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Livro 'mais triste do mundo' é perturbador e traumatizante, quase desisti

Li o livro "Uma Vida Pequena" e fiquei arrasada -- mas gostei Imagem: UOL

De Splash, em São Paulo

16/01/2024 04h00

"Pior e melhor livro que já li", "traumatizante", "mais triste de todos", "sádico", "perturbador", "terrivelmente gráfico". Estas foram algumas das frases que tinha visto sobre o livro "Uma Vida Pequena" (Editora Record) antes de decidir embarcar na história.

O livro não é novo, ele foi lançado em 2015, mas, em 2023, voltou a circular nas redes sociais. Talvez você tenha visto um vídeo de uma moça mostrando um diário de leitura: no começo, ela está feliz, depois, aparece chorando. Isso viralizou no TikTok.

Portanto, eu já sabia que o livro da autora norte-americana Hanya Yanagihara seria triste, mas, depois de ler as 784 páginas, cheguei a conclusão de que a história não é só triste, é muito mais que isso: é uma grande desgraça, com detalhes exagerados demais, que nunca tem fim. Mas vou explicar.

Alerta de Spoiler Splash Imagem: Arte UOL

Antes, é importante deixar claro que o texto contém spoilers e detalhes que podem ser gatilhos para abuso sexual e ideação suicida.

No começo, parece ser um livro "normal"...

A história conta a vida de quatro amigos que vivem em Nova York, aparentemente levando uma "vida normal", na casa dos 20 e poucos anos. Cada um deles tem sua própria personalidade e seus planos de vida. Acompanhamos todos eles ao longo de décadas (essa é uma das partes boas e divertidas do livro).

No entanto, um personagem recebe maior espaço na história, que é o Jude, o grande protagonista. Ele é um rapaz humilde, quieto, extremamente inteligente e, mais velho, um advogado de sucesso. Os amigos, Willem, JB e Malcom, sabem pouquíssimas coisas sobre o passado dele — algo que ele realmente esconde a todo custo.

A desgraça começa aos poucos

E é aí que os detalhes perturbadores surgem: os segredos de Jude são terríveis e dolorosos. Descobrimos que ele tem dores nas pernas que causam até desmaio e, depois, que ele tem o hábito de fazer cortes no próprio corpo.

As partes da automutilação são muito gráficas: há detalhes minuciosos da forma que ele realiza esses cortes — o que beira o desnecessário.

Ele também é abusado sexualmente repetidas vezes em um mosteiro quando criança e, depois, num orfanato. As cenas são bem detalhadas e vão sendo contadas pouco a pouco.

Tive que fazer algumas pausas nessas partes: os detalhes são explícitos e dá vontade de largar o livro, sinceramente.

Mais velho, mas ainda adolescente, ele é usado por um dos padres do mosteiro como garoto de programa em um hotel na beira da estrada — sempre com o discurso de que é só para juntar dinheiro para eles serem "felizes juntos".

Atores da peça seguram o livro "Uma Vida Pequena" Imagem: Reprodução/Instagram @alittlelifeplay

Ele revela depois que já foi torturado por um médico que disse que iria ajudá-lo assim que parasse com os programas. Ele é mantido em cativeiro e, mais uma vez, passa por diversas agressões e estupro.

E o "gran finale" da fase criança/adolescente de Jude é quando o suposto médico resolve torturá-lo. Ele diz que vai soltá-lo, mas, antes, avisa que Jude precisa correr mais rápido que o carro. É desta forma que descobrimos como Jude machucou a perna, ele é atropelado pelo criminoso.

Nessa hora pensei: 'Chega, não é possível tanta desgraça com uma só pessoa'. Mas, depois, refleti que a vida pode ser, sim, extremamente trágica com algumas pessoas.

"Os Anos Felizes"? Não é bem assim...

Ele também é agredido e estuprado por um dos "namorados" dele já adulto. Essa foi a parte mais difícil para mim. A situação é tão humilhante que tive de ler rapidamente: só batia o olho em cada linha. Me senti sem fôlego depois de terminar.

Marquei várias páginas do livro "Uma Vida Pequena" Imagem: Arquivo pessoal

No capítulo "Os Anos Felizes", esperava genuinamente algo feliz e, sendo sincera, até senti um pouco de alívio em ver a felicidade de Jude com Willem. O vínculo entre os dois é especial, realmente me emocionei.

