'Pastora de iPhone': ela foi criticada ao pregar em festa de influencer gay
Ranieri Costa
Colaboração para Splash, em Sumaré (SP)
02/11/2023 04h00
Era dia 18 de setembro quando a jovem pastora e influenciadora digital Vitória Souza subiu no palco da Igreja Assembleia de Deus Fonte de Vida, na cidade de Catanduva, interior de São Paulo, para cumprir um dos seus 19 eventos marcados para o mês. Ela se fez um discurso se recusando a pregar porque, segundo ela, o pastor Everton Porto a teria chamado de "produto", o que a deixou profundamente ofendida. A cena terminou em confusão, e logo viralizou.
Vitória é uma adolescente de 17 anos que já acumula mais de 6,7 milhões de seguidores em suas redes sociais. Ela ficou conhecida por suas pregações com analogias que buscam oferecer ensinamentos religiosos para seus seguidores. "Pastora do iPhone", "pastora coach" ou "pregadora do TikTok" são algumas das formas pelas quais ela é chamada.
Filha e neta de pastores, ela nasceu em um lar batista e aos poucos foi migrando para o ambiente pentecostal. Ela conta, em entrevista a Splash, que começou a pregar com 4 anos e nunca mais parou. Diz que cria suas famosas pregações de forma espontânea e sem qualquer ensaio prévio, num modelo que segue, na opinião dela, o da mensagem de Jesus —que pregava em parábolas.
O primeiro vídeo que fez sucesso na internet foi cantando, ao 9 anos, ao lado da sua cantora favorita, Damares. De lá para cá, ficou famosa, gravou clipes, visitou quase todos os estados brasileiros e já faz planos para sua primeira turnê internacional no próximo ano.
A evangelista —como prefere ser chamada— não demonstra se importar com as críticas que recebe pela forma como faz suas pregações, nem mesmo com os apelidos que já recebeu. Para ela, sua mensagem é, sim, de autoajuda.
"Se isso é ser coach, então, pode me chamar de coach", afirma.
A maior preocupação da Vitória é de que as pessoas não enxerguem a essência que ela carrega, diz.
A rotina da jovem é dividida entre leitura bíblica e orações logo ao acordar; estudo para suas pregações; a família e a ajuda no cuidado das irmãs mais novas, de 8 e 4 anos; a igreja; os estudos; e, por fim, o tempo que tira para si mesma.
Com todos os compromissos de sua agenda, dar conta dos estudos é um grande desafio. Vitória está no 3º ano do ensino médio, mas, desde o início da pandemia, decidiu não frequentar presencialmente a escola devido aos eventos que participa.
Sobre sua vida de pregadora, enfatiza que não está fazendo algo que tenha sido uma escolha pessoal. "Não foi a Vitória que escolheu viver isso, mas foi Deus quem escolheu".
Ainda que não tenha sido uma decisão dela, a influenciadora tem dificuldades de se imaginar fazendo outra coisa: "Talvez psicologia, ou até mesmo jornalismo", reflete.
Já sobre seguir a carreira ministerial da igreja e se tornar pastora, ela foi categórica: "Não penso em ser pastora."
Críticas e "cancelamento"
O episódio de Catanduva aconteceu pouco tempo depois do maior obstáculo que Vitória já enfrentou em sua carreira como pregadora. No mês passado, ela foi convidada pelo influenciador digital Hytalo Santos para pregar em sua festa de aniversário.
Segundo conta, o evento teria sido um grande e longo culto de ações de graças. Mas, um vídeo de Vitória orando pelo rapaz despertou a indignação de muitos evangélicos.
Vitória afirma que a revolta teria sido motivada porque algumas páginas divulgaram que o evento se tratava de um casamento homoafetivo. Hytalo é gay e noivo de MC Euro, também influenciador digital.
Não imaginava que teria todas essas críticas. As pessoas não sabem nem o que fui fazer lá. Hytalo é um amor de pessoa, com um coração gigante, não é porque ele é gay que vou deixar de amá-lo. Sinceramente, se eu recebesse o convite de novo, eu iria. O meu propósito de ter ido lá foi para ter dado uma Bíblia para ele. Essa parte as pessoas descartaram. Vitória Souza
A evangelista recebeu milhares de mensagens criticando sua presença no evento, o que a levou a divulgar um vídeo chorando nas redes sociais. Nesse período em que se viu atacada, conta que também recebeu apoio de celebridades que estão fora do universo gospel, como Simone Mendes, Kaká Diniz, Nego do Borel, entre outros nomes.
Para Victor Azevedo, teólogo, escritor e pastor da Igreja Por Amor, em São Caetano, São Paulo, essas críticas que Vitória recebeu são, sim, motivadas pela homofobia. "A igreja evangélica brasileira, em sua hegemonia, é homofóbica". O pastor completa dizendo considerar estranho o povo de Deus aparentar gostar desse apedrejamento digital, que para ele é um novo tipo de fogueira da inquisição.
A famosa pregadora diz ainda que essa postura de apontar o dedo para as pessoas é o que tem afastado muitos jovens das igrejas.
A igreja diz pregar o Evangelho, diz pregar sobre o amor, mas não pratica o verdadeiro Evangelho; é [preciso] ter o ato de amar e de perdoar.
Toda a repercussão daquele simples aniversário também rendeu a Vitória muitos eventos cancelados. No entanto, o próprio Hytalo disse ter feito um PIX de R$ 100 mil para a jovem após a polêmica. "Para você que estava feliz vendo a Vitória chorando, pode ficar triste de novo, eu acabei de fazer 100 mil 'conto' para ela mesmo cancelar a agenda dela. Ela que vai escolher para onde vai. Eu fiz o que é equivalente a quase 40 vezes o que ela me cobrou para vir para cá" compartilhou o influencer.
Chamada de "produto"
Ao retornar à sua agenda pública no início de setembro, ela precisou de coragem para, pela primeira vez, se recusar a cantar e pregar numa igreja. Após afirmar ter sido chamada de "produto", ela se despediu e foi embora. No episódio, a igreja esvaziou-se, pois todos que foram para ver e ouvir Vitória correram até ela para abraçá-la e tentar registrar o encontro com a evangelista.
O pastor Everton Porto, quem teria falado de maneira negativa de Vitoria, foi procurado pela reportagem e se recusou a dar entrevista, mas afirmou não tê-la chamado assim. Contudo, no vídeo que viralizou, ele afirma: "É produto, na verdade, paguei 3 mil". Sobre o valor citado pelo pastor, Vitória rebate e afirma que recebeu R$ 2 mil —e que esse dinheiro seria usado para a manutenção de sua equipe.
"Não vivo de dinheiro de cachê, eu trabalho, eu sou influenciadora digital e ganho com monetização, ganho com as redes sociais. Pela lógica, se eu quiser ganhar dinheiro, eu não preciso cumprir agenda, é só fazer um vídeo aqui em casa. Mas, não, eu faço porque eu amo a obra de Deus", disse.
Eu me senti ali como um produto. Foi quando eu preferi me retirar, porque a igreja não era de Deus, a igreja era dele e me senti bem triste, como uma prostituta de altar. [Ele pensava:] 'eu paguei e você faz o que eu quero, no momento que eu quero'.