'Tia Virgínia' é um grito de liberdade para mulheres que não seguem padrões
Em cartaz nos cinemas desde a quinta-feira (9), o longa "Tia Virgínia" (Vera Holtz) narra a história de uma mulher de 70 anos que nunca se casou ou teve filhos. A história, que se passa inteiramente durante 24 horas, na véspera de Natal, mostra que Virgínia foi convencida a deixar a vida que levava para cuidar da mãe, uma mulher de 99 anos.
Escrito e dirigido por Fabio Meira, o longa reflete a realidade de mulheres que desviaram da expectativa da sociedade em relação ao matrimônio e maternidade. Além disso, destrincha situações que envolvem o envelhecimento do indivíduo, as mudanças geracionais e o que não muda nunca.
Em plena véspera de Natal, é servido muita torta de climão. São relembradas mágoas passadas entre Virgínia e suas duas irmãs, Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso), que viajam de suas cidades para passar o primeiro Natal após a morte do patriarca da família.
"Tia Virgínia" é fruto da observação do diretor Fabio Meira em seu próprio núcleo familiar e duas tias solteiras. Ele, que tinha curiosidade e achava a situação delas trágica, cresceu e percebeu que não havia nada trágico. "O valor delas é imenso por não seguir um padrão social"
O filme é um grito de liberdade, um grito de alerta, porque a Virgínia está aprisionada. Ela foi colocada nesse lugar e não queria estar ali. E ela protesta o tempo inteiro. Só que é melhor não ouvi-la, porque é mais cômodo para todo mundo deixá-la naquele lugar. A sociedade age dessa maneira também em vários aspectos.
Fabio Meira
O filme, que busca surpreender o público com atitudes inesperadas dos personagens, vai na contramão da produção audiovisual brasileira: dá protagonismo a personagens idosos. "Quantas mulheres de 70 anos vemos protagonizando um filme? Aqui temos três", completa Fábio.
"O filme remonta essa polêmica que teve na morte da Aracy Balabanian. Ela tinha adiantado: 'Quando eu morrer, vão dizer que não casei e não tive filhos como se eu não tivesse vivido'. E ela viveu muito, com amigos, teve uma carreira linda, mas quando morreu, as manchetes foram como ela imaginava. Isso é muito triste."
"Me vejam"
Assim como a personagem, Vera Holtz também não quis ter filhos. Ela acredita que a obra ajuda a jogar luz sobre histórias semelhantes da vida real. É um grito da Virgínia para todos: "Me vejam".
"Não é o fato de que eu não constituí uma família que eu não posso ter outras famílias. A família sanguínea da Virgínia a tira de uma outra família: os amigos dela. A Virgínia gostava de sair à noite, tinha um monte de coisas para fazer, uma vida social, mas as irmãs não entendiam."
É um filme que fala não só da Virgínia, dessa mulher que não quer ter filho, como das outras que escolheram os padrões de comportamento, pensa Vera. "Como se estabelecem as relações familiares? As duas irmãs têm filhos adultos. Algumas situações se remetem naquele Natal, outras surpreendem Virgínia."
Para Arlete Salles, as irmãs de Virgínia também têm razão. Afinal, elas escolheram se casar e ter filhos. São felizes por isso, apesar de ocasionar distância do seio materno da família. "Essas irmãs constituíram famílias. Elas não podem abandonar a vida para cuidar da mãe idosa. A Virgínia está certa em suas reivindicações, mas as Vanda e Valquíria também".
Louise Cardoso acredita ser um filme que trará identificação às pessoas porque é o retrato de muitas famílias. Ela define todas as três irmãs como mulheres fortes, mas enxerga na Valquíria o desejo de "ter razão em tudo" e de ser autoridade. "Ela veio para o confronto, de alguma maneira, nesse Natal."
Tem uma fala da Virgínia no filme. Ela diz que envelhece a cada Natal que passa, mas nesse Natal, em especial, ela vai dar a volta por cima.
Louise Cardoso
Premiado, o filme recebeu cinco kikitos e uma menção honrosa no Festival de Gramado deste ano, incluindo o Prêmio de Melhor Atriz para Vera Holtz. No elenco também estão Antonio Pitanga, Vera Valdez, Amanda Lyra, Daniela Fontan e Iuri Saraiva.