O que é a 'Netflix cristã' que está por trás do filme mais polêmico do ano?
A Angel Studios surgiu em 2021, mas se tornou assunto recorrente apenas em 2023. A empresa detém os direitos de distribuição de "Som da Liberdade", filme que chegou ontem aos cinemas brasileiros e vem causando polêmica, seja por uma suposta ligação com teorias da conspiração, ou por ter o seu principal personagem envolvido em denúncias de abuso sexual.
O longa retrata a história de Tim Ballard, um ex-agente da Inteligência dos EUA que larga seu trabalho para ir até a Colômbia para salvar crianças em situação de escravidão e vítimas do tráfico de pessoas.
Inicialmente, "Som da Liberdade" era da Fox, mas depois que a empresa foi comprada pela Disney, o lançamento foi cancelado. Foi então que a Angel obteve os direitos por US$ 5 milhões, cerca de R$ 24 milhões. Até o momento, sua bilheteria mundial ultrapassou US$ 210 milhões, mais de R$ 1 bilhão.
Modelo de negócios
A Angel Studios arrecadou mais de US$ 10 milhões em pré-venda de "Som da Liberdade" por meio de financiamento coletivo e o pagamento antecipado de ingressos.
"Compre seus ingressos hoje mesmo e você poderá enviar a mensagem de que os filhos de Deus não estão mais à venda", diz o protagonista Jim Caviezel ao final do trailer oficial.
Já o conteúdo disponível na plataforma pode ser consumido de graça.
O estúdio utiliza financiamento coletivo para pagar suas produções originais, oferecendo aos investidores individuais a oportunidade de comprar ações da empresa e seus títulos. Alguns títulos também estão disponíveis em outros serviços de streaming de terceiros como acordos de distribuição.
O título de maior sucesso duziu por meio de financiamento coletivo foi "The Chosen", uma releitura da narrativa religiosa de Jesus Cristo, mostrando seus discípulos, a cura dos necessitados e o sacrifício pelo bem da humanidade.
"The Chosen" foi o maior projeto de entretenimento com financiamento da história, com US$ 10,3 milhões de arrecadação. Em março deste ano, "David", também da Angel Studios, superou essa marca e arrecadou US$ 49,7 milhões em investimentos.
O Washington Post chama a plataforma de "versão cristã da Netflix", com luzes angelicais em seus títulos gratuitos como nos bíblicos "His Only Son" e "Testament".
A história
A Angel Studios surgiu em 2021, como resultado de recuperação judicial da VidAngel após um processo de quatro anos movido por grandes estúdios de entretenimento.
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Quero receberA VidAngel foi criada 2014 pelos irmãos Neal Harmon, Jeffrey Harmon, Daniel Harmon e Jordan Harmon, e também Benton Crane.
Segundo Neal Harmon, os irmãos queriam poder exibir qualquer filme para seus filhos sem se preocupar com material explícito.
Por isso, a VidAngel fornecia um serviço de filtragem que permitiu aos espectadores pular ou silenciar cenas que não queriam assistir em produções exibidas, permitindo que os espectadores definissem filtros personalizados para violência gráfica, nudez e palavrões.
Em 2016, a empresa foi processada por vários grandes estúdios de Hollywood por violações de direitos autorais, acusando o serviço de streaming de conteúdo não licenciado
Um acordo foi feito em 2020 e, como resultado do processo, os irmãos Harmon decidiram vender o serviço de filtragem e, em vez disso, focaram na produção de conteúdo original.
Polêmica
Com as acusações que "Som da Liberdade" era conectado com teorias da conspiração, a Angel Studios emitiu várias notas negando qualquer envolvimento.
Qualquer pessoa que tenha visto 'Som da Liberdade' sabe que não tem nada a ver com teorias da conspiração.
Nota emitida pela Angel Studios.
A teoria apoiada pela extrema-direita nasceu de alguém que disse ter acesso a documentos confidenciais do governo norte-americano. Criada em 2017, ela alega que pedófilos adoradores do diabo trabalham para o governo dos Estados Unidos. Os apoiadores foram responsáveis pelo Ataque ao Capitólio em 2021, e acreditam existir uma rede de tráfico sexual de crianças que conspirou contra Donald Trump.
Tim Ballard negou qualquer ligação do filme com QAnon e já disse que as teorias compartilhadas pelos apoiadores são infundadas. A Angel Studios também negou que o filme apoia teorias da conspiração.
A OUR também soltou um comunicado ao The Independent no qual rechaça ligações com o QAnon. "A Operation Underground Railroad concentra-se nos problemas de tráfico humano que sabemos que existem, e não tolera teorias. Não somos afiliados a nenhum grupo conspiratório, incluindo QAnon, de forma alguma. Informações precisas sobre a exploração infantil e o tráfico de seres humanos são necessárias para enfrentar de maneira eficaz estas questões."
No entanto, Caviezel foi a uma conferência afiliada ao QAnon em 2021 e, durante sua participação, disse que Ballard estava "salvando crianças" da "adrenochroming", uma teoria da conspiração que afirma que os traficantes drenam o sangue das crianças para colher uma substância que melhora a qualidade de vida.
Uma das primeiras polêmicas surgiu ao mostrar a narrativa do longa como verdadeira. É real e comprovado que o roteiro tem como personagem principal Tim Ballard, o ex-agente que existe. Ele fundou a Operation Underground Railroad (OUR), uma organização sem fins lucrativos que atua na luta anti-tráfico de pessoas.
No entanto, diversos veículos internacionais contestam os relatos de Ballard e da OUR, o que implica na veracidade das ações retratadas no longa. A imprensa norte-americana avalia que a entidade descreve as ações como muito heroicas, quase que fora da realidade.
O ex-agente se defendeu. "Algumas coisas são definitivamente exageradas. [Como o fato de Jim Caviezel] me fazer parecer muito mais legal do que sou, por exemplo", disse em entrevista a The Victory Channel
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