Aos 80, Scorsese leva ao cinema o massacre dos indígenas Osage
O Plano Geral desta semana traz "Assassinos da Lua das Flores", o novo e aguardado filme de Martin Scorsese, além de mais dicas da Mostra de Cinema de São Paulo, que vai até dia 1º de novembro e também as atrações online e gratuitas nas plataformas da SPCine Play, Sesc em Casa e Itaú Cultural Play.
Thiago Stivaletti e Flavia Guerra começaram analisando "Assassinos da Lua das Flores". O conto retrata o massacre dos indígenas Osage pelos brancos na década de 1920 nos Estados Unidos, com Leonardo DiCaprio, Robert De Niro e a atriz Lilly Gladstone em estado de graça.
Ao longo da carreira, Scorsese filmou muitos roteiros adaptados, alguns originais. "Mais uma vez é um roteiro adaptado. Ele se encantou pela história da nação Osage, que enriqueceu com o petróleo de suas terras. Mas os brancos em volta não largaram o osso, ficaram em volta e começou a haver uma miscigenação quase que forçada e acelerada, dos brancos com os indígenas. E, os brancos, pouco a pouco, foram conquistando o espaço que eles achavam que tinham perdido", começa Thiago.
Inspirações
Baseado no livro de "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI" ("Assassinos da Rua das Flores: Petróleo, Morte e a Origem do FBI") em que o autor David Grann trata do caso real de uma série de assassinatos ocorridos na região de Osage Nation, em Oklahoma nos anos 1920, "Killers of the Flower Moon", o filme, parte da história de um atrapalhado e matuto Ernest Burkhart (Di Caprio), que, ao voltar do front da Primeira Guerra Mundial, vai viver com seu tio Wiiliam Hale (De Niro), um poderoso fazendeiro da região de Osage.
King (Rei), como gosta de ser chamado, é uma autoridade local. Ele tem uma fazenda, dinheiro, influência e o respeito dos Osage. Até fala o idioma e tem amigos indígenas. Figura paterna do sobrinho Ernest, King está de olho na fortuna dos conterrâneos indígenas. Eles estão entre as pessoas mais ricas do mundo, depois que foi encontrado petróleo em suas terras ancestrais.
Ernest passa a trabalhar como motorista e conhece a indígena Mollie (Lilly Gladstone), por quem se apaixona, mas em quem também o tio King enxerga um caminho curto e seguro para se obter mais dinheiro ainda.
"Ele, Ernest (Di Caprio) é o típico idiota útil. Ele volta da Primeira Guerra, claro, meio traumatizado, precisando de uma figura paterna. E o tio, o King, funciona como esta figura, mas é um vilão típico, sem nuances. Ele é uma raposa. Mas Ernest, como a própria história deixa claro, e como familiares dele comentam até hoje, amava a Mollie", acrescenta Flavia.
Era uma união boa para os dois, pois ela se tornaria independente para cuidar de sua fortuna (com o marido como tutor) e ele teria o dinheiro à disposição. Infelizmente, o desenrolar de tudo é uma tragédia. Flavia
Sem spoilers
Thiago destaca a forma interessante como Scorsese fecha este épico de mais de três horas. "Há quem goste e quem não. No final, o próprio diretor aparece em cena. E isso é um comentário sobre como tudo na história dos EUA vai para Hollywood e de alguma maneira vira entretenimento. Essa própria história da nação Osage hoje vira filme, vai pro Oscar, vira um entretenimento de mais de três horas."
É um comentário incômodo sobre como tudo vira entretenimento para o bem e para o mal, mas será que a gente faz a reavaliação histórica ou a gente está só vendo um filmão de três horas e meia? Thiago
Destaques da Mostra de São Paulo
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Quero receberA Mostra de São Paulo segue a todo vapor e o Plano Geral destaca longas como o alemão "Afire", de Christian Petzold, o mesmo de Barbara, Phoenix e Undine.
O filme recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2023 e conta a história de um grupo de jovens que se vê reunido em uma uma pequena casa de férias junto ao mar Báltico. É verão e não chove há semanas. E estes quatro jovens, um escritor, um fotógrafo, um salva-vidas e uma vendedora de sorvetes, vão se conhecendo, entendendo, desentendendo, mas aprofundando as relações. (ouça a partir de 22:27).
"Afire" tem sessões no dia 28, as 19h, na Cinemateca Brasileira, e no dia 11/11, às 14h45 no Espaço Itaú Bourbon Pompeia.
LA CHIMERA
Ainda nos destaques internacionais, "La Chimera", da italiana Alice Rohrwacher, de "Lázaro Feliz", vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes 2018. Também exibido em Cannes 2023, "La Chimera" conta a história de um grupo de jovens que são ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas. Se quimera, além da figura mitológica com cabeça de leão ´corpo de cabra, também pode ser um sonho nunca alcançável, impossível, a Quimera para eles é o desejo pelo dinheiro fácil. (ouça a partir de 30:00)
"Este sonho impossível da Quimera, é um desejo que não vai se realizar. O que é interessante no cinema da Alice é que muitas vezes os personagens são errantes, eles vagam em busca de algo que nem mesmo eles sabem o que é. E a personagem da Carol Duarte é esta figura feminina, cheia de mistérios, que acaba inspirando Arthur e o encantando também", comenta Flavia.
