Fazer parte da Turma da Mônica me fez conhecer diferentes Mauricios
O cartunista Mauricio de Sousa, que acaba de completar 88 anos, enfrentou uma maratona em outubro. O criador da Turma da Mônica viajou com parte da família a Gramado, no Rio Grande do Sul, e encarou horas e horas de autógrafos e abordagens que sempre começavam com um "eu posso tirar uma foto com o senhor?" ou "eu sou muito seu fã."
Ao longo de quatro dias de viagem, entre eles uma programação intensa de atividades na Vila da Mônica, não houve um único pedido que não tenha sido atendido. Ainda que um inevitável — e natural — cansaço ficasse evidente no rosto do artista, ele fazia questão de encontrar o melhor sorriso para entregar a quem o parava pelo caminho.
Questionado de onde vem tanta disposição, eis a resposta do desenhista: "Quando se faz o que gosta, a gente não sente". A declaração foi dada a este repórter que vos escreve, momentos antes da gravação de uma entrevista com Alice Takeda, diretora de arte da Mauricio de Sousa Produções, com quem o cartunista é casado.
Naquele momento quem estava diante dele não era apenas um jornalista no exercício da própria profissão, mas também uma espécie de Chico Bento. Ele mesmo: o caipira do interior que adora cabular aula para tomar banho de rio e carrega no DNA referências de um outro Brasil.
Até ali, eu ainda tentava entender qual era o tom necessário para acompanhar uma família tão de perto, sem ultrapassar limites que considero inegociáveis — até mesmo para profissionais de imprensa cuja missão é contar histórias. Entretanto, após a fala do cartunista, eu também fui transportado para dentro de mim — e da minha própria trajetória.
Era o que precisava para relaxar e me entregar para aquela experiência, que se transformaria em uma das mais significativas da minha vida e carreira até aqui. O menino de Populina, cidade de pouco mais de 4 mil habitantes do interior de São Paulo, estava fazendo "o que gosta" e diante do criador de um dos universos infantis mais importantes do entretenimento.
O homem
Abrir mão da imagem do mito, aquela reforçada todos os dias pelos intermediários da comunicação, foi um desafio, mas também necessário para enxergar o ser humano Mauricio de Sousa.
O primeiro contato aconteceu momentos após passar pelo raio-x do Aeroporto de Congonhas, zona sul de São Paulo. De longe, eu avistei um grupo de pessoas que despertava a atenção por onde passava. Entre eles, estava um homem de cabelos brancos, passos lentos e um sorriso inconfundível.
Gelei, eu confesso. Não há acúmulo de experiências que possam evitar o frio na barriga, pelo menos não no meu caso. Fui como deu. A primeira coisa que ele me disse quando fomos apresentados foi: "Como é a vida aí em cima?" - Sim, ele estava fazendo graça com a minha altura. Talvez tenha sido a primeira vez que eu respirei direito naquela manhã.
Dali em diante, comecei um exercício de observação. No geral, no primeiro dia, trocamos poucas palavras. Eu estava profundamente interessado em ouvir o que ele e a família tinham a dizer por meio do silêncio e dos gestos. Acreditem: eles também falam bastante quando não estão verbalizando palavras.
Durante o voo, entre uma surpresa e outra para os passageiros, o cartunista aproveitou para tirar um cochilo. Alice, mulher do desenhista, demonstrava cuidado com todos ao longo de todo o trajeto, ao mesmo tempo em que brincava algumas vezes com o neto Martin, de 3 anos, filho da também desenhista Marina Takeda e do marido, Rafa Cameron. O contato acontecia entre o vão das poltronas e arrancava risadas e reações divertidas do pequeno.
Aqui, aliás, vai uma denúncia ao avô: eu peguei o seu neto assistindo trechos de um filme dos Minions durante a viagem, acredita? Brincadeiras à parte, aquele simples ato me fez lembrar mais uma vez: eu estava diante de uma família diversa e humana. Em determinado momento da estadia em Gramado, o episódio me levou a uma pergunta a Marina que parecia inevitável: nos aniversários em família, as festas só podiam ser da Turma da Mônica? A resposta dela foi um "não", seguido por uma risada.
