O governo da Coreia 'banca' o BTS como Rodriguinho afirmou?
Camila Monteiro
Colaboração para Splash, de Pelotas (RS)
26/01/2024 12h00
Esse ano muitos fãs de k-pop estão de olho no BBB por causa do já famoso admirador da indústria MC Bin Laden. O rapper gosta de vários grupos e sempre que possível elogia e comenta sobre a injustiça que eles sofrem por puro preconceito. E foi em uma dessas conversas que Rodriguinho replicou um comentário infelizmente bastante comum e completamente errado sobre um show de k-pop: "O governo paga por isso", como se fosse uma espécie de projeto maquiavélico para obrigar todo mundo a consumir o produto.
São várias camadas de equívocos e a seguir explicamos didaticamente alguns pontos importantes a serem compreendidos para quem vem de fora e não tem a menor ideia de como funciona "o mundinho k-pop":
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Confundir países asiáticos (Coreia com China, como fez Rodriguinho) é xenofobia
Motivo de piadas sem nenhuma graça e um dos "erros" mais comuns é tratar todos os países asiáticos como se fossem a mesma coisa, desconsiderando completamente a história - muitas vezes cruel - e cultura de cada lugar. É ainda mais problemático considerando a relação entre esses países que são confundidos (China, Japão e Coreia do Sul), e que envolve guerra, invasões e décadas de dominação e abuso de poder. Esse apagamento do povo amarelo, colocando todos no mesmo barco, é uma das razões, por exemplo, por que existem tantos acadêmicos da área contra a utilização do termo "dorama" para falar de dramas coreanos. É uma generalização que mais uma vez apaga o lado coreano da história. Não, eles não são todos iguais, e chamar toda e qualquer pessoa asiática de "japonês" é sim um problema fácil de ser resolvido com uma pergunta ou uma busca no Google.
Entender que K-pop é uma indústria e não somente um gênero musical
K-pop não é apenas um tipo de música, um gênero definido por uma tag em um streaming musical. É uma indústria que abraça música, dança, moda, maquiagem e uma cultura de fãs fortíssima que faz tudo isso girar, e girar muito. Falar que "k-pop é tudo igual" não faz o menor sentido, uma vez que existem diversos subgêneros de músicas escritas e produzidas, muitas vezes pelos próprios idols. O próprio BTS, citado por Rodriguinho, tem discos completamente distintos uns dos outros, e os sete membros já lançaram projetos solo que nem sequer se encaixariam em um mesmo programa de rádio, tamanha a diferença de sonoridade. O estranhamento inicial pelo número de membros, looks "extravagantes" e coreografias complexas é, mais uma vez, cultural; não estamos acostumados com aquilo, portanto criticamos sem entender direito. O problema é quando isso se torna um preconceito, o que acontece muitas vezes. Nós aqui no Ocidente não facilitamos esse entendimento, com premiações nichando ainda mais o k-pop e colocando tudo na mesma caixa. Mais um apagamento para a conta de uma indústria que cresce no mundo inteiro e, claramente, assusta.
BTS fez a HYBE se tornar uma das empresas mais poderosas da Coreia e não o contrário
Chega a ser até engraçado para quem conhece a trajetória de BTS, ouvir/ler que o grupo "é bancado" pela empresa, numa espécie de patrocínio para divulgar o país. A situação é bem oposta: a HYBE nem era HYBE quando BTS foi criado. Big Hit, ainda uma empresa menor na época (2013), contava com apenas um grupo, um solista e a vontade de investir em Kim Namjoon (RM). O resto, é história, e não uma fácil ou simples. Foram anos e anos da mídia coreana ignorando o sucesso crescente do grupo que teve um papel essencial na disseminação mundial da indústria na fase atual. Se em 2018-2019 BTS lotou arenas e estádios pelo mundo inteiro, é porque anos antes eles fizeram shows minúsculos em locais duvidosos, chamando fãs na rua para assistirem seus primeiros projetos. Se hoje grandes canais da TV coreana utilizam músicas do grupo, é importante lembrar que um dia eles já foram ignorados. Portanto, nem a própria empresa tinha condições de "patrocinar" direito o próprio grupo, menos ainda o governo (que atualmente está ocupado com os escândalos da Primeira Dama).
Depois que a HYBE cresceu e se tornou a gigante do k-pop que é hoje, comprando várias empresas (SEVENTEEN já era grande na Pledis e cresceu ainda mais na HYBE) e debutando diversos grupos de sucesso (TXT, ENHYPEN, NEWJEANS, LESSERAFIM, por exemplo), o dinheiro foi girando mais e mais com merchandising sempre esgotado, turnês mundiais sempre cheias, idols e grupos embaixadores de marcas de alta costura e participações em festivais importantes como Lollapallooza e Coachella.
O Brasil é um dos países que mais consome k-pop no mundo
E por fim, mas não menos importante, não é necessário nenhum tipo de propaganda de governo nenhum para grupos de k-pop - ainda mais BTS - terem shows lotados aqui no Brasil, um dos maiores consumidores de música pop coreana do mundo. TWICE, um dos mais bem-sucedidos grupos femininos de todos os tempos, lotou o primeiro dia de Allianz Parque tão rápido que abriu um segundo dia para shows. BTS, da primeira vez que veio ao Brasil, lá em 2014 quando recém tinha debutado, fez show para pouco menos de 2 mil pessoas, em 2015, o fandom do grupo já tinha crescido consideravelmente, e a turnê foi no Espaço das Américas (atual Unimed) para 8 mil Armys. Em 2017, veio a ja enorme Wings Tour que lotou dois dias de City Bank Hall (16 mil fãs ao total) e finalmente, já no Allianz e reis do k-pop o grupo trouxe a "Love Yourself: Speak Yourself" pra cá, fazendo cerca de 80 mil pessoas cantarem "I'm the one I should love in this world". Ou seja, nenhum governo precisa mexer um dedo sequer para BTS encher um estádio, onde quer que seja.