Sem dublar, ele criou império com a 'versão brasileira Herbert Richers'

Se você assistia a filmes e desenhos dublados na televisão aberta, certamente escutou muito a frase "versão brasileira Herbert Richers". O jargão, muito popular entre os anos 1970 e 2000, fazia referência a um dos mais importantes estúdios de dublagem que o Brasil já teve.

Fundado pelo homônimo Herbert Richers, o estúdio foi inaugurado no Rio de Janeiro na década de 1950 e chegou a dublar 70% dos filmes que passavam nos cinemas.

Mas você sabia que Richers nunca foi dublador? Na verdade, ele era o empresário por trás de todo o negócio, mas a voz das telas era dos dubladores contratados, principalmente Ricardo Mariano — que gravou o bordão da "versão brasileira" por décadas.

Hoje, no entanto, o prédio dos estúdios foi demolido, anos após sofrer um incêndio em um momento em que já não estava mais em atividade.

O início de tudo

Herbert Richers tem ascendência alemã e nasceu em Araraquara (SP). Segundo o jornalista Gonçalo Junior, autor do livro "Versão Brasileira Herbert Richers" (Criativo, 2014), ele "era um cara alto, de 1,85 m e bem magro".

O contato de Herbert com o universo audiovisual começa quando ele se muda para o Rio de Janeiro. Lá, ele mora com o tio, um documentarista, e começa a trabalhar com fotografia. A partir daí, Herbert também começa a atuar com os cinejornais, que informavam aos frequentadores de cinema as principais notícias da semana antes de iniciar as sessões dos filmes.

No decorrer do tempo, ele decide criar o seu próprio cinejornal, o "Jornal da Tela", aumentando a produção para que, em menos de um mês, ao menos as capitais do Brasil já tivessem rodado as gravações.

Segundo Gonçalo Junior, naquela época era muito comum que os vídeos chegassem a algumas cidades em meses ou anos, deixando as notícias velhas demais. "Você via um gol de um time de futebol três meses depois", explica o jornalista.

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Herbert Richers e o ex-presidente Juscelino Kubitschek
Herbert Richers e o ex-presidente Juscelino Kubitschek Imagem: Arquivo pessoal/Herbert Richers Jr.

Além dos cinejornais, Herbert também se aventurou na produção de filmes nacionais, como o sucesso "O Assalto ao Trem Pagador" (1962), que integrou a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

Ele ainda participou das gravações da construção de Brasília e chegou à dublagem por um encontro em especial.

A ascensão

Encontro com o Walt Disney muda os rumos da vida de Herbert Richers. Em 1940, Disney vem ao Brasil e precisava de um cinegrafista para fazer imagens do Rio de Janeiro. Herbert, que já falava inglês na época, assume a função. A partir desse encontro, os dois começam a estreitar os laços.

Visita aos estúdios da Disney inspira criação de produtora. Anos depois, Herbert vai aos Estados Unidos conhecer as instalações da Disney e recebe a sugestão de dublar os seriados da empresa para a TV no Brasil.

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Em 1965, ele começa com a dublagem de produções e essa se torna a principal atividade. Além das produções internacionais, também era comum gravar as nacionais, já que até os anos 60, não havia tecnologia de captação simultânea de imagem e som.

Herbert Richers criou um dos principais estúdios de dublagem do Brasil
Herbert Richers criou um dos principais estúdios de dublagem do Brasil Imagem: Arquivo pessoal/Herbert Richers Jr.

A primeira obra internacional a ser dublada é "Zorro", para a TV Tupi. A partir daí, os estúdios de Herbert Richers se desenvolveram em um país em que a televisão começava a se tornar mais presente nas casas brasileiras. Na Rede Globo, o jargão de Herbert ganhou destaque especialmente no "Tela Quente".

