Léa Garcia morre aos 90 anos; atriz seria homenageada em Gramado
De Splash, em São Paulo
15/08/2023 09h08Atualizada em 15/08/2023 11h30
Léa Garcia morreu hoje, aos 90 anos, horas antes de ser homenageada com o troféu Oscarito no Festival de Gramado, pelo conjunto da obra ao lado de Laura Cardoso. A informação foi confirmada pelos familiares nas redes sociais. Splash apurou que a causa da morte foi um infarto agudo do miocárdio.
É com pesar que nós familiares informamos o falecimento agora na cidade de Gramado, no Festival de Cinema de Gramado, da nossa amada Léa Garcia.
Ao lado de nomes como Ruth de Souza e Zezé Motta, Léa Garcia foi uma das primeiras atrizes negras da televisão brasileira, e uma das maiores expoentes da cultura afro-brasileira. A atriz estava em Gramado desde o fim de semana, acompanhada do filho, Marcelo Garcia, e assistiu a sessões dos filmes "Retratos Fantasmas" e "Tia Virginia".
Léa ficou famosa no Brasil após interpretar Rosa em "Escrava Isaura" (1976). Antes, no entanto, ela já havia representado o país no cinema internacional: interpretou Serafina em "Orfeu Negro" (1959), filme de Marcel Camus.
Inspirado na peça teatral "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Moraes, o longa venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro e fez a atriz ser indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina em Cannes.
Além de pioneira, Léa se dedicou a fomentar o cinema negro brasileiro ao longo da vida. Como roteirista, adaptou para as telas textos de autores negros como Cidinha da Silva, Luiz Silva Cuti e Muniz Sodré. Ela também participou de produções feitas por pessoas negras que colocavam temas raciais no centro do enredo, como "As Filhas do Vento" (2005).
Léa Garcia seria uma das homenageadas hoje no Festival de Cinema de Gramado. No festival, a atriz já conquistou quatro Kikitos, com os filmes "Filhas do Vento", "Hoje tem Ragu" e "Acalanto". Caio Blat, um dos curadores do festival, relembrou os últimos momentos da atriz em conversa com Splash:
Estou em choque, ela estava animadíssima na sessão de "Tia Virgínia" [no domingo à noite], comentando todas as cenas. Ao mesmo tempo, é uma despedida de cinema, sendo ovacionada e homenageada. Acho que os gigantes da nossa profissão gostam de partir em movimento. Gostam de viver o cinema até o último instante. Ela é imortal, inesquecível, abriu caminhos, precursora da representatividade que hoje ainda se busca.
O festival também emitiu uma nota oficial sobre a morte da atriz:
É com pesar que a organização do Festival de Cinema de Gramado informa que a atriz Léa Garcia faleceu na madrugada de hoje (15), no hotel que estava hospedada em Gramado. A atriz receberia o troféu Oscarito na noite de hoje, ao lado de Laura Cardoso. De acordo com o Hospital Arcanjo São Miguel, a causa da morte foi um infarto agudo do miocárdio.
Dona Léa Garcia havia chegado a Gramado no último sábado (12) acompanhada do filho, Marcelo Garcia. A atriz circulava diariamente pelo evento, onde acompanhou diversas sessões no Palácio dos Festivais. Em uma de suas passagens pelo tapete vermelho, a atriz afirmou ao portal Acontece Gramado ter "um enorme prazer em estar mais uma vez em Gramado. Esse calor, essa receptividade com a qual a cidade nos recebe. Aqui tem um leve sabor de chocolate no ar. Obrigado a todos que fazem o festival, que participam e que concorrem. Aqui me sinto sempre prestigiada".
Léa Garcia possuía uma história antiga com Gramado, conquistando quatro Kikitos com Filhas do Vento, Hoje tem Ragu e Acalanto. Aos 90 anos, a veterana detinha de um currículo com mais de cem produções, incluindo cinema, teatro e televisão. Com uma célebre trajetória nas artes, foi indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes em 1957 por sua atuação no filme Orfeu Negro que, em 1960, ganharia o Oscar de melhor filme estrangeiro, representando a França.
Atuando em produções para televisão, cinema e teatro, Léa consolidou uma carreira de papéis marcantes em produções como Selva de Pedra, Escrava Isaura, Xica da Silva e O Clone. Foi peça fundamental na quebra da barreira dos personagens tradicionalmente destinados a atrizes negras. Tornou-se, assim, uma referência para jovens atores e admirada pela qualidade de suas atuações.
Dona Léa seguia ativa nas artes cênicas. Em 2022, atuou nos longas Barba, Cabelo e Bigode, Pacificado e O Pai da Rita. Ontem (14) havia confirmado negociações com a TV Globo para atuar no remake da novela Renascer.
Possíveis alterações na programação do Festival de Gramado serão anunciadas em breve pela organização.
Quem foi Léa Garcia:
Filha de uma modista e de um bombeiro, Léa Garcia nasceu no Rio de Janeiro em 1933. Se interessou pelas artes cênicas por influência do dramaturgo e ativista social Abdias do Nascimento, que a convenceu a subir ao palco do Teatro Experimental do Negro na peça "Rapsódia Negra" (1952). Léa e Abdias tiveram dois filhos: Henrique Garcia do Nascimento e Abdias do Nascimento Filho.
A atriz fez sua estreia na televisão no Grande Teatro da TV Tupi ainda na década de 1950. Na década de 1960, a atriz participou de "Ganga Zumba", primeiro filme dirigido por Cacá Diegues, que teve participação de Cartola e trilha sonora de Moacir Santos.
Léa Garcia foi para a Globo em 1970 na novela "Assim na Terra Como no Céu", novela de Dias Gomes, na qual a atriz interpretou Dalva, a empregada do personagem de Jardel Filho. Em 1972, ela participou do primeiro programa gravado inteiramente em cores no Brasil: um episódio de Caso Especial chamado "Meu Primeiro Baile".
Em 1976, Léa interpretou sua primeira vilã em "Escrava Isaura", novela adaptada por Gilberto Braga do livro de Bernardo Guimarães. O papel de Rosa fez Léa ser reconhecida pelo público, mas também lhe rendeu problemas: a atriz chegou a sofrer violência física de telespectadores que odiavam a personagem.
Escrava Isaura é o meu cartão de visitas. Tive muitas dificuldades em fazer cenas de maldade com a Lucélia Santos. Eu me lembro de uma cena em que, quando a Rosa acabou de fazer todas as perversidades com a Isaura, eu tive uma crise se choro, me pegou muito forte. Chorei muito, não com pena, mas porque me tocou. Léa Garcia no Memória Globo
A atriz também atuou em tramas na TV Manchete, como no folhetim de Duca Rachid, "Tocaia grande" (1995) —baseado na obra de Jorge Amado—, e em "Xica da Silva" (1996), de Walcyr Carrasco, que tinha Tais Araújo como protagonista. Léa contracenaria novamente com Tais em "Anjo Mau" (1997) na Globo, emissora na qual atuou ainda em "O Clone" (2001), de Gloria Perez, e "Êta Mundo Bom!" (2016), de Walcyr Carrasco.
Desde então, a atriz fez quase 70 filmes e novelas em sua carreira, além de 20 peças. Seu último papel na TV foi Dona Antônia na terceira temporada de "Mister Brau", em 2017.
Recentemente, foi convidada para participar da refilmagem da novela "Renascer", e também deixou um trabalho inédito. No folhetim, ela interpretaria a personagem vivida por Chica Xavier na versão de 1993, a empregada da casa de José Inocêncio (personagem que foi de Antonio Fagundes e agora é de Marcos Palmeira). Além disso, ela finalizou as filmagens da 3ª temporada de "Arcanjo Renegado", do Globoplay.