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Enquanto conduzia a entrevista com Alice, dentro de uma das salas da Vila da Mônica, vi um marido com o olhar ainda apaixonado. Ao mesmo tempo em que a minha atenção estava voltada à diretora de arte, que contava detalhes da história construída ao lado do artista, também não podia deixar de observar as reações do cartunista.
Ao longo de quase uma hora, ela descreveu um homem "galanteador" — juro que não encontrei outra palavra para escrever melhor as minhas impressões —, que estava disposto a conquistar a atenção e o coração daquela mulher. Durante uma viagem a trabalho ao Japão, ele entregou uma caixa com um "vestido de Cinderela" e disse que era um presente para um jantar de Natal, que seria comemorado em um restaurante. Foi o jeito que eles encontraram para celebrar a data entre os compromissos profissionais.
"Tinha pouca gente [no restaurante], porque ninguém comemorava o Natal lá. Então, ele me chamou para dançar e dançamos o Natal. E eu com aquela roupa linda, né? E era época de frio, então era um veludo japonês, né? Com uma blusa fina, bem brilhante. Nossa, eu me senti realmente uma Cinderela", contou Alice.
O avô
Também descobri um avô atento ao neto, que não esconde a ansiedade para transformar aqueles traços ainda em formação em um novo personagem. Não há nada de concreto ainda, que fique claro, mas é fato que ele enxerga na criança uma infinidade de possibilidades dentro da turma.
As caras e bocas do pequeno Martin roubavam a atenção de Maurício — que peço licença para chamar pelo primeiro nome a partir de agora — com frequência. Durante um jantar em um restaurante temático de "Alice no País das Maravilhas", por exemplo, bastava seguir o olhar do desenhista para chegar até a criança.
Marina diz que está segurando o pai, ela quer esperar o filho crescer um pouco mais antes de pensar na possibilidade de um personagem só dele. Mas, no entanto, admite: "Pelo meu pai, ele já teria criado. Tudo que ele vê no Martin ele comenta." Tudo ganha camadas ainda mais especiais a partir das lentes do artista, embora justiça seja feita: Martin tem o próprio jeito de conquistar as pessoas — ganhei um melhor amigo durante toda a jornada.
O pai
Ver o Mauricio pai, ainda que no convívio de dois dos dez filhos, talvez tenha sido o aspecto do cartunista que mais me atraiu durante toda a viagem. E eu explico o motivo: eu vi um pai atento e capaz de enxergar a individualidade de cada um dos filhos. Não havia, pelo menos nas falas e nos gestos, nenhuma expectativa para que Marina e Mauro fossem outros que não eles mesmos.
A naturalidade diante do relacionamento do filho Mauro com o gerente Rafael Piccin também me pegou. "Uma coisa tão natural. Ele é meu filho como ele é, e como deve ser. E que seja ele mesmo e use bem essa vida que ele tem, cercado de amigos, que eu vejo e sinto. Eu acho que eu ajudei... Acompanhando o Mauro, eu ajudei o Mauro a ser o Mauro que todo mundo conhece", disso o cartunista, durante uma conversa no hotel.
Foi impossível, mais uma vez, não me colocar dentro da história e pensar no caminho que precisei percorrer para vivenciar o mesmo com a minha própria família. Sair do armário talvez tenha sido uma das coisas mais difíceis da minha vida — tudo isso depois de uma crise de pânico, sessões de terapia e muito medo de não ser aceito por aqueles que me são mais caros.
Eu encerrei a conversa com o Maurício de Sousa, minutos antes de deixar o hotel e voltar a São Paulo, confidenciando o quanto do Chico Bento que existe dentro de mim estava realizado naquele momento. O menino do interior, que havia deixado a casa dos pais em direção à capital paulista para ser jornalista, também estava naquela sala, com os olhos cheios de água e uma sensação de completude.
Obrigado, Mauricio. Obrigado, família Sousa.
*Repórter de Splash viajou a Gramado (RS) a convite de Vila da Mônica Gramado e Mauricio de Sousa Produções.
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