Mais tarde, ele contou que Roberto Marinho [da Globo] disse para ele que ele era o único empresário que anunciava de graça na emissora em horário nobre. Jornalista Gonçalo Junior

No início dos anos 1970, ele é o principal nome da dublagem no Brasil. Nessa época, Herbert Richers fica conhecido como o responsável por profissionalizar a dublagem no país. O clássico "As Aventuras de Tom e Jerry", por exemplo, foi uma das animações que os estúdios dublaram.

Todos os dubladores tinham carteira assinada. Ele até me falou que não achava justo pagar os encargos trabalhistas e ter trabalhadores sem amparo da legislação. Ele era um bom patrão. Gonçalo Junior

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A voz famosa

Os responsáveis eram o radialista Ricardo Mariano e, depois, o locutor Márcio Seixas. Segundo Herbert Richers Jr., Ricardo foi quem passou mais tempo emprestando a voz para o jargão dos estúdios nas produções. Ele trabalhou na empresa por mais de 20 anos — encerrando as atividades no início dos anos 1990.

Ele ficou até começar a dar problema nas cordas vocais, o que foi uma pena. Depois, o Márcio Seixas entrou para fazer a abertura. Herbert Richers Jr.

O declínio

7.abr.2015 - Estudantes do curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) garimpam materiais abandonados no terreno em que funcionava o estúdio de dublagem Herbert Richers
7.abr.2015 - Estudantes do curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) garimpam materiais abandonados no terreno em que funcionava o estúdio de dublagem Herbert Richers Imagem: Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

No início dos anos 2000 os estúdios começam a enfrentar problemas financeiros. Segundo Herbert Richers Jr., o pai contratava dubladores sob contrato, ao invés de fechar acordos por projetos.

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Tinham mais de 500 pessoas na época da dublagem. Como não tinham exclusividade, às vezes o elenco era escalado, mas o profissional acabava indo trabalhar em outro estúdio, onde ganharia mais. Herbert Richers Jr.

Herbert Richers resistia em mudar o esquema de contratação, segundo o filho. O pai utilizou as economias pessoais para manter a companhia aberta.

Poderíamos ter mantido aberta, mas acumularíamos uma dívida insolúvel. Era uma época em que tinha muita TV aberta, a dublagem tinha caído muito, diferentemente de agora, que a demanda é maior. Herbert Richers Jr.

Morte de Herbert Richers em 2009 declara fim dos estúdios. O empresário morreu aos 86 anos e as atividades dos estúdios foram encerradas.

Anos mais tarde, um incêndio destruiu o edifício onde um dia foram os estúdios. Em novembro de 2012, o prédio em que funcionava o estúdio, no bairro da Usina, zona norte do Rio, pegou fogo. Na época, o Corpo de Bombeiros informou que a provável causa do incêndio foi o acúmulo de material inflamável no prédio, já que após a desativação das atividades não houve manutenção. O prédio havia passado por um leilão.

Na época, o acervo já estava na cinemateca. O que se perdeu no incêndio foi uma matriz de filmes dublados. Foi um incêndio pequeno. Herbert Richers Jr.

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Fachada de estúdio que foi demolido
Fachada de estúdio que foi demolido Imagem: Reprodução

O imóvel foi então demolido. Ele tinha uma área cerca de 10 mil m², com os estúdios de audiovisual e dublagem, e ficava na região da Usina, no bairro da Tijuca.

O maior legado dele é o da indústria cinematografia. Ele era um homem que acreditava nisso em uma época que não tinha lei nenhuma. Era do dinheiro do bolso. Quando veio a ditadura, ficou ainda mais complicado, tinha que refazer os filmes. E ele se conseguiu manter assim durante anos. Ele teve o mais bem-sucedido negócio de dublagem na América Latina. Herbert Richers Jr.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Ricardo Mariano (e não Carlos Mariano) foi quem passou mais tempo emprestando a voz para o jargão. O texto foi corrigido.
  • Herbert Richers nasceu em Araraquara e não em Ribeirão Pires, como foi informado anteriormente. O texto foi corrigido.

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