Filme 'some' do cinema e produtora critica; associação cita decisão técnica

"Nosso Sonho" comemorou recentemente por acumular 150 mil espectadores, após cerca de duas semanas em cartaz. A celebração, no entanto, traz também um tom de denúncia. O filme que conta a história de Claudinho e Buchecha, estrelado por Lucas Penteado e Juan Paiva, foi cortado de 150 salas em sua segunda semana — tendo entrado em cartaz em cerca de 500 salas em todos os estados do país.

"Mesmo se mantendo na quarta posição em sua semana de estreia, 'Nosso Sonho' sofreu um corte de 150 salas na segunda semana", afirma o comunicado enviado à imprensa. "No momento, a maior parte dos cinemas que seguem com o filme em cartaz tem apenas uma sessão disponível, em horário vespertino, ou deixaram de exibir o longa no sábado e domingo."

Splash verificou que, na cidade do Rio de Janeiro, havia 67 sessões do filme disponíveis para esta sexta-feira (6), segundo o site de compras Ingresso.com. Em São Paulo, havia 16 sessões para o mesmo dia, e 18 para o sábado.

"O filme tem ganhado muito espaço no boca a boca e recebi dezenas de relatos de salas esgotadas ou queixas de falta de sessões em horários de fácil acesso, neste último final de semana. É muito triste ter esse retorno do público e nos ser negado espaço em tela", conta o produtor Leonardo Edde, da Urca Filmes.

Nosso Sonho, nossas telas

Em uma carta aberta assinada por Leonardo Edde e Felipe Lopes, sócio-diretor da distribuidora Manequim Filmes, os dois questionam a redução do circuito.

"Mesmo com a campanha seguindo forte, filmes que já tinham saído do circuito e já disponíveis em VOD —como 'Megatubarão 2'— tiraram espaço de Claudinho e Buchecha nas telas. Filmes como 'Besouro Azul' e 'A Noite das Bruxas' tiveram uma melhor programação de horários. 'Jogos Mortais X' entrou em cartaz em mais de 1000 salas, mesmo os últimos filmes da franquia tendo menos espectadores que obras brasileiras como 'Bacurau' ou 'Turma da Mônica - Lições'."

É preciso ter filmes fortes para trazer o público de volta às salas. Mas é preciso razoabilidade e equilíbrio para um filme ter oportunidade de encontrar seu público.
Leonardo Edde e Felipe Lopes

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Em entrevista a Splash, Marcos Barros, presidente da Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex), explica que considera a quantidade de salas um bom número.

"Nosso Sonho" entrou em cartaz no dia 21 de setembro em 465 salas em todo o país, o que é um bom número. Na primeira semana, entre quinta e domingo, a média nacional foi de duas sessões e meia por sala, com uma média de 10 pessoas por sessão. Na segunda semana, no mesmo período, houve uma queda de 42% do número de salas disponíveis. A título de comparação, o filme 'Mercenários' teve uma média de 36 pessoas por sessão. Mesmo com um desempenho melhor do que 'Nosso Sonho', teve uma queda de 38% no número de salas disponíveis."

Barros aponta para um quadro diferente no Rio de Janeiro, onde o filme registrou média de 55 pessoas por sessão, e queda de apenas 7% no número de salas para a segunda semana. "A decisão é técnica e baseada no desempenho individual de cada filme. No mundo todo, os programadores de cinema se baseiam em dados que mostram a demanda projetada para cada filme individualmente."

Como exibidores escolhem a distribuição de salas?

'Nosso Sonho' atingiu a marca de 150 mil espectadores em duas semanas
'Nosso Sonho' atingiu a marca de 150 mil espectadores em duas semanas Imagem: Klaus Vedfelt/Getty Images

O questionamento da equipe de "Nosso Sonho" chega no momento em que o debate sobre a cota de tela continua quente. Na noite da última terça-feira (3), a Câmara dos Deputados aprovou a prorrogação até 2031 do prazo para obrigatoriedade da exibição de filmes nacionais em cinemas brasileiros. A proposta, agora, vai para votação no Senado. A proposição, vale lembrar, foi suspensa em 2021.

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"Acusar os exibidores de boicotar o cinema brasileiro é querer tapar o sol com a peneira. Os exibidores não têm o poder de obrigar o público a assistir determinado filme", afirma Barros. "Nós colocamos o filme em exibição de acordo com as mesmas regras que usamos para os filmes estrangeiros e em comum acordo com os distribuidores, que são na realidade os representantes dos produtores."

"São ferramentas públicas como o Google Trends e também empresas especializadas, como o Gower Street Analytics", lista, ao esclarecer os critérios usados para entender oferta e demanda. "O objetivo do programador é atender a esta demanda, ou seja, colocar sessões de cada filme suficientes para que todos possam assistir ao seu filme preferido. Diferentemente do produtor e do distribuidor, que são remunerados ao longo de toda a carreira do filme (cinema, PVOD, streaming, TV paga, TV aberta, etc?) a única oportunidade para o exibidor se remunerar são os ingressos que ele vende durante as poucas semanas em que o filme fica em cartaz."

Para Edde e Lopes, no entanto, a redução de salas é uma discrepância. "Um mecanismo de proteção da indústria brasileira e de defesa do público — o poder de escolha dentre obras variadas, inclusive as que dialogam com sua realidade. Não se pode impedir o crescimento do público das obras brasileiras, situação já vivida por grandes títulos como 'De Pernas por Ar 3'. Somos parceiros dos exibidores, lutamos juntos por salas cheias. Precisamos estar unidos em uma política alinhada com a defesa de um cinema brasileiro forte, potente e de sucesso."

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