Bad Religion volta ao Brasil cada vez mais atual e vendo o mundo pior
Thales de Menezes
Colaboração para Splash, em São Paulo
27/11/2023 04h00
Na mistura de gerações musicais que subirá aos palcos montados em Interlagos para o festival Primavera Sound, nos dias 2 e 3 de dezembro, o veterano Bad Religion surge como um monumento vivo do punk americano. Formado em 1979, foi um dos responsáveis para mostrar ao público como o som punk poderia ser veículo de música política, séria e engajada.
O grupo se apresenta no segundo dia do evento, no domingo, ao lado de outros tarimbados como Beck e The Cure. O guitarrista Brian Baker, no grupo desde 1995, conversou com Splash de sua casa, em New Jersey. Ele já estava na formação quando o Bad Religion fez sua primeira de 11 vindas ao Brasil, no festival Close-Up Planet, em 1996.
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Certamente essa relação constante gera uma legião de fãs brasileiros maduros, mas Baker sabe que o público do Primavera é jovem e se empolga com isso. "Principalmente de uns cinco anos para cá, vejo muitos pais com filhos nos nossos shows, muita gente jovem. É muito estimulante para nós, que somos de outra geração."
Ele recorre a uma lembrança pessoal. "Toda e qualquer música que o meu pai gostava, pode ter certeza, eu odiava. É incrível ver um interesse familiar pelo Bad Religion. Eu acho que os jovens que comparecem para nos ver têm um interesse de conhecer a banda e também a história do punk. Quando eu era fã de Led Zeppelin, ainda garoto, eu quis conhecer o que o pessoal do Led Zeppelin gostava de ouvir. Foi assim que descobri Muddy Waters, Little Richard... Se o garoto gosta de Blink 182, de Green Day ou de bandas ainda mais novas, ele vai perceber que o Bad Religion ajudou a construir o caminho desses artistas."
Tocar em um festival tão diverso não faz Baker e seus colegas se preocuparem em preparar um repertório diferente do habitual. Talvez o tempo da apresentação seja menor do que numa data da turnê regular da banda, mas, na essência, ele diz que o show é igual, mesmo que certamente a plateia tenha pessoas que estarão vendo o grupo pela primeira vez.
"Na seleção das músicas, acho que a gente se preocupa mais com aquelas pessoas que já nos conhecem, que elegeram há tempos suas favoritas", explica Baker, se referindo a hits obrigatórios como "American Jesus", "Stranger than Fiction" e "Sorrow". "É impossível pensarmos em um repertório mais 'agradável' para um público novo. Temos que tocar aquilo que nos fez chegar até aqui. Destacar o que é importante na história do Bad Religion. Quem quiser música lenta vai se decepcionar", diz, rindo.
Antes da pandemia, a banda lançou no final de 2019 o 17º álbum da carreira, "Age of Unreason". A covid-19 atrapalhou um pouco as comemorações dos 40 anos do grupo, mas mesmo assim Baker ressalta que fizeram muitos shows nos últimos anos. Mas ele não considera que ainda estejam excursionando para mostrar o repertório do álbum mais recente.
"Creio que o Bad Religion não faz show de divulgação de novos álbuns. Claro que tocar algumas canções do disco é um pouco como estar tendo uma conversa sobre o que andamos fazendo recentemente, mas gostamos de explorar toda a experiência do Bad Religion, sem preocupação mercadológica de divulgar o novo. E sempre tem aquele fã que gosta de uma música obscura, aquela que tocamos pouco. Então é bom a gente de vez em quando surpreender no repertório. Não existe um modelo de negócio que o Bad Religion siga. No fundo, nós temos muita sorte de as pessoas continuarem vindo assistir aos shows".
Para ele, é um privilégio que algumas canções do Bad Religion continuem relevantes hoje. "Falam de injustiça social, de homens intimidando outros com o poder, da luta das mulheres por seus direitos. Então acredito que sejam tópicos atemporais."
Isso demonstra que o mundo, quase 40 depois de lançamento de algumas dessas canções, está ainda pior? "Sim! Está pior de todas as maneiras que a gente possa considerar! Nos últimos anos, todos estão desapontados, enjoados de conflitos que se repetem sem avanço algum. É uma grande frustração ver pessoas elegendo os piores nomes para representá-las politicamente. Votam em pessoas que vão contra seus interesses, é uma coisa tóxica!".
Ele acredita que muita música popular é "desnecessária". Segundo ele, é para fundo de conversas na balada, para tocar em propagandas no celular, "música para quem não gosta de música, sabe?". Mas ele ainda aposta na força transformadora de canções de protesto, para quem ainda enxerga a música como um canal de debates de ideias.
"Eu vou a shows o tempo todo, ainda tenho essa curiosidade", diz Baker a respeito de bandas novas. "A melhor coisa para você se manter conectado é perguntar aos mais jovens o que eles estão ouvindo. Você vai descobrir uma cena underground surpreendente, em vários os lugares. É lindo conhecer uma banda nova, mesmo que num lugar para apenas 50 pessoas. As boas bandas enchem esses ambientes de uma energia incrível, palpável".