Caso real de sequestro de avião no Brasil tenta ser novo passo do cinema
Era 29 de setembro de 1988 quando o voo 375 da Vasp, que partia do Aeroporto Internacional de Porto Velho, em Rondônia, rumo ao Galeão, no Rio de Janeiro, foi sequestrado por um dos passageiros em seu trajeto final. O sequestrador, Raimundo Nonato Alves da Conceição, ordenou o desvio da rota para Brasília quando a viagem estava em seu último trecho, partindo de Belo Horizonte (MG).
O objetivo? Colidir a aeronave com o Palácio do Planalto para matar o então presidente da República, José Sarney.
35 anos depois, "O Sequestro do Voo 375" chega aos cinemas sob olhar do diretor Marcus Baldini. Focado nos desafios do piloto Fernando Murilo de Lima e Silva e as manobras realizadas por ele para desestabilizar o sequestrador, o filme promete algo jamais visto antes no cinema nacional.
Splash visitou o set de filmagens do longa nos históricos estúdios Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (SP), e viu de perto o tamanho da estrutura construída para recriar o interior do avião.
Em termos práticos, o que havia nos estúdios era um Boeing em tamanho real, desmontando em duas partes, para facilitar as filmagens na cabine e no restante da aeronave, onde estavam os passageiros e a maioria da equipe de tripulação. As duas partes do avião estavam equilibradas sobre gigantescas estruturas cilíndricas que permitiam realizar os giros, parte de um dos investimentos mais ambiciosos da história recente do audiovisual brasileiro.
O sequestro entrou para a história do Brasil por ser um evento sem precedentes. Para tentar salvar os tripulantes, Fernando realizou um movimento chamado "tonneau", que consiste em um giro completo da aeronave em seu eixo longitudinal, seguido de uma queda em parafuso de 9 mil metros. O piloto sequer sabia se a aeronave sustentaria tudo isso sem partir ao meio.
Houve uma única fatalidade dentro da aeronave. Raimundo portava um revólver calibre 32, que usou para matar o copiloto Salvador Evangelista com um tiro na nuca. O profissional tentava realizar contato com o controle de tráfego aéreo, o que irritou o sequestrador.
"É um filme de ação em que você entra em situações que te levam a um estresse e uma adrenalina extremos", conta o ator Jorge Paz, intérprete de Nonato, em entrevista a Splash. "Hoje estou bem sensível porque a última semana de filmagens foi intensa, e o corpo cobra. Mas estou feliz."
Para entrar na pele do personagem, Paz evitou pesquisar muito a fundo a vida de Nonato. Segundo ele, trata-se de alguém com um nível de complexidade que não se encaixa em muitas comparações. "Procurei não pesquisar muita coisa externa. O roteiro já entrega bastante e não há muitas informações sobre ele", explica.
Ele é muito diferente de tudo, porque ele não era psicopata, ele não era bandido. Era um cara complexo que de repente vai para outro extremo e se torna um criminoso. Justamente por isso não há muitas referências dele.
Jorge Paz, sobre a preparação para viver Raimundo Nonato
Ação à brasileira
Uma das grandes preocupações de Baldini era imprimir uma identidade brasileira às cenas de tensão. "As pessoas têm referências de filmes americanos, feitos com trilhões de vezes mais de recursos. Então, ficamos sempre nesse lugar de comparação. Por mais que você se esforce, não vai chegar ao mesmo rebuscamento técnico", lamenta.
"Por outro lado, temos que pensar no que precisamos para contar a história, e temos algo muito brasileiro na construção de um herói que tenta salvar vidas", continua, citando o piloto Fernando Murilo. "Ele não está sendo apoiado por ninguém, é uma história de solidão, sobre pessoas abandonadas por um sistema."
Wagner Santisteban e Arianne Botelho, que interpretam dois comissários de bordo, concordam que a preparação para cenas de ação (e, mais especificamente, o momento das manobras em si) foi algo sem comparações. "Nós fizemos uma cena girando em uma cadeira normal porque, como comissários, nossa poltrona fica em outro lugar. E foi uma loucura, porque isso é em um avião de verdade! Foi uma coisa inédita, louca e maravilhosa", relata Wagner.
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Quero receberArianne relata que, no início, sentiu dificuldades para se conectar às emoções da personagem, mas depois as sentiu de forma intensa. "Eu pensei que, se estivesse acontecendo de verdade, eu relaxaria, aceitando a morte", revela. "E isso me assustou muito, e até minha pressão baixou. Depois fiquei bem, mas foi muito forte."
Momento político intenso
Inicialmente, "O Sequestro do Voo 375" foi concebido como um documentário, mas as pesquisas e entrevistas fizeram com que o projeto fosse transformado em um filme de ficção. "Para além da grandiosidade da ação da história, que já é de um gênero que atrai o público brasileiro, temos uma complexidade de personagens muito interessantes", contextualiza a produtora Joanna Henning, CEO do Estúdio Escarlate, que produz o filme em parceria com a LTC Produções e Star Original Productions.
Segundo ela, o contexto que une todos os personagens em uma teia psicológica tem a ver com sentimentos de traição. "Havia toda a negociação, a situação do Brasil pós-ditadura e pré-constituinte, o Sarney que havia acabado de assumir a presidência meio de para-quedas", enumera.
Há essa relação sempre de traição; o governo se sente traído pelo sequestrador porque a imagem do Sarney está abalada. O sequestrador se sente traído pelo governo porque ele perdeu todo o dinheiro dele e a população passa fome.
O Sarney é do Maranhão e o sequestrador também, e toda a população do estado se sente traída porque o Sarney não ajuda. O piloto em greve, foi afastado e se sente traído pela companhia aérea. Tudo isso, somado ao desespero, cria próteses na estrutura do roteiro que foi mostrando para nós que isso era uma história de cinema."
Como foi sequestro de avião e tentativa de ataque terrorista?
Raimundo Nonato Alves da Conceição, então aos 28 anos, entrou armado em um Boeing 375 da Vasp, planejando sequestrá-lo e forçar o desvio da rota para Brasília, visando atingir o Palácio do Planalto e matar o então presidente José Sarney.
Havia 98 passageiros e sete tripulantes a bordo. O copiloto, Salvador Evangelista, foi morto pelo sequestrador com um tiro na nuca ao tentar fazer contato com a torre de controle de Brasília.
Raimundo Nonato alegava que perdeu o emprego em virtude da crise econômica que assolava o país. Ele acreditava que Sarney era o responsável e, por isso, planejou o ataque.
O piloto conseguiu desviar a rota para Goiânia, onde a aeronave pousou e a Polícia Federal trocou tiros com o sequestrador. Nonato foi baleado e morreu dias depois em um hospital, como consequência dos ferimentos.
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