Daniela Mercury sobre 10 anos de casamento: 'Demos coragem pra muita gente'
"[Sentia] Um amor imenso e uma intensa paixão e, ao mesmo tempo, sabia que aquele era um ato político que precisava de coragem". É assim que a cantora Daniela Mercury, 58, descreve o dia 12 de outubro de 2013, data em que se casou com a jornalista Malu Verçosa.
Dez anos depois, em entrevista a Splash, Daniela Mercury se emociona a falar da esposa, com quem tem três filhos — elas adotaram Marcia, Alice e Ana Isabel um ano antes de formalizarem o casamento. Dez anos de comprometimento entre duas leoninas, sem se desgrudar uma da outra e de muitas canções inspiradas pelo amor, garante a baiana.
Não sei quem sou hoje sem ela, eu não teria mudado o mundo sem ela, não do jeito que a gente mudou. O amor mudou o mundo. E eu cresci muito como pessoa, aprendi tanta coisa, são dez anos de intensa relação, com três filhas.
Daniela Mercury
Mesmo com décadas de carreira, Daniela ouviu que expor a união com Malu poderia atrapalhar sua vida profissional. As duas poderiam ter optado por uma cerimônia mais intimista no civil, mas preferiram enfrentar o preconceito que sabiam que seriam alvo.
A gente deu um impulso de coragem pra muita gente. Na época, [alguns] amigos diziam: 'você vai acabar com sua carreira'. Eu disse: 'como assim? Se tiver de acabar, vai acabar, porque não vou deixar de ser quem sou, nem vou deixar de ser a cidadã que sou, nem vou deixar de viver a minha vida claramente, porque sou uma democrata e sei os meus direitos'. Mas óbvio que sei o mundo que vivo, sempre soube.
Daniela sabia que falar publicamente sobre sua relação com Malu poderia ajudar a diminuir o preconceito, mas se surpreendeu com a repercussão. "Não tínhamos a dimensão de como tocaríamos o coração das pessoas, como sensibilizaríamos o Brasil e os países onde sou conhecida com essa questão. Naturalizou as relações entre pessoas do mesmo sexo, viram que são famílias como quaisquer outras, núcleos familiares éticos, de pessoas que querem ficar juntas, que se amam, que se respeitam e que constroem suas formas de conviver nesse mundo."
O dia do casamento não foi por acaso. 12 de outubro é Dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, ou seja, uma data que representa o país. Além disso, Daniela diz simpatizar com as histórias das santas. Quando, enfim, aquele 12 de outubro chegou, tudo estava pronto: a decoração, os vestidos, os familiares e, claro, o friozinho na barriga.
Sensação de que eu tava indo abrir o coração do mundo, precisava de coragem porque era mais um confronto político, um confronto de costumes, era mais um momento de luta.
Desde então, Daniela e Malu se tornaram ativistas e participaram de diferentes campanhas contra o preconceito, incluindo da ONU. Elas foram embaixadoras da primeira campanha internacional contra a homostransfobia da organização, lançada em Nova York em 2015.
"Isso tudo é disposição, a gente tem que lidar com as nossas próprias questões internas, né? Discutir, falar sobre nós, falar sobre nossos sentimentos, nossa vida íntima e nossos medos é algo que expõe muita gente. Malu e eu sempre fomos discretas. Só fizemos isso em prol da humanidade mesmo, inclusive nas redes sociais. [Comemoramos] a data do anúncio, o dia em que a gente conheceu, as músicas que fiz e a data do casamento civil. Os fãs também comemoram. São datas de lutas políticas."
"Será que somos tão diferentes?"
Dez anos após se casar com Malu, Daniela lamenta o projeto de lei aprovado no Congresso que tenta proibir o casamento entre pessoas do mesmo gênero. Ela enxerga retrocesso e aponta inconstitucionalidade na proposta. Ela reitera que todos "somos cidadãos de diretos livres e iguais" como está na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Será que pelo fato de sermos distintos uns dos outros, não teríamos o direito de ter direitos como cidadãos de uma democracia? É óbvio que não. Um projeto de lei como esse não é compatível com a democracia. E foi exatamente o que a Suprema Corte Brasileira fez: tornar o casamento civil de pessoas do mesmo sexo uma resolução e reconhecer os direitos que estão na Constituição. A Constituição não aceita retrocessos... [Esse projeto] é bem esdrúxulo.
E ela pontua a importância de se respeitar as diferenças dentro da comunidade LGBTQIA+. Para a artista, cada cidadão, pode contribuir um pouco para diminuir o preconceito. "A gente não pensa igual em todos os aspectos, nem em termos partidários, nem ideológica, nem religiosamente. Temos formações diferentes, gostos diferentes, somos simplesmente parte da diversidade que se destaca por ter uma luta política por direitos que os outros não têm, assim como os negros no Brasil têm lutado contra o racismo estrutural. A gente tem que lutar contra a homotransfobia estrutural."
É óbvio que vão sempre inventar inimigos, porque a política precisa de marketing. Ela precisa inventar alguém para ser contra, pena que escolhe pessoas que já são vulneráveis e sofrem violência histórica... Tem uma frase no aeroporto de Portugal que diz: 'se você sai de casa e acha que tudo o que é dos outros é muito ruim, que elas são desagradáveis, você tem que ficar em casa'.