Esse conteúdo é antigo

Plano Geral: A solidão do homem gay no cinema de Pedro Almodóvar

Nesta semana, o Plano Geral discute o cinema de Pedro Almodóvar, o novo filme de Benicio del Toro, "Camaleões", além dos curtas de Wes Anderson e os destaques do Festival do Rio, que começa na próxima quinta-feira, e da Mostra SP, que ocorre de 19 de outubro a 1 de novembro.

Nos últimos 20 anos, Pedro Almodóvar se tornou o grande cineasta da solidão gay. O tema volta com força no curta "Estranha Forma de Vida", nos cinemas e, a partir do dia 20, na plataforma Mubi.

André Alves, psicanalista e criador do podcast Vibes em Análise, ajuda os apresentadores Thiago Stivaletti e Flavia Guerra a escavar esse lado dolorido da obra do mestre e faz uma análise sobre as angústias contemporâneas do mundo LGBTQIA+.

Na trama do curta, que fez sua estreia mundial no Festival de Cannes 2023, em maio, Pedro Pascal vive Silva e Ethan Hawke vive Jake, dois cowboys que viveram uma paixão há 25 anos e se encontram no presente, já na meia-idade. Os dois se reencontram em um contexto completamente diferente. Jake é agora o xerife de Bitter Creek e investiga um assassinato de uma mulher local, que ele deveria proteger.

Quando os dois se encontram, passam uma tarde de conversas, lembranças, jantam juntos e acabam juntos em uma noite de paixão. Na manhã seguinte, descobrimos que os dois estão conectados pelo crime e este reencontro não é somente um pretexto romântico.

"Achei o filme belíssimo. Fiquei bem surpreso. O tema do filme, um western gay, é muito bom", comentou André, que em Vibes em Análise gravou um episódio especial sobre a solidão gay. "Neste curta a gente vê este reencontro entre eles, já maduros, cada um carregando suas dores, na hora, me fez pensar neste episódio", comentou Thiago.

"Sim. Eu sempre falo de dois lugares, como pesquisador, em muitos grupos de pesquisa, muitas entrevistas, mas também como analista, dos seminários, das supervisões, mas também todos os dispositivos de que um analista lança mão", começou André dizendo que os episódios sobre a solidão gay no podcast são seus favoritos.

Primeiro porque tem isso que Thiago falou, de ser um assunto talvez pouco falado. A saúde mental da comunidade LGBTQIA+ nem sempre está em pauta. Fala-se muito em orgulho, empoderamento ou mesmo aceitação e empatia. Tem várias palavras grandonas que são usadas quando a gente fala sobre LGBTQIA+, mas, ao mesmo tempo, parece que as conversas sobre saúde mental, qual é o estado psíquico destas subjetividades não é super falado. André

Para ele, o filme de Almodóvar traz já em seu nome um ponto muito interessante. "É curioso como a tese do filme já vem nos primeiros minutos. Que estranha forma de vida essa? Fiquei pensando já de largada que o estranho não é necessariamente ruim", pontua.

Continua após a publicidade

Na entrevista com Almodóvar (que é exibida na sessão do cinema logo após o filme), ele faz esta provocação sobre o que é mais estranho: é a gente bancar nosso desejo ou reprimi-lo? E parece que os dois personagens, Silva e Jake, polarizam esta história. O Pedro (Silva) banca este desejo enquanto o Jake (Hawke) é um pouco mais resistente", analisa o psicanalista.

"Fico pensando em subjetividades dissidentes ou LGBT por este ângulo, porque são estranhas formas de vida. A gente gera bastante estranhamento. Eu sempre falo do lugar de um homem cisgênero, gay, branco. Mas nestes dois episódios a gente fala muito sobre como existe um paradoxo no orgulho, em toda a discussão sobre o orgulho que a gente vem levantando nos últimos anos", diz.

Muita gente lutou muito para a gente se orgulhar, mas, ao mesmo tempo, tem uma série de afetos que são mais negativos, ou mais densos, mais difíceis, que parecem ficar para baixo dessa superfície nessas conversas. André

Para André, o filme toca nestes pontos de dor com muita precisão. "O que a gente faz com a repulsa, com o nojo, com a vergonha, a repulsa, a culpa? O filme é tão curto e a gente tem esses afetos menos "bonzinhos". Menos de pontas arredondadas. Não é só uma história de amor. Até porque quando a gente fala de homens gays (o Lucas, meu sócio, e eu), a gente também fala de um desejo que é construído em cima da repulsa, da vergonha, do armário, do que é escondido E tudo isso faz parte das subjetividades", completa o psicanalista.

