Por onde anda Geraldo Vandré, autor do hino cantado em protesto em Israel?
De Splash, em São Paulo
24/08/2023 08h14Atualizada em 24/08/2023 08h34
"Para Não Dizer Que Não Falei Das Flores", de Geraldo Vandré, 87, virou hino de protesto em Israel. Os manifestantes entoaram uma versão em hebraico da música contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
A canção foi um hino de resistência contra a ditadura militar na década de 60 no Brasil. Outra música de Vandré usada para o mesmo fim foi "Disparada".
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Mas por onde anda o compositor?
Vandré se afastou da vida pública após voltar do exílio nos anos 70. Viveu quase 40 anos num apartamento no centro de São Paulo, mas hoje mora com a irmã, no Rio de Janeiro — como revelado pela Folha de S. Paulo em junho.
O artista tem como forma de sustento a aposentadoria de quando trabalhou na Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) e o rendimento de seus direitos autorais.
O paraibano de João Pessoa foi exilado ainda em 1968, com a outorga do AI-5. Ele ficou exilado em países da América do Sul e da Europa.
Quando retornou ao Brasil, em 1973, parecia ter mudado radicalmente de posicionamento: em entrevista ao Jornal Nacional (Globo), afirmou que suas músicas não tinham o objetivo de fazer denúncias contra a ditadura e defendeu o regime.
Telé Cardim, amiga de Vandré, disse em entrevista à revista Trip em 2010: "Ele foi convencido, essa parte é nebulosa mesmo e só ele sabe. Ele estava muito amargo quando voltou, em depressão mesmo. Acho que deve ter sido torturado no Chile".
Ele sempre disse que nunca foi torturado, e reafirmou isso à Folha. "Nem preso eu fui", declarou.
No entanto, o biógrafo Vitor Nuzzi levanta em seu livro a hipótese de que a entrevista foi uma condição para que o regime militar permitisse o retorno de Vandré ao Brasil.
Vandré passou a morar num quartel da Força Aérea Brasileira e compôs a música "Fabiana" em homenagem à Aeronáutica. Até hoje, em suas raras aparições públicas, ele costuma usar o logo da FAB num boné ou na camisa.
Jair Rodrigues, intérprete de "Disparada", reencontrou Vandré nos anos 80. À revista Trip, ele relembrou:
Eu cheguei todo animado e disse: 'Vandré'. Aí ele me olhou e falou: 'Eu sou o Geraldo Pedrosa, o Geraldo Vandré morreu em 1968'.
Seu último show como Geraldo Vandré foi em 1982, no Paraguai. Depois, subiu ao palco em raríssimas ocasiões: em 1995, em São Paulo, num evento organizado pelo IV Comando Aéreo Regional (IV COMAR), em 2014, quando a cantora estadunidense Joan Baez veio ao Brasil pela primeira vez desde que foi proibida de se apresentar aqui pelo regime militar, e em 2018, quando foi homenageado no Festival Aruanda em João Pessoa por seu trabalho na trilha sonora do filme "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1985). Na ocasião, disse à plateia: "Desde 1968 que praticamente não canto no Brasil, canto aqui porque é a Paraíba".
Na entrevista à revista Trip em 2010, Telé Cardim disse que o amigo estava lúcido, apesar de isolado: "Ele vive do jeito dele, com a aposentadoria de quando trabalhava na Sunab. Vive de uma maneira muito simples, com pouco dinheiro. Ele cozinha, lava suas roupas e frequenta aqueles restaurantes populares perto do prédio dele, mas sabe cuidar de si e até faz exercícios em casa".
À Folha, em junho, Vandré disse que ficou viúvo há dois anos. "Não tem nada de reclusão, estamos aqui conversando", afirmou.
Ele não quis opinar sobre Lula ou Bolsonaro e negou ser "cantor de protesto": "Isso é uma alienação. Cantor de protesto é americano. Eu fazia música brasileira".
Sobre a vida "misteriosa", ele disse que a própria imprensa construía essa imagem: "A gente só coloca uma lenhazinha na fogueira".
O que faço hoje é ver televisão, dormir muito e comer bastante. Geraldo Vandré à Folha em junho de 2023