Ele sequestrou um avião para jogar no Planalto e matar o presidente
Em 1988, o Brasil já havia saído da ditadura militar e era governado por José Sarney, vice que assumiu diante da morte de Tancredo Neves. As primeiras eleições diretas para presidente da República, no entanto, só ocorreriam no ano seguinte, e o país vivia um período de inflação galopante que só seria contida na década seguinte.
Foi neste contexto que, em 29 de setembro, um homem descontente e insatisfeito decidiu sequestrar um avião na tentativa de derrubá-lo sobre o Palácio do Planalto e matar Sarney.
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A tentativa de sequestro que terminou com uma morte e três pessoas feridas virou história de cinema. "O Sequestro do Voo 375" tem direção de Marcus Baldini ("Bruna Surfistinha") e a pretensão de reprisar em cena toda a tensão pela qual passaram os 98 passageiros e 7 tripulantes que estavam a bordo do voo da Vasp.
Como foi o sequestro?
O voo 375 da Vasp havia partido de Porto Velho, em Rondônia, com destino ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Havia quatro escalas no caminho: Cuiabá, Brasília, Goiânia e Belo Horizonte. O sequestro aconteceu no trecho entre BH e o Rio.
Raimundo Nonato Alves da Conceição, na época com 28 anos, embarcou no aeroporto de Confins levando consigo um revólver calibre.32 e mais de 90 balas como munição. Por volta das 9h, o maranhense foi andando até a cabine do comandante, e o comissário de bordo Gilberto Henhe tentou impedi-lo.
Neste momento, Nonato sacou a arma e deu um tiro que pegou de raspão o rosto e a orelha do comissário. Iniciava-se o sequestro que duraria horas.
Raimundo desferiu vários tiros contra a maçaneta da porta da cabine, segundo o acervo do jornal O Globo. O comandante, Fernando Murilo de Lima e Silva, pediu que o copiloto Salvador Evangelista abrisse a porta, para impedir que os tiros comprometessem o avião.
Murilo também enviou um código para o controle de tráfego aéreo para sinalizar o sequestro da aeronave e, neste momento, o copiloto Ronaldo Dias, que também estava no voo, foi atingido com um tiro na perna.
Raimundo queria desviar a rota do avião para Brasília, a fim de derrubá-lo sobre o Planalto. Segundo ele, Sarney era o responsável pela crise financeira e pelo desemprego que assolava sua família. O piloto alterou a rota, mas manteve o avião por horas acima das nuvens em Brasília, para que o sequestrador não conseguisse avistar a sede do governo ou qualquer lugar onde pudesse tentar derrubar o avião.
Em todo o sequestro, houve uma única morte. Em um momento de tensão, o Controle de Tráfego Aéreo tentou fazer contato com a tripulação através do rádio, após o código enviado por Murilo. Quando Salvador Evangelista abaixou-se para responder, Raimundo desferiu um tiro em sua nuca, que o matou na hora.
Sequestro foi controlado graças a manobra radical do piloto
Desesperado com o nível de combustível, que chegava ao fim, Fernando Murilo tentou uma manobra radical quando avistou o aeroporto de Goiânia. Ele tirou o avião do piloto automático, fez o "tonneau", um movimento que consiste em um giro completo da nave em seu eixo longitudinal. Em teoria, não seria possível fazer isso com um Boeing sem que o mesmo partisse ao meio.
O objetivo de Murilo era, com isso, fazer o sequestrador se desestabilizar e cair no chão, e assim conseguir pegar a arma, o que não aconteceu. Ele, então, partiu para a cartada final: derrubar o avião 9 mil pés em parafuso e pousar no aeroporto de Goiânia.
O parafuso funcionou, e Murilo conseguiu pousar por volta das 13h45, antes que o sequestrador recobrasse a consciência. No entanto, Raimundo se recuperou rapidamente e manteve o sequestro, pois o piloto não conseguiu retirar a arma de sua mão.
As negociações continuaram com a nave em solo, e Raimundo liberou os dois tripulantes que estavam feridos. No entanto, ele não desistiu de seu objetivo, e pediu uma segunda aeronave com combustível e tripulação, que pudesse levá-lo a Brasília.
Raimundo saiu do avião levando consigo Murilo e mais dois comissários de bordo, por volta das 18h, mas foi surpreendido por um atirador da Polícia Federal.
Raimundo foi atingido com três tiros, nas nádegas e nos rins, e conseguiu ainda acertar a perna do piloto quando este tentou correr. Todos os feridos foram levados ao hospital.
Cinco dias depois, Raimundo morreu de uma forma bastante questionada, uma vez que, segundo os boletins, ele estava fora de perigo. Conforme as autoridades, porém, o atirador morreu em virtude de uma anemia falciforme prévia e não diagnosticada.
Quem era Raimundo Nonato?
Nascido em Vitorino Freire, no Maranhão, Raimundo Nonato Alves da Conceição tinha 28 anos na ocasião do sequestro e era um homem solteiro e sem filhos.
Ele costumava trabalhar como tratorista, conforme o jornal Estado de Minas, e conseguia trabalhos ocasionais através da construtora Mendes Júnior, que tinha operações no Iraque. Diante da crise econômica, ele foi desligado e estava sem emprego.
Raimundo instalava-se em Belo Horizonte, pois havia uma pensão que servia de posto de recrutamento e alojamento para diversas empreiteiras, inclusive aquela para a qual trabalhava anteriormente.
Conforme entrevista do jornalista e pesquisador Constâncio Viana ao jornal O Globo, Raimundo passou um tempo se preparando para o sequestro. Ele teria feito várias viagens de ônibus e avião para testar a segurança, sempre levando consigo algum objeto de metal semelhante a uma arma de fogo.