Thiago Stivaletti: "Eu adorei que André comenta que o curta faz com que a gente veja os sentimentos menos bonzinhos, que é tudo que a psicanálise adora. Eu, que estou estudando psicanálise, estou me formando, e isso é tudo que a psicanálise ama. E o cinema também, o bom cinema. Um bom cineasta como Almodóvar revira a questão do desejo de um jeito muito mais maduro que Hollywood".

Quando a gente vê o cinema dele, vê que o cinema norte-americano, pelo menos o que chega às grandes plateias, trata muitas vezes a questão do desejo de uma maneira quase infantil. São sempre histórias e conflitos mais superficiais. Thiago Stivaletti

Continua após a publicidade

"E chega um cineasta como Almodóvar que vai na dor. Em seu cinema, basta pensar na última obra-prima dele, que é "Dor e Glória", de 2019, tem muito sofrimento, tem paixão, tem sexo, tem dor, tem muito sofirintemo junto, que vem no pacote", conclui.

"Camaleões"

Na Netflix, o policial "Camaleões" constrói um climão tenso com ótimo roteiro e um elenco de peso: Benicio Del Toro, Alicia Silverstone, Justin Timberlake. Na trama, o ator vive Tom Nichols, um policial taciturno que investiga o assassinato de uma jovem corretora, especializada em vender grandes mansões.

Dirigido por Grant Singer, que assina seu primeiro longa depois de ter uma carreira de destaque no universo dos videoclipes, "Camaleões" tem uma trama bem construída, atmosfera densa e ritmo que nos transporta para um cenário em que nada é o que parece.

Eu confesso que policial não é meu gênero favorito. Gosto, mas não sou fã incondicional. E este filme me surpreendeu por trazer uma trama que vai além dos clichês do gênero. Ele se apoia muito na direção, no clima, gostei mesmo da atmosfera, o tempo passa devagar. É um filme de clima. E Benicio traduz isso muito bem em sua atuação enigmática. Flavia Guerra

"O Grant Singer já dirigiu uma galera muito talentosa da música, como The Weeknd, Lord. Toda galera que bomba de 2010 para cá, ele já dirigiu. Achei que ele ia acabar tendo um pouco um perfume de David Fincher que, antes de ser este super diretor, foi um grande diretor de clipes, como "Vogue", da Madonna, e depois virou este diretor de filmes policiais que a gente conhece bem. Mas ele tem uma assinatura muito própria. O filme tem um climão e tem silêncios, algo que a gente aprecia sempre no cinema", analisa Thiago.

Continua após a publicidade

Thiago também aponta que a escolha de Justin Timberlake, que já está com 50 anos, para viver o namorado da vítima, foi acertada. "Achei interessante que ele faz um papel completamente coxinha, careta. É engraçado vê-lo fora desta vybe de cantor, pop, gato", aponta ele. Flavia completa que, além de Justin, outra musa dos anos 90 e 2000 também surge em um papel diferente: Alicia Silverstone, eterna estrela de "As Patricinhas de Beverlly Hills" e de clipes do Aerosmith como "Crazy", surge aos 47 anos como a mulher suburbana de Tom Nichols.

"Ela e Benicio já estrelaram em "Excesso de Bagagem", de 1997, uma mistura de policial com comédia, em que Alicia faz uma patricinha que quer se vingar do pai e forja o próprio sequestro. Só que Del Toro rouba o carro e ela, claro, vai junto no bagageiro. Desnecessário dizer que vai ter toda uma comédia e os dois se apaixonam. Maravilhoso que um filme que já tem 27 anos, em que Benicio tinha 30 anos e ela tinha 21. A cumplicidade deles em "Camaleões" já vem daí", conta Thiago.

Wes Anderson estreia quatro curtas na mesma plataforma, com destaque para "A Maravilhosa História de Henry Sugar".

E O Festival do Rio começa nesta quinta com mais de 200 filmes. A Mostra SP começa já já e também comentamos alguns dos destaques, como a retrospectiva do italiano Michelangelo Antonioni, que assina, postumamente, o cartaz do evento neste ano.

Deixe seu comentário

Só para assinantes