"La Chimera" tem sessões no dia 25, às 19h30 no CineSesc, no dia 28 às 14h, no Instituto Moreila Salles, no dia 19, às 21h no Kinoplex Itaim Sala 2, no dia 31, àas 20h15, no Cineclube Cortina, e no dia 1/11 às 13h30, no Reserva Cultural.
"A BESTA"
Para terminar os internacionais, em "A Besta", o francês Bertrand Bonello conta uma história de amor através do tempo, ou de tempos diferentes. Exibido na competição oficial do Festival de Veneza 2023, o filme traz a história de um casal em três momentos distintos da História.
Estrelado por George MacKay e por Léa Seydoux, "A Besta", na verdade, parte de um futuro próximo, em que a inteligência artificial dominou tudo e que as emoções humanas se tornaram uma ameaça. Para se livrar das emoções, Gabrielle (Léa) precisa purificar seu DNA voltando às suas vidas passadas. Neste processo, ela acaba se reencontrando com Louis (MacKay), seu grande amor.
É um filme muito maluco, mas muito interessante, que traz uma história no passado, no presente e no futuro. Thiago
"A Besta" tem sessões no dia 25, às 21h, na Cinemateca Brasileira, no dia 26, às 13h30, no Reserva Cultural, e no dia 30, às 20h50 no Espaço Itaú de Cinema Bourbon.
A PAIXÃO SEGUNDO GH
Na lista dos brasileiros desta semana na Mostra, é imperdível a sessão especial de "A Paixão Segundo GH", de Luiz Fernando Carvalho, que ocorre no sábado, 28, às 19h45, na Cinemateca Brasileira. Estrelado por Maria Fernanda Cândido, o longa leva para as telas o livro homônimo de Clarice Lispector e investiga a vida da personagem do título.
Após a sessão, dentro da programação do III Encontro de Ideias Audiovisuais, haverá um debate com o diretor, a atriz Maria Fernanda Cândido, Nádia Gotlib, biógrafa de Clarice, e Melina Dalboni, roteirista do filme, que vão conversar sobre o mais recente filme de Luiz Fernando Carvalho, sobre o encontro de seu cinema com a literatura de Clarice e sobre a obra que inspira o longa.
Na trama de "A Paixão Segundo G.H.", que se passa no Rio de Janeiro em 1964, depois do filme de uma paixão G.H., escultora da elite de Copacabana, decide arrumar seu apartamento. Ela começa pelo quarto de serviço. No dia anterior, a empregada doméstica pediu demissão e, neste quarto, G.H. se depara com uma enorme barata que revela seu próprio horror diante do mundo, reflexo de uma sociedade repleta de preconceitos contra os seres que ela elege como subalternos.
Diante do inseto, G.H. vive sua via-crúcis existencial. A experiência narra a perda de sua identidade e a faz questionar todas as convenções sociais que aprisionam o feminino até os dias de hoje. Baseado no romance de Clarice Lispector.
"Ela está em uma crise existencial profunda, em uma espiral meio de loucura, meio de analisar a vida. E a gente embarca com ela. Sem brincadeira, eu nunca vi ninguém filmar tão lindamente uma barata. Aqueles super closes nas antenas, nas patas, a dimensão quase mitológica que o filme dá a este ser que tanto odiamos? É genial", comenta Flavia.
Thiago observa que este é um dos livros mais celebrados e amados de Clarice. "Foi escrito logo no início do Golpe Militar de 1964. Hoje as pessoas veem muito as angústias de G.H. como as angústias que o Brasil vivia naquela época. As dúvidas existenciais daquela mulher não podiam estar completamente desconectadas do País", observa ele.
Em conversa com o Plano Geral durante a première do filme no Festival do Rio 2023, o diretor Luiz Fernando Carvalho comentou que está feliz em fazer parte do ritual coletivo de mostrar seu filme, finalmente, no cinema.
É um ritual de cidadania que precisamos retomar. Só por isso, eu já estou muito feliz. Luiz Fernando Carvalho
Sobre a jornada de levar a obra de Clarice Lispector para o cinema, o diretor comentou: "Tudo na vida é difícil, continuar a fazer cinema, continuar qualquer cois é difícil. Acho que G.H. poderia ter, talvez, uma moral da história, digamos, que seria té machadiana, que seria a personagem G.H. que ninguém sabe direito o que é isso. Há quem ache que é Glória, outros que é gênero humano. Eu tenho minha leitura. Mas, em última análise, seria: "Continue!". Para mim, G.H. seria o gênero homem, em que tudo que não seria o "gênero homem" é excluído, vira barata. Neste sentido, ela era uma mulher muito moderna."
"A Paixão Segundo G.H" tem sessão no dia 28, às 19h45, na Cinemateca Brasileira, seguida de debate, e no dia 1/11, às 21h20 no Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca 4.
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