Aliás, não é justo deixar de falar que o livro tem suas partes bonitas e sensíveis: a amizade e o amor entre os amigos e a família dá um quentinho no coração. Você quer que Jude seja feliz, que ele fique bem e se sinta amado.

Quando Harold, antigo professor dele, resolve adotá-lo, dei uns gritinhos de alegria. "Caramba, se tem alguém que merece ser feliz, esse alguém é o Jude", pensei.

Não era um milagre ser adotado aos trinta anos, encontrar pessoas que o amavam tanto que queriam reivindicá-lo para si? Não era um milagre ter sobrevivido ao insobrevivível? Não era a amizade um milagre em si, o encontro com outra pessoa que fazia o mundo solitário de certa forma parecer menos solitário? Não era aquela casa, aquela beleza, aquele conforto, aquela vida, um milagre? Trecho do livro

Mas nada disso é capaz de amenizar o clima pesado do livro. Ele é muito mais sobre as tragédias da vida de uma pessoa e a dificuldade em fazer as pazes com isso. É sobre uma pessoa que foi totalmente "destruída" e que tenta tirar algo bom disso — e consegue, mesmo que com tanta dor e sofrimento.

Se você tem vontade de ler, esteja preparado para a "paulada" que é este livro: você vai ficar com o coração partido em mil pedaços, sentir raiva, angústia, tristeza, desespero e querer que essa história tenha um final feliz.

Hanya Yanagihara queria um livro exagerado (e conseguiu!) Imagem: Sam Levy, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Aqui, faço um alerta: o livro não é para qualquer um. Se você não está em um bom momento, se há gatilhos com cortes no corpo, ideação suicida e abuso sexual, não leia.

No fim, a gente entende que o sofrimento de Jude não passa e ele finaliza da forma que sempre deu a entender. Ele não se sente merecedor do amor que recebe e passa o tempo se questionando. O final do livro é avassalador, por mais que eu já esperasse algo ruim — apesar de ser muito bem escrito.

Terminei com um misto de sentimentos: gosto de histórias que trazem laços fortes de amor, de amizade, de parceria. Me apeguei aos personagens, então me partiu o coração ver cada um deles morrendo pouco a pouco.

"Queria um livro exagerado", diz autora

Hanya Yanagihara contou, em entrevista ao The Guardian, em 2015, que queria um livro com "exageros em tudo":

Queria um exagero de amor, de empatia, de pena, de horror. Eu queria que tudo ficasse um pouco intenso demais. Queria que parecesse um pouco vulgar em alguns momentos, ou que ficasse entre o sentimentalismo total e os limites do bom gosto. Hanya Yanagihara ao The Guardian

A escritora disse que uma das brigas com o editor do livro era testar o limite das pessoas, ou seja, "quanto um leitor pode aguentar" — o que faz todo sentido depois que li o livro.

Malcom (Zach Wyatt), Jude (James Norton), JB (Omari Douglas) e Willem (Luke Thompson), respectivamente, na peça do livro Imagem: Divulgação/Charlie Gray

Para mim, você não chega a lugar nenhum ao adivinhar o quanto um leitor pode suportar e o quanto ele não pode. Mas o que um leitor pode perceber é quando você está se contendo por medo de ofendê-lo. Hanya Yanagihara ao The Guardian

O livro fez e ainda faz tanto sucesso que, em 2023, virou uma peça de teatro na Inglaterra. A adaptação tem recebido boas críticas no país, inclusive. É interessante perceber como os personagens são parecidos com a descrição do livro (que é muita "vazia" com Jude, eu o imaginava de outra forma).

Capa do livro gera debates Imagem: Divulgação/Editora Record

Capa do livro: dor ou prazer?

A foto do livro sempre rende um debate: o que você enxerga quando bate o olho neste moço que está, claramente, sentindo algo? Sempre pensei que seria dor até para combinar com a história do livro.

No entanto, lendo uma reportagem do site The Booker Prizes, descobri que a capa do livro mostra um rapaz tendo um orgasmo. O responsável pela foto é Peter Hujar, fotógrafo norte-americano.

O título da imagem é "Orgasmic Man" (na tradução, seria algo como "homem em orgasmo"). É assim que você percebe que homem na fotografia está em êxtase e à beira do processo de orgasmo.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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