Livros no Centro: Leitor acha por acaso em sebo livro do pai, já falecido

Depois de uma série de coincidências inusitadas, e de uma ajudinha do cantor e compositor Martinho da Vila, o engenheiro Sérvulo Barros topou em um sebo no Rio de Janeiro com uma edição de "A Invasão do Mar", obra do escritor francês Júlio Verne, que havia pertencido ao seu pai, já falecido.

A história, que se passou em janeiro deste ano, abre o terceiro episódio do podcast Livros no Centro, uma produção da Livraria Megafauna com distribuição do UOL (você pode ouvir o programa completo no arquivo acima).

Sérvulo, que mora na Barra da Tijuca, estava de passagem pelo sebo e livraria Lima Barreto, localizado em Ipanema, do outro lado da cidade. Foi quando avistou o livro na vitrine e pediu para folheá-lo. Ele nem desconfiava que o gesto traria memórias de seu passado familiar de volta.

Aqui entra a amizade de Sérvulo com Martinho da Vila, que também deriva de uma grande coincidência, e influenciou diretamente no enredo desse caso. O pai do engenheiro era um grande fã do cantor, muitos de seus discos fizeram parte da trilha sonora familiar.

A vida seguiu, meu pai sempre idolatrando ele. Uns 25 anos atrás, nós morávamos em Vila Isabel em um apartamento e minha esposa descobriu uma casa à venda em um condomínio. Fomos ver a casa, ficamos apaixonados, de quem que era a casa? Do Martinho da Vila! Então aquilo para mim já foi um reencontro com um passado do meu pai. Relembra Sérvulo (ouça a partir de 05:10)

Martinho da Vila, que também é escritor, tornou-se amigo próximo de Sérvulo e de sua esposa, Iris, e foi o responsável por apresentá-los a Benjamin Magalhães, livreiro e proprietário da Lima Barreto. Poucos dias antes da visita do casal à livraria, Benjamin colocou o livro de Verne na estante, pois era janeiro, mês de férias, e aquela era uma estante temática de viagem.

Sérvulo saiu por um instante para fumar, viu a capa vermelha de "A Invasão do Mar" e pediu para ver a edição. Olhou a capa, devolveu para Benjamin, pediu para ver de novo e só aí encontrou uma dedicatória endereçada ao pai. "Sendo muito sincero, até hoje não consigo entender bem [o que aconteceu]. Foi um movimento do universo" (ouça em 12:28).

Já a segunda história deste episódio narra certa saia-justa entre o escritor Marcelo Maluf, à época no início de sua trajetória literária, e uma das principais escritoras da literatura brasileira.

A relação de Marcelo com os livros começou na Biblioteca Municipal de Santa Bárbara do Oeste. Foi lá que na adolescência ele foi apresentado a autores que viraram suas grandes referências, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Lygia Fagundes Telles, Mário de Andrade (ouça a partir de 16:36).

Recém-chegado à capital paulista, Marcelo costumava passear por sebos e livrarias do centro da cidade. Num deles, encontrou uma edição rara de "O Jardim Selvagem", obra de Lygia Fagundes Telles publicada em 1965. O escritor levou a obra para casa sem ter dimensão da preciosidade do exemplar.

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Depois de assistir a uma palestra da autora no auditório do jornal Folha de S.Paulo, Marcelo dirigiu-se a ela para pedir um autógrafo. E aí começa um dos mais singulares cabos de guerra de que se tem notícia na literatura brasileira, como ele conta a seguir.

"Ela olhou para a edição e falou: 'Menino, essa edição é muito antiga, onde você conseguiu comprar isso?'. Eu falei: 'Comprei em um sebo.'. 'Nossa, que raridade, nem eu tenho essa edição'", disse Lygia a Marcelo e, segundo ele, várias vezes ela insinuou que queria para ela a edição rara do próprio livro (ouça a partir de 22:00).

Depois de alguns segundos de um cordial puxa de lá, agarra de cá, como ele lembra, Marcelo conta que Lygia assinou sua edição.

Você pode ouvir mais sobre o encontro entre eles no terceiro episódio do podcast Livros no Centro, que tem apresentação de Rita Palmeira, curadora da Livraria Megafauna, e Flávia Santos, livreira e coordenadora da loja. O livreiro Melvim Brito também participa deste episódio.

Você pode ouvir o podcast quinzenal --publicado sempre às quartas-feiras-- em Splash, no YouTube, no Spotify ou em sua plataforma de áudio favorita.

Lista de livros citados no episódio 3:

"A Menina e a Lua Inventada", Iris Barros (Autografia)
"A Invasão do Mar", Júlio Verne (fora de catálogo)
"Cantares de Perda e Predileção", Hilda Hilst (em "Da Poesia", Companhia das Letras )
"O Jardim Selvagem", Lygia Fagundes Telles (em "Os Contos", Companhia das Letras)
"A Imensidão Íntima dos Carneiros", Marcelo Maluf (Faria e Silva)
"Os Últimos Dias de Elias Ghandour", Marcelo Maluf (Faria e Silva)
"Quando o Sol Aqui Não Mais Brilhar: A Falência da Negritude", Castiel Vitorino Brasileiro (N-1)
"Só Garotos", Patti Smith (Companhia das Letras, Alexandre Barbosa de Sousa)
"Verdade Tropical", Caetano Veloso (Companhia de Letras)
"Lavoura Arcaica", Raduan Nassar (Companhia das Letras)
"Um Copo de Cólera", Raduan Nassar (Companhia das Letras)
"Menina a Caminho", Raduan Nassar (Companhia das Letras)
"Lua na Jaula", Ledusha (Todavia)
"Helena Ignez, Atriz Experimental", Pedro Guimarães e Sandro de Oliveira (Edições Sesc São Paulo)
"Luz del Fuego", Javier Montes (Fósforo, trad. Silvia Massimini Felix)
"Underground: Luiz Carlos Maciel", Claudio Leal (org.) (Edições Sesc São Paulo)
"Lições", Ian McEwan (Companhia das Letras, trad. Jorio Dauster)
"Febre de Cavalos", Leonardo Padura (Boitempo, trad. Monica Stael)
"O Negro Visto por Ele Mesmo", Beatriz Nascimento (Ubu)

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