dentro dela, traz esta dor. E aí ela enfrenta outra dor, que é a da inação do Estado, da injustiça social. Ela entra em uma espiral de frustração e acaba encontrando a única saída na violência, que é radical e que adiciona aos nossos tempos de barbárie", comenta o cineasta.

Para Julia, "Tempos de Barbárie" retrata duas mulheres em um momento em que é impossível retroceder. "E elas, nesta situação, tentam viver com isso de uma forma menos aguerrida. Natália meio que apaziguou isso dentro dela porque cada um lida com a dor e com a perda, com a violência de uma forma diferente. Há pessoas que se acuam, que se escondem, tem as que revidam com violência. O ser humano é muito múltiplo neste lugar emocional", comenta a atriz.

"Acho que a Natalia tenta apaziguar o lugar do confronto porque o fato de estar num grupo e ouvir outras pessoas que passaram pela mesma situação faz com que elas saibam que não estão sozinhas no lugar da dor e da perda, que podem compartilhar suas experiências."

"Tudo faz sentido, mas também faz muito sentido o lugar em que Carla se encontra, de um lugar em que eu me peguei durante os tempos recentes do Brasil, questionando para onde a gente vai, dizendo "a gente tem que fazer algo", olhando o circo de horrores e não se manifestando. Mais que a inconformidade, é preciso entender onde começa, qual o princípio de tudo", completa Júlia.

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