'Sem lugar para tristeza': como é viver e quem mora no Retiro dos Artistas?

Teatro, cinema, piscina, brechó, salão de beleza e 50 casas... Poderia ser a descrição de um bairro, mas é composição do Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. A instituição, conhecida por acolher artistas idosos em situação de vulnerabilidade, atende atualmente 48 residentes — entre atores, cantores, instrumentistas, produtores, figurinistas, maquiadores e outras profissões.

Nem sempre a decisão de ir morar na instituição está atrelada à falta de dinheiro. Questões familiares, problemas de saúde e, sobretudo, busca por qualidade de vida são outros fatores que levam artistas a viverem por lá. São 15 mil metros quadrados, refeitório, teatro, cinema, biblioteca, piscina e salão de beleza.

"A gente, na verdade, já atendeu pessoas que não têm problema financeiro, mas que estavam com problema psicológico ou que gostaria de estar perto dos colegas. Tem pessoas que vêm porque se sentem solitários... Damos literalmente casa, comida e roupa lavada", diz Cida Cabral, administradora do espaço.

Histórias de vida

Com 40 anos de carreira, o ator Jaime Leibovitch, 74, se mudou para o Retiro dos Artistas há quase três. É a opção que mais lhe agrada no momento para continuar a "batalha da vida", não só por questões financeiras, mas principalmente por não ter familiares vivos. Seu filho morreu em um acidente há cinco anos.

"A imprensa diz: 'Fulano foi parar no Retiro dos Artistas'. É terrível. Ninguém veio parar aqui. Parece que é a última escolha. Cada um decidiu... Também está ligado a um imaginário popular de que os artistas são riquíssimos e os que pararam aqui dilapidaram toda a sua fortuna. Já ouvi isso de motoristas de táxi que sempre me perguntam sobre a fortuna dos artistas. É um pensamento que chega a ser perverso."

Engana-se quem acredita que ir para o Retiro dos Artistas é o "fim da vida". Jaime reforça que segue apto para trabalhar, apesar de os convites terem reduzido — seu último papel na TV foi em "Cara e Coragem" (2022)."Ainda trabalho quando sou chamado. Trabalho aqui também, escrevo e leio muito. Estou escrevendo uma peça."

Sempre tive uma obsessão especial por uma vida frugal, simples e suficiente, uma vida mais comunitária e menos competitiva como aquela que a gente encontra na cidade, na zona sul. Vir para cá foi a coisa mais sábia que já fiz.

Jaime Leibovitch em cena de "Fina Estampa" (2011) com Ana Rosa e Renata Sorrah
Jaime Leibovitch em cena de "Fina Estampa" (2011) com Ana Rosa e Renata Sorrah Imagem: Reprodução / Internet
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Edivergenes Cardoso, 88, mais conhecido como Buca, também se mantém na ativa. O radialista ama narrar jogos dos times cariocas no estádio do Maracanã para a Rádio Web Total. Viúvo há quase trinta anos, ele trocou a casa do filho pelo Retiro dos Artistas há cinco anos. "Tinha todo o suporte e o carinho dele, da minha nora e dos netos... Às vezes, no final de semana, eu vou para lá. Ele vem aqui. Não tem abandono", frisa ele.

É uma fraternidade. Temos de tudo aqui, incluindo um plano de saúde fantástico, um presente de Papai do Céu, além dos vizinhos. Tenho o Seu Jaime, o Rubens, o Seu Ari — eu o chamo Mago do Violão. Nós temos várias modalidades do mundo artístico aqui... Temos um teatro, um cinema, recebemos apresentações do Theatro Municipal e também somos convidados para atividades fora do Retiro. Temos a alegria no sangue.

O radialista Buca em frente a sua casa no Retiro dos Artistas
O radialista Buca em frente a sua casa no Retiro dos Artistas Imagem: Filipe Pavão/UOL

Quem vem dos bastidores do mundo das artes também tem espaço no Retiro dos Artistas. Vera Moraes, 80, foi assistente de produção teatral e trabalhou a vida toda com a tia, a atriz Dulcina de Moraes. Ela chegou ao retiro há 13 anos para cuidar da prima Sônia de Moraes, que vivia lá e faleceu logo depois.

"Ela partiu, mas eu fiquei. Gostei daqui. As pessoas precisam entender que aqui há vida, alegria e muito conhecimento, que a gente traz ou que aprende aqui dentro... Sem falar de todo o conforto e tranquilidade para a gente que tem uma idade avançada, somos bem amparados."

Dona Vera mora na casa 1 da Rua Nair Bello com a fiel escudeira, a Maju, uma vira-lata preta que late para quem se aproxima, mas não morde. Pelo contrário, é muito carinhosa. A ex-assistente de produção, que trabalhou durante 23 anos em Brasília (DF), adora se conectar ao mundo por meio do computador.

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"As nossas casas são bem jeitosas, com sala, quarto, cozinha, banheiro e varanda. Todo o conforto... Temos visitas de outros artistas que vem fazer espetáculos e shows para a gente. Nós somos ativos. Temos sempre alguma ocupação aqui. Sem espaço para tristeza."

E quem mais vive lá? Entre os moradores ilustres, estão os atores Paulo Cesar Pereio, Rui Resende, Bida Nascimento, Leonardo Thierry, Claire Digonn, Fernando Wellington e Silvio Pozatto, o compositor Tony Bahia, o violonista Rubens Serrano, o artista plástico Fernando Otero e a pianista Sandra Corrêa.

Fachada de casa no Retiro dos Artistas
Fachada de casa no Retiro dos Artistas Imagem: Divulgação

Como é mantido o Retiro dos Artistas?

Instituição de longa permanência para idosos, o Retiro dos Artistas é mantido principalmente por doações — pelo site oficial, é possível doar por cartão de crédito e Pix. Quem preferir também pode colaborar enviando roupas, alimentos, móveis e eletrodomésticos. Trabalho voluntário também é bem-vindo. Residentes que têm condições contribuem com valores mensais.

A manutenção mensal dos serviços oferecidos pelo espaço custa cerca de R$ 200 mil. Nem sempre esse valor é atingido, principalmente em momentos de crise econômica. Por isso, a organização também recorre a eventos beneficentes como a tradicional Festa Junina.

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"Quanto mais qualidade de vida se oferece, mais custo se tem. A gente não recebe ajuda do governo. A gente vive de doações da classe artística e do povo do Rio de Janeiro que conhece o nosso trabalho e a nossa luta... A gente passa por dificuldades, tem mês que não consegue cobrir todas as defesas. Vai dançando conforme a música, mas sem deixar a peteca cair, nem passar os problemas para os idosos. Estão aqui para descansar e ter qualidade de vida", completa Cida.

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