'Isabella: O Caso Nardoni' acerta o tom, mas erra em ponto muito importante
Apesar de um prato cheio para os olhos ávidos por histórias chocantes em busca da próxima obsessão, os crimes que marcaram um país (e, mais do que isso, as vidas de muitas pessoas) são sempre um ponto delicado de se abordar em uma produção, seja ficção ou documental, que se aventure a abocanhar um quinhão do sucesso que é o "true crime".
Com "Isabella: O Caso Nardoni", já disponível na Netflix, os diretores acertam o tom da delicadeza e do respeito ao tratar as dores de familiares, mas escorregam na incapacidade de escolher uma linha narrativa.
O documentário, dirigido por Claudio Manoel e Micael Langer, conta com fortes depoimentos de Ana Carolina, Rosa e Giovanna Oliveira — respectivamente mãe, avó e prima de Isabella —, ponto alto da emoção. As três se dispõem a compartilhar as recordações de Isabella e de todo o julgamento de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni. Uma mensagem simbólica de resiliência e determinação.
Neste sentido, de mostrar os bastidores do que a família viveu enquanto era bombardeada por informações, laudos policiais e pedidos de entrevista de repórteres de todo o Brasil, o documentário ganha bastante força, ao abrir as portas para um lado que, de fato, não foi visto em 2008. Sem a contribuição dos familiares, no entanto, nada disso seria possível.
Por outro lado, ao tentar contar algo que vá além do relatado pelos noticiários e fazer um comentário tópico sobre a cobertura e os desdobramentos do caso, dá suas derrapadas.
Em determinado momento, ele aponta o quanto a presença da mídia foi exacerbada e caiu para o lado do sensacionalismo, com promotor se tornando celebridade, repórteres pressionando por um veredito antes mesmo de um julgamento e populares tomando as ruas em frente ao fórum, à delegacia e ao condomínio do crime clamando por justiça.
Em outro ponto, o documentário relata as inconsistências do laudo pericial, e mostra em quais ocasiões determinadas informações parecem ter sido forjadas ou adequadas para se encaixarem em uma narrativa específica da acusação. Depois, aponta uma possível depressão pós-parto de Anna Carolina Jatobá e uma relação de poder desigual entre ela e Alexandre Nardoni no relacionamento.
Todos esses tópicos são riquíssimos em argumentos e possibilidade de debate, mas nenhum deles é abordado com o tempo e a profundidade que todos merecem. O comentário sobre a presença da mídia, o mais destacado entre os três citados acima, é talvez o que recebe mais tempo de tela, mas falta uma análise mais pungente que não fique apenas na recordação do caso, e que possa tecer uma conexão com o que vemos hoje em coberturas de tragédias.
Já quanto aos demais pontos, o que o documentário faz é apenas uma introdução breve, que talvez desperte em alguns espectadores a vontade de saber mais sobre os temas com os livros escritos por criminalistas entrevistados para o filme.
Mesmo assim, "Isabella: O Caso Nardoni" consegue equilibrar de forma aceitável os erros e os acertos. Com uma série, é possível que muitos desses incômodos fossem sanados.
Em termos de formato, ainda há muito a evoluir sobre como recontar histórias de crimes chocantes sem cair na armadilha de apenas resumir e relembrar o que já se sabe. Ainda que não seja perfeito, "O Caso Nardoni" parece estar no caminho